terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Entre a vontade e a incapacidade de gastar

Historicamente temos enfrentado problemas fiscais decorrentes do descompasso entre receitas e gastos. Tendência é que dilema continue a nos perseguir

gasto e receita governo


Nesta semana iniciei a leitura de um livro recentemente publicado: Erros do Passado, Soluções para o Futuro, escrito por Affonso Celso Pastore, economista que tem ajudado o pré-candidato à presidência Sérgio Moro a elaborar o seu plano econômico. Estou muito no início da obra, mas já foi aventada a crítica ao nosso "eterno problema fiscal". Nessa mesma avenida, outro livro lançado nas últimas semanas foi O Flagelo da Economia de Privilégios, de Fernando de Holanda Barbosa. Nesta obra, o autor também se concentra na questão fiscal, responsabilizando, em parte, as concessões de privilégios pela deterioração das contas públicas (não li ainda, mas li a entrevista concedida pelo autor). 

Essas obras procuram esmiuçar e fornecer explicações para o nosso crônico problema fiscal. Para fazer justiça, essa é uma característica que persegue nossos vizinhos, não é um caso unicamente brasileiro. Na década de 1990, a emergência de casos semelhantes incentivou a produção do livro A Macroeconomia do Populismo na América Latina. Como discuto na sua resenha, os autores questionam: se gastos elevados, em patamares superiores aos das receitas, sempre causam problemas econômicos, por que esses países insistem na mesma estratégia sucessivas vezes?

A princípio pode parecer paradoxal, mas uma das razões para isso é o ciclo eleitoral, no qual o governante piora as contas públicas no curto prazo, distribuindo renda e concedendo isenções, todavia, consegue - ou aumenta suas chances - se eleger novamente. Com base nisso, muitos advogam pelo fim da reeleição presidencial. Não compartilho desse otimismo. Vou explicar rapidamente o porquê. 

Um exemplo pode ajudar. Durante os anos de 1956 a 1961 (na época o mandato durava 5 anos), nosso país teve expressivo crescimento da produção, sob o famoso slogan "50 anos em 5", com Juscelino Kubitschek na presidência. Sua administração foi marcada pela aceleração do gasto público, juntamente com as expansões das dívidas interna e externa e da inflação, culminando na piora do ambiente macroeconômico. Bem, o país de fato cresceu, esse é um lado da moeda. O outro, menos conhecido, é o total caos financeiro em que deixou a presidência. Problema para o próximo candidato que terá de resolver e ajustar a economia. Tivemos Jânio Quadros, experiências parlamentares mal sucedidas com vários gabinetes, João Goulart, sua subsequente queda quando visitava o genocida Mao Tsé-Tung na China, e em 1964 os militares assumiram o poder para, entre outras justificativas, arrumar a economia. O comportamento de JK foi puramente populista, desconsiderando restrições fiscais e financeiras. Alguns autores atribuem essa postura a um frio cálculo político: deixar medidas duras e pouco populares para outros políticos, e voltar à presidência quando tudo estiver arrumado, empregando políticas expansionistas. 

Se existisse reeleição JK teria deixado a economia em melhor situação? Neste caso, ele próprio herdaria o caos financeiro. Sim? Não? Difícil dizer. Meu ponto é apenas realçar que ao longo da história sempre tivemos o problema fiscal, mesmo sem reeleição.

Voltando à questão fiscal, ainda não cheguei nessa parte no livro de Pastore, portanto, não sei as soluções que irá propor. No geral, acredito que defenderá a desaceleração do crescimento do gasto (algo como o teto do gasto), e possivelmente reformas para melhorar o gerenciamento do erário público. Chegando nessa parte, escreverei aqui nesse blog. Em relação ao segundo livro, de Barbosa, a responsabilidade recai sobre os privilégios. Como eliminar esse traço em um país que foi formado pela concessão deles? Nossas raízes históricas são marcadas por esse mecanismo redistributivo, como ilustrado pela concessão das capitanias hereditárias. Para quem gosta de estudar nosso passado, recomendo o livro História da Riqueza no Brasil, de Jorge Caldeira. 

Conforme a eleição presidencial se aproxime, provavelmente medidas populistas aparecerão. Compreendo a insatisfação de algumas pessoas com a dificuldade do Estado brasileiro em conceder maior auxílio financeiro aos menos desfavorecidos. Parece que é má vontade política ou desprezo pelas famílias de baixa renda. Mas não é (totalmente). 

O que ocorre é que grande parte do orçamento já está destinada para determinados segmentos, sendo os principais a previdência, o funcionalismo público e o pagamento de juros. A linguagem técnica empregada para se referir a isso é "gasto rígido, ou engessado". Apenas com reformas, que reduzam a distribuição de gasto para os aposentados e funcionários podem mitigar essa situação. Sobre o pagamento de juros, o governo deveria reduzir o seu endividamento, arrecadando mais e gastando menos. Novamente, reformas são necessárias para alterar a dinâmica da máquina pública. Essas reformas incluem a administrativa, a tributária, da aposentadoria, a revisão de programas sociais, subsídios e privilégios, e a criação de novas regras para pautar o gasto público (algo como o teto do gasto). Todas essas medidas são impopulares, pois implicam na perda de poder de compra de parte da população. Muito mais fácil e agradável expandir o gasto, ainda mais quando há miopia na compreensão dos efeitos das ações de hoje com o amanhã. Método JK funciona, certo?

Um dos nefastos resultados desse adiamento das reformas é a escassez de recursos para serem direcionados para quem realmente precisa. Como nossos políticos não fazem o dever de casa, os vulneráveis pagam a conta. Portanto, a incapacidade de ajustar os gastos é um dos principais culpados pela inviabilidade de melhor provisão de bens públicos e serviços para os pobres. Populistas podem até tentar ignorar esse fato, expandindo o gasto sem possuir receitas suficientes (JK), mas o preço logo chegará, com inflação crescente, endividamento ascendente, e crise fiscal.

Me incomoda nos debates eleitorais quando candidatos apenas enfatizam a necessidade de distribuir mais recursos, sem, no entanto, especificar de onde serão realizados cortes para financiá-los. Há inúmeros partidos argumentando em direção ao aumento do gasto, mas e as receitas? Quem pagará a conta? Sem a coragem de realizar medidas impopulares, pouco poderemos avançar nessa área.









Nenhum comentário:

Postar um comentário