Ambiente externo pode dificultar ainda mais a tarefa do banco central em estabilizar a inflação
Este espaço completou dois anos no dia 26 de janeiro, e a data passou completamente despercebida por mim. Lembro que o principal fator que me impulsionou a criar o blog foi a minha inclinação em escrever textos. Desde novo, sempre gostei dessa atividade. Em 2020, ano em que criei o Velha Economia, senti ainda mais vontade de escrever por conta de meus estudos centrados principalmente em matemática, estatística e econometria. Faltava um pouco de escrita.
Vou aproveitar a reportagem de capa da revista The Economist desta semana para iniciar esse artigo. A revista mostrou preocupação com uma possível quebra do sistema financeiro, em particular nos EUA, a qual poderia significar efeitos em cadeia sobre todo o mundo, algo parecido com o que testemunhamos na última crise financeira, em 2008. Nesta crise, embora os efeitos tenham sido diferenciados, como por exemplo a baixa influência negativa em economias emergentes, como o Brasil e a África do Sul, nas nações europeias o pedágio foi elevadíssimo, culminando em uma subsequente crise, centrada nas contas públicas, com o ápice do drama na Grécia (lembra da sigla pejorativa PIIGS ? É deste período).
Mas por que poderíamos ter uma nova crise? Segundo a The Economist, há um crescimento da alavancagem de instituições financeiras, sem uma clara proteção para possíveis calotes (defaults) generalizados. Alavancagem é a utilização de capital de terceiros para impulsionar operações. Como consequência, essas instituições conseguem transacionar e financiar quantias superiores aos seus patrimônios. É algo que podemos presenciar facilmente em crises, novamente como a de 2008.
A simples perda de confiança pode ativar retiradas maciças de capital, gerando um quadro de restrita liquidez. Instituições necessitando de recursos podem iniciar vendas de seus ativos, jogando os seus valores para baixo. Imagine esse processo generalizado, uma espiral crescente, culminando na desvalorização de ativos financeiros. Essa desvalorização impactaria consumidores e investidores, com perda de poder de compra e, portanto, queda do consumo e do investimento...
Outra preocupação da The Economist é com os preços das ações das gigantes de tecnologia. Diversos analistas têm apontado que essas empresas estão supervalorizadas, com os fundamentos econômicos (lucro, receitas, crescimento) não justificando essa precificação. Indício de bolha?
Saindo do campo da economia e migrando para o da geopolítica, podemos vislumbrar a crescente tensão entre a Rússia e a Ucrânia. Teremos uma invasão? Guerra? Há quem pense que os russos estão blefando para conseguir vantagens financeiras e concessões. E se não estiverem? Nas últimas semanas o podcast The Daily do New York Times tem tentado esmiuçar essa questão, mas com pouco sucesso. O que parece correto é que se é um simples blefe, é um dos blefes mais caros que já existiram. Toda a movimentação de tropas, armamentos e equipamentos vem acompanhada de custos.
Esse conflito é importante porque ele guardará consequências ao sistema financeiro. Não tenha dúvidas quanto a isso. Como vivemos em um mundo globalizado e integrado comercialmente e financeiramente, não estamos isolados de um possível conflito ocorrendo a milhares de quilômetros. O preço internacional do petróleo, já batendo records, poderá aumentar ainda mais. Tensões e incertezas geográficas tendem a exacerbar o seu valor.
Olhando mais para o lado leste, a possível quebra da empresa imobiliária chinesa, a Evergrande, ainda não foi superada. Há enorme ceticismo quanto a sua sobrevivência, bem como ao pagamento de suas dívidas. O governo chinês iria resgatá-la? Novamente, mais incerteza em um mundo carregado por ela.
O possível colapso da Evergrande me deixou curioso de quais impactos esse choque teria sobre a economia mundial. Construí um modelo econométrico simulando essa quebra, e os resultados apontaram que tanto economias avançadas quanto as emergentes (Brasil consta nesse grupo) sentiriam efeitos depressivos. Em particular, nossa taxa cambial sofreria forte depreciação. No âmbito internacional, a China poderia causar uma recessão. Agora tenho que tentar publicar o artigo, o que é sempre uma grande luta - às vezes envolvendo anos e anos -, e se no futuro a Evergrande de fato quebrar, poderei comparar com minhas estimativas (não esquecerei de escrever um texto contando resumidamente sobre o meu artigo, quanto ele for publicado, mesmo que isso se arraste por anos. Não esquecerei!).
Voltando ao tópico central, não perca a conta. Temos portanto pelo menos 3 fontes de incerteza: i) possível quebra do setor financeiro, elencada pela The Economist; ii) Rússia e Ucrânia; iii) Evergrande na China. Acrescento o crescente preço do petróleo e a eminente elevação da taxa de juros dos EUA. Como se vê, no pior cenário possível, no qual tudo se concretizasse de forma negativa, o impacto global e local (no Brasil) seria fortíssimo. Nada de apenas uma "marolinha".
Aqui no Brasil, apenas o banco central tem se esforçado em ajustar o ambiente macroeconômico, com sucessivas elevações da taxa de juros Selic. A taxa de inflação superou o patamar de 10%, o que é sempre uma experiência desagradável, dadas as assimetrias dos aumentos dos preços. Há a percepção de que a inflação é muito maior, pois alguns itens subiram exorbitantemente (caixa de leite a 4 reais, pó de café a 15 reais, gasolina a quase 8 reais, banana prata a incríveis 8 reais (aqui em São Paulo), e os exemplos abundam).
Agora posso bater na repetida tecla: precisamos de reformas. Tivéssemos feito a lição de casa, o baque da Covid-19 teria sido mais ameno. Digo mais: poderíamos crescer de forma acelerada com preços estáveis - esse é um dos benefícios de uma economia ajustada. Como não seguimos essa rota, hoje temos diversos problemas, como uma taxa de câmbio que teima em não voltar para patamares mais baixos. A propósito, imagine que todos os eventos que podem causar enorme volatilidade na economia mundial ocorressem: tem algum palpite sobre as consequências desses eventos sobre o câmbio brasileiro? Como se vê, outra vantagem de ter feito o dever de casa é a de que a economia se torna mais preparada para tempestades (elas sempre ocorrem, pois economias de mercado são marcadas por ciclos).
Dadas essas considerações, torna-se compreensível o excessivo peso que é atribuído ao banco central para ajustar a economia. Este terá de elevar ainda mais a taxa de juros para contrabalancear um ambiente externo com crescente incerteza. Poderíamos contar com a equipe econômica liderada por Paulo Guedes para também ajudar no ajuste, pelo lado fiscal, mas desde o furo do teto minhas esperanças nesse fronte desabaram (comportamento populista de Bolsonaro também não ajuda). Por fim, vamos aguardar os desdobramentos desses eventos. Certamente sofreremos consequências advindas deles. A dúvida é a respeito da magnitude desses choques.
Nenhum comentário:
Postar um comentário