Apesar de resultado positivo, país ainda precisa de reformas e sucessivos superávits primários
O governo brasileiro, após anos apresentando gastos superiores às receitas (déficits primários), finalmente conseguiu atingir um superávit primário. Superávit primário é uma forma de sinalização de que o governo está poupando, e que, portanto, sua dívida está controlada. Em geral, quando economias ostentam superávits primários/PIB em valores significativos, os quais conseguem estabilizar a dinâmica da dívida pública/PIB, tais economias enfrentam taxas de juros declinantes. Nesse caso, os credores passam a precificar de forma favorável os títulos públicos, julgando que o país oferece baixo risco de calote (default).
Esse ainda não é o caso brasileiro, e a tendência é que não o seja pelos próximos anos. O primeiro motivo é que embora o governo tenha apresentado um superávit primário, o seu valor como proporção do PIB é baixo - apenas 0,75%. A segunda razão é que alguns fatores contribuíram para esse resultado, como a crescente inflação. Quando a inflação se eleva, o governo brasileiro percebe aumento de suas receitas, ao passo que as despesas demoram para reagir. Tome como exemplo a despesa previdenciária e o pagamento de impostos sobre bens e serviços. O primeiro item somente é reajustado anualmente, portanto, por um ano o seu valor é inalterado. Por outro lado, conforme comerciantes reajustem os preços de seus serviços, a proporção paga de imposto também se eleva, levando para cima as receitas do governo.
Entretanto, esse efeito favorável da inflação não deveria servir como argumento. Preços crescentes acarretam diversas disfuncionalidades na economia. Desajustam as cadeias produtivas. Do lado do consumidor, torna-se mais difícil tomar decisões. Em termos internacionais, o país perde competitividade. Embora não exista unanimidade sobre a taxa de inflação ideal, a maioria dos autores se inclinam a uma inflação baixa e controlada, no intervalo de 1 a 3% (a deflação causa vários problemas, principalmente sobre devedores e desempregados, não sendo desejada. Discutirei em um próximo texto esse assunto).
Na minha opinião, além dos dois fatores citados anteriormente, elenco um terceiro como sendo o mais relevante para explicar o porquê de que esse superávit primário não significará uma inflexão das contas públicas. Estruturalmente as contas do setor público continuam inadequadas. Os gastos continuam engessados, concedendo baixa margem de manobra para realocações, privilégios continuam disseminados, mormente no poder judiciário, programas públicos e subsídios pouco efetivos não foram eliminados ou discutidos, e os dois maiores gastos, o previdenciário e o do funcionalismo, precisam ser revistos. Em resumo, a forma como o gasto público é dispendido carece de melhorias.
Como discuti em outros textos, como esse aqui, em seu segundo gráfico, as taxas de juros que financiam a dívida brasileira têm subido nos últimos meses, evidenciando que os credores do país continuam céticos quanto à sustentabilidade da dívida. É provável que esse movimento ganhe força nos próximos dias, pois o banco central brasileiro subirá a taxa de juros Selic nessa semana (a questão é da força desse aumento), e o banco central dos EUA, o Fed, já sinalizou que fará movimento similar. Esses dois movimentos colocarão maior pressão sobre a dívida.
Lembre-se de que nenhum país precisa liquidar totalmente sua dívida pública. Basta que a trajetória dessa dívida se estabilize. Melhor ainda se essa estabilização vier acompanhada por uma tendência declinante. Para o Brasil, essa opção deveria ser seguida, pois para o padrão de economia emergente, de renda média, temos uma dívida pública/PIB muito elevada. O problema de um alto patamar da dívida é que ele acarreta maiores pagamentos de juros, drenando mais recursos (esse ponto costuma ser analisado de forma invertida por algumas pessoas, as quais atribuem a culpa da situação fiscal do país ao pagamento dos juros da dívida). A origem desse imbróglio fiscal decorre do descasamento estrutural das receitas com as despesas. Característica historicamente apresentada ao longo da vida republicana do Brasil.
O aspecto positivo dessa breve discussão é a de que a maioria dos possíveis candidatos para a eleição presidencial desse ano tomou conhecimento desse desajuste. Estão abertamente propondo soluções. Sem esse ajuste, é difícil imaginar um Brasil com baixas taxas de inflação, de juros e de câmbio, e com alto crescimento do PIB.
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