segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Resenha: Por Que Ninguém me Disse Isso Antes? (Julie Smith)

Dicas de sobrevivência (e de saúde mental)

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Conheci o trabalho de Julie Smith por acaso. Estava no Youtube ouvindo um podcast (Jordan Peterson) enquanto realizava uma atividade costumeira - normalmente coletando dados ou construindo modelos econométricos e rodando-os no software Matlab -, e eis que a reprodução automática ativou uma conversa com a Doutora em psicologia. Gostei, busquei o livro, e aqui está a sua resenha .  

Julie Smith fornece ferramentas e dicas para lidarmos com dificuldades cotidianas. Como ela própria afirma no início da obra, com diretrizes sobre o que desejamos e sentimos e auto consciência, nossa luta diária pode gerar força e resistência para dias difíceis - aqueles dias que sempre chegam quando estamos desarmados, ou mesmo armados.

A partir desse ponto, o livro se divide em 8 partes, cada uma compondo um tópico no qual a autora destrincha em capítulos. O primeiro é baixo humor/desânimo. Em geral, ficamos desanimados quando temos necessidades não atendidas, as expectativas não ocorreram como esperávamos. A dica é aceitar esses pensamentos, não tentar evitá-los. Pensamentos não são fatos, são projeções e interpretações geradas pelo nosso cérebro. Portanto, e aqui é uma das principais marcas de Smith, a recomendação é aceitá-los, tentar entendê-los, sermos pacientes, e evitar medidas rápidas que geram alívio imediato - atalhos contra o baixo humor tendem a prejudicar o processo de aprender a viver com eles. Finalmente, Smith critica livros e coaches que argumentam que deveríamos lutar para termos pensamentos positivos. Ela diz que isso não ocorre, pois os pensamentos simplesmente chegam, não pedem licença. 

A segunda parte trata de motivação. Novamente seguindo direção contrária ao visto nas redes sociais, a dica é não colocar a motivação na equação de nossas vidas, pois ela é passageira. Se dependermos de motivação para avançarmos, teremos fôlego curto, pois a motivação desaparece rapidamente. Uma rotina focada em atingir pequenas metas pode fazer o truque. Descanso também pode aliviar dias difíceis. De forma muito parecida com Jordan Peterson, há a recomendação de que nos tratemos com mais compaixão, como se fôssemos pessoas que mereçam coisas boas. Por exemplo, quando um amigo querido relata algo ruim que ocorreu com ele, nossa tendência não é recomendar descanso, dizer que o momento ruim vai passar, entre outras coisas? Por que não fazemos o mesmo conosco?

As partes 3 e 4 tratam da dor emocional e do pesar. A vida é difícil. Em algum momento passaremos por esse tipo de dor, já dizia Kieran Setiya na obra A Vida é Difícil. A condição humana é marcada pelo sofrimento, por perdas. Mas isso não significa que devemos nos portar de forma passiva, sem tentar nos reerguer. O luto pode ser necessário. Smith recomenda que exploremos a dor, que tentemos entendê-la. Aos poucos poderemos retornar a engajarmos com a vida.

Coragem. Seguindo Nietzsche (uma das conclusões de sua filosofia é a de que a coragem é uma das melhores formas de lidar com o incerto, a dor, o vazio da vida), Peterson (o qual segue e cita Nietzsche) e Brené Brown (A Coragem de Ser Imperfeito), a coragem pode ser uma das melhores formas de superarmos adversidades. Podemos duvidar de nós mesmos, de nossa capacidade (parte 5). Não somos isentos de erros. E também não somos os erros que cometemos. Podemos construir uma confiança por meio da coragem: avançar mesmo temendo o futuro, mesmo com o desconforto de sentimentos indesejados. 

O medo não deveria nos parar (parte 6). Se o medo inicial de uma situação nova fizer com que paremos, podemos perder o futuro. Smith nos diz que o medo que sentimos no curto prazo pode se fortalecer com nossa apatia, gerando uma enorme barreira no longo prazo. Novamente, a autora recomenda coragem. Não será fácil. Mas também não precisamos percorrer essa trajetória sozinhos. Podemos e devemos contar com aliados: amigos, família, e parceiro amoroso. Relações sociais sólidas são uma das principais forças para avançarmos e superarmos dificuldades. Essa relações também ajudam a aliviar o estresse (parte 7) do dia a dia, e de momentos importantes em nossas vidas. 

A última parte trata de termos uma vida significativa. Aqui é uma parte delicada. Ao contrário do livro A Vida é Difícil, Smith conseguiu lidar muito bem com o tema. Não o fechou em um único conceito - essa é outra grande qualidade da autora: ela não simplifica questões difíceis e complexas, dando respostas diretas, mas mostra flexibilidade em tratá-las. A primeira crítica é a de que é impossível (e indesejável) sermos felizes todo o tempo. Seria uma meta de vida estranha. Também não é muito recomendável colocarmos toda a nossa vida em atingir uma meta - e depois que atingirmos ela? Ou ainda, e se não a atingirmos? A autora recomenda que consigamos criar e ter um propósito no caminho para essa meta. Que sintamos bem no presente, e não em um futuro incerto. E se a luta diária para atingirmos metas, termos relações sociais sólidas, e ganhar nosso dinheiro propiciar uma sensação de completude? E se cada dia conseguir entregar uma pequena dose de satisfação? É difícil, mas vale a pena.

Em meio a essas 8 partes, o livro é pródigo em dicas para lidarmos com cada tópico. Citarei 6 que gostei (e que sei que funcionam, pois eu as sigo diariamente): i) pratique exercício físico, ii) durma bem (tenho fracassado nessa, com a série Succession da HBO tirando meu sono, a tela azul... - resultdo: acordei um caco hoje), iii) tenha uma boa nutrição, iv) crie uma rotina, v) tenha relações sociais, e  vi) não duvide de pequeníssimos passos na direção de suas metas (sempre segui essa - o resultado depois de alguns meses surpreende). Tenha em mente: Smith não diz que essas dicas funcionarão; cada pessoa pode reagir de forma diversa. Ela apenas recomenda que tenhamos flexibilidade para experimentarmos estratégias com respaldo científico (livro cita vários trabalhos acadêmicos). Se funcionou, mantenha-a, caso contrário, tente outra. Temos liberdade para tentar.

O livro é fácil de ser lido, consegue discutir tópicos complexos de forma tranquila e até um pouco descompromissada. Há vários diálogos com outras obras (citei algumas), como a recomendação de não darmos recompensas de dopamina no curto prazo para lutarmos contra o medo e evitá-lo, uma clara referência ao best seller Nação Dopamina, outra excelente obra. Esse diálogo enriquece a discussão, a fortalece, e mostra que Por que ninguém me disse isso antes? Ferramentas para enfrentar os altos e baixos da vida tem alcance abrangente, sem abrir mão da qualidade. Por fim, para quem se interessou, aqui é o canal do Youtube de Julie Smith.




 

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