quarta-feira, 25 de maio de 2022

Sobre a formação da taxa de juros

Como outros preços de uma economia, a taxa de juros se forma pela interação da oferta com a demanda

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Nessa semana eu li um ótimo artigo que mostra o processo de formação da taxa de juros (esse aqui). Vejo algumas pessoas interpretando, por exemplo aqui no Brasil, que é o banco central quem define a taxa de juros. Na verdade, mesmo se não tivéssemos um banco central, ainda assim existiria a taxa de juros de curto prazo (conhecida como Selic em nossa terra). Uma evidência disso é que o primeiro banco central surgiu apenas no século XVII, mas a existência de taxas de juros datam muito antes disso.

Uma das formas mais comuns de compreender a formação desse preço (a taxa de juros pode ser vista como o preço de tomar emprestado) é pensar no mercado de ativos financeiros, aquele no qual indivíduos tomam emprestado e outros emprestam. Quem deseja se endividar, tomar um empréstimo, contribui para a formação da demanda por empréstimos, ou demanda por fundos. Já aqueles que desejam emprestar o capital que possuem, formam a oferta de fundos disponíveis. Os movimentos dessas duas forças formam a taxa de juros. 

Esse mercado de ativos ajuda a entender o porquê do Brasil ostentar uma taxa de juros nominal tão elevada em comparação com a de outros países. Nota de atenção: vou ilustrar apenas um dos fatores que ajuda na explicação. Há outros, mas não entrarei nessa discussão - no futuro posso aprofundar nesse tópico. 

Quando economistas (eu incluído nessa galera de sujeitos legais) defendem que o governo brasileiro deveria ajustar as contas públicas, não é algo arbitrário, ou alguma regra de bolso que desde quando somos pequenos nos diz que deveríamos gastar menos do que o que temos - a propósito, recomendo que a sigam. O ajuste das contas fiscais perpassa pela redução do gasto público. Como o governo do Brasil, em sucessivos períodos, tem gastado mais do que arrecadado, isso significa que ele tem de se endividar e elevar a tributação para fechar as contas. Esse endividar significa um aumento na demanda por empréstimo. Dessa forma, no mercado de ativos financeiros que mencionei anteriormente, o governo estaria jogando para cima a demanda por fundos. Como a participação do governo na economia circula por volta de 20%, é como se um quinto do país estivesse querendo se endividar. 

Como a oferta de fundos se mantém razoavelmente constante no curto prazo, a demanda por crédito do governo joga para cima a taxa de juros. Consequentemente, crescentes gastos fiscais, constantemente superiores às receitas públicas, fazem com que a taxa de juros se eleve. Esse é um dos fatores que ajuda a explicar nossa elevadíssima taxa de juros nominal.

Os efeitos nocivos para os brasileiros não param por aí. Pense no investidor que deseja aplicar o seu capital da forma mais rentável possível. Em economias funcionais (não é o nosso caso), atividades produtivas deveriam atrair esse capital ocioso. Todavia, como o governo tem gastos crescentes, fazendo com que a taxa de juros suba, torna-se atrativo aplicar esse capital no mercado financeiro, especificamente comprando títulos públicos. Qual o lado ruim disso? Caso a taxa de juros estivesse em patamar inferior, não seria muito atrativo aplicar o capital nesse mercado - esse investidor poderia buscar outras aplicações, por exemplo em empresas produtivas, as quais poderiam utilizar esse fundo para expandir a produção e contratar pessoas desempregadas.

O que ocorre é uma troca: um capital que poderia fluir para atividades produtivas termina por migrar para o governo, para financiar o gasto público - parte desse gasto sendo puro desperdício, como os subsídios do diesel que os caminhoneiros conseguiram de Temer - e que duram até hoje (concessões de privilégios tendem a se perpetuar)  - após a greve de 2018, a qual paralisou parcialmente o país.

Então veja a cadeia de efeitos. O excesso de gasto público empurra a taxa de juros para cima. Investidores aplicam seus capitais em dívidas públicas em detrimento de atividades produtivas. O setor produtivo se depara com menor fonte de financiamento, produzindo e contratando menos. Trabalhadores têm menor quantidade de vagas. Consumidores têm menor oferta de produtos. Eu poderia ainda dizer que o governo, ao tomar dinheiro emprestado, se torna obrigado a pagar mais juros sobre o empréstimo. Esse processo pode facilmente virar uma bola de neve e sair do controle - hiperinflações costumam se iniciar dessa forma.  

Voltando ao banco central. Eu disse que mesmo sem a sua existência a taxa de juros existiria e flutuaria. A taxa de juros Selic é um preço controlado pelo governo. Caso o mercado monetário indicasse que a taxa de juros deveria subir, mas o banco central se recusasse a elevá-la (novamente, temos infelizes eventos passados em que isso ocorreu, como durante o governo de Dilma Rousseff), investidores iriam abandonar o mercado de ativos, significando uma redução da oferta de fundos. Essa redução significaria, em parte, a saída de capital do país (lembre-se que basta apenas um clique no smartphone para efetuar essa transação). Quando capitais saem da economia, a taxa de câmbio reage perdendo valor, isto é, se desvalorizando. E atualmente acredito que todos brasileiros compreendem que essa dinâmica não termina bem para os seus bolsos. A lição é: não adianta tentar driblar, contornar ou negligenciar o equilíbrio macroeconômico.

Portanto, por várias vezes, quando argumento que o Brasil precisa reformar as contas públicas, ajustando-as e tornando-as sustentáveis no longo prazo, implicitamente estou defendendo pela queda da taxa de juros. Daí o leitor pode inferir que quando partidos políticos pleiteiam apenas pelo aumento do gasto, com diversas justificativas, como a de ajudar os mais vulneráveis, eles estão, implicitamente, empurrando a taxa de juros para valores mais altos, comprometendo o funcionamento produtivo da economia. No final, terminam prejudicando aqueles que queriam ajudar.








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