Quando o mundo virtual afeta o mundo real
A Geração Ansiosa: Como a Infância Hiperconectada está Causando uma Epidemia de Transtornos Mentais discute uma das principais questões do século XXI: o impacto da utilização quase irrestrita de redes sociais em nossas vidas. O livro é pessimista quanto ao diagnóstico, em especial sobre as crianças e jovens: estes perdem, de forma permanente, habilidades fundamentais para se inserirem em círculos sociais.
O livro argumenta que o ponto de inflexão foi quando os smartphones se tornaram dispositivos com aplicativos, permitindo que ficássemos conectados 24 horas por dia. As notificações, a ânsia de recebê-las e vê-las e as atualizações em tempo real fizeram com que perdêssemos o foco. O tédio, um vilão sempre temido por nós, pode ser sempre superado pelo uso do celular. Segundo o autor, juntamente à perda de foco no presente, passamos a pensar menos, a se concentrar muito em nós (e assim perder empatia pelos outros) e a ter maiores dificuldades em construir relações sólidas. É uma grande ironia, pois as redes sociais chegaram prometendo aumentar a conectividade entre nós - mas entregaram um mundo de solidão.
Crianças e jovens são as maiores vítimas porque a parte do cérebro responsável pelo auto controle, equilíbrio/paciência com gratificações e resistência à tentações somente se torna madura por volta dos 20 anos. Desta forma, o uso quase irrestrito de redes sociais molda essa parte do cérebro (o córtex frontal), gerando o dano permanente em adolescentes. Estes passam a ser socialmente inseguros, se tornando presas para quaisquer atividades/eventos/ações que forneçam validação social.
A Geração Z (nascidos após o ano de 1995) são as maiores vítimas (eu nasci em 1989), pois foi neste período que os dispositivos permitiram que ficássemos 24 horas online e conectados, sempre policiando e vigiando feedbacks. E sabemos que o público da internet é inabalável em seu julgamento e condenação. E por que buscamos esse "aceite", essa validação? Porque criou-se a identidade virtual. Sem ela, há a percepção de que não existimos, ou que estamos perdendo algo importante do mundo. O problema é que nós humanos evoluímos pela interação em carne e osso, não virtual. Há um vazio naqueles que são conectados virtualmente, mas que no mundo real não possuem laços sólidos.
Parte significativa do livro defende que a mudança de uma infância baseada em jogos e brincadeiras (não virtuais) para uma infância baseada em celulares foi o ponto central do aumento da ansiedade dos jovens. Simultaneamente, os responsáveis por essas crianças também passaram a exercer uma proteção excessiva no mundo real, enquanto exerciam uma insuficiente proteção no mundo virtual - crimes virtuais como a exploração de pornografia infantil elucida esse ponto. O autor defende que crianças precisam assumir riscos em brincadeiras e atividades do mundo real. Faz parte do crescimento e amadurecimento destes em adultos responsáveis. Todavia, pais hiperprotetivos tiraram essa parte de seus filhos.
O livro avança na sua tese em 4 partes. A primeira mostra o aumento de sintomas de queda na saúde mental. Há o aumento na ansiedade e depressão de jovens, especialmente em garotas. As garotas levaram o maior fardo porque elas se concentraram em redes sociais voltadas para a comparação, como Instagram e Facebook, ao passo que garotos utilizaram em maior grau outros tipos de redes, como Youtube e Reddit, nas quais o núcleo não é baseado na comparação. A vida do outro parece sempre melhor. A verdade é que não é, mas como convencer o contrário a indivíduos que cresceram no mundo online?
As partes 2 e 3 descrevem o processo de hiper proteção no mundo real e a mudança da infância baseada em celulares. Jonathan documenta 4 efeitos negativos sobre nós (não somente nas crianças): 1) perda de sono, 2) queda em relações sociais, 3) dificuldade em concentrar e 4) vício. Vale lembrar que o livro não mira somente nas redes sociais, mas bem como em todo dispositivo em tela (mas as evidências indicam que são de fato as redes sociais as maiores vilãs, em parte devido ao esforço dessas empresas em buscar a nossa atenção com diversos "truques" psicológicos, envolvendo rápida gratificação, a famosa dopamina). Assim sendo, por exemplo, a facilidade em assistir séries e filmes em aplicativos também contribuiu para a perda de sono. Quem nunca assistiu a um episódio a mais antes de ir dormir? O uso da tela pode prejudicar nosso sono, além dos alertas advindos do celular.
O lazer e a comodidade propiciados pelos dispositivos fizeram com que necessitássemos menos da presença física do outro. Se antes jogar videogame exigia a presença física do amigo, hoje pode-se jogar online. Reuniões são virtuais. Conversas importantes podem ocorrer a quilômetros de distância. Esses fatores contribuíram para o afastamento entre nós. Mas de novo, nossa evolução ao longo dos séculos foi baseada em interações em pequenos grupos. Interações físicas. Interações virtuais não conseguem tampar esse buraco.
A última parte prescreve políticas para contornar o problema. Quatro propostas são levantadas: 1) pais deveriam evitar que suas crianças usem celulares antes do ensino médio, 2) proibição de utilização de redes sociais antes dos 16 anos, 3) proibição de celulares nas escolas, e 4) incentivo e promoção de brincadeiras entre crianças e concessão de mais independência a elas. Dado o quadro geral, o ponto 3 parece utópico! Faça um teste consigo mesmo: tente ficar sem olhar o celular por um tempo, e avalie como o seu corpo reage a isso. Quando saio com amigos, é raro algum deles não usar o telefone durante nossas conversas. Virou normal um ato de pura falta de educação e consideração com nossa presença (e quando arrisco a chamar a atenção dele ou dela, eu que sou criticado!).
Em resumo, o livro é muito bom e bem vindo para a nossa situação de viciados em redes sociais. Ao longo das páginas, o autor discute um pouco da estratégia das grandes empresas em captar nossa atenção. Talvez isso ajude a termos mais resistência a essas dopaminas. Saber com o que estamos lidando com certeza auxilia na sua superação - eu pelo menos acredito nessa ideia. E vale lembrar, como Jonathan ressalta, é normal ter ansiedade, o problema é quando ela se torna excessiva. E há evidência de que nossos celulares tenham contribuído com esse aumento.
Muito relevante o assunto e boa resenha do livro. As sugestões do autor para mitigação do problema são importantes. A questão é que, no Brasil, os pais e responsáveis pelas crianças e jovens não parecem estar muito preocupados em ajudá-los a escapar das armadilhas que são os smartphones e redes sociais que podem comprometer, severamente, o futuro delas. Uma pena.
ResponderExcluirNa minha opinião, parte da negligência decorre do fato dos próprios pais também serem viciados em redes sociais. É difícil impor uma regra de conduta e comportamento quando ela não é seguida pelo responsável. Atualmente, poucas pessoas conseguem ser um pouco independentes do uso do celular, mesmo em contextos sociais na companhia de outras pessoas...
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