sexta-feira, 13 de maio de 2022

Resenha: A Riqueza e a Pobreza das Nações (David Landes)

Landes coloca a cultura como fonte principal da desigualdade de renda entre países

a riqueza e a pobreza das nações


Publicado no ano de 1998, portanto, entre os livros de Douglass North, Instituições, Mudança Institucional e Desempenho Econômico, de 1990, e de Acemoglu e Robinson, Por Que as Nações Fracassam, de 2012, A Riqueza e a Pobreza das Nações: Por que alguns são tão Ricos e Outros tão Pobres se enquadra no esforço de oferecer uma teoria científica para a disparidade de renda e de desenvolvimento dos países. 

Enquanto os livros de North e de Acemoglu e Robinson focaram nas instituições, Landes se concentra primordialmente na cultura. É a cultura, os valores e as instituições que conseguiriam mostrar e explicar o porquê de alguns países serem tão ricos, ao passo que outros têm cada vez mais se distanciado do time das nações prósperas. 

Landes considera que a discussão a respeito do hiato de renda e de saúde é o principal desafio do novo milênio, com a mudança climática correndo um pouco atrás em importância. Independentemente dessa escala, o debate da diferença de renda entre países continua presente nos nossos dias.

A cultura seria o elemento central porque moldaria a forma como a população se comporta com os incentivos econômicos. Indivíduos voltados a um comportamento poupador, investidor e empreendedor, com curiosidade científica, adeptos e abertos a novas formas de organizar a produção e o pensamento, livres de dogmas, que apresentassem uma ética de trabalho que promovesse o esforço constante e disciplinado, estes sujeitos apoiariam o progresso econômico de seus países. Essa relação da cultura com o desenvolvimento é construída por meio de exemplos históricos de povos e nações que conseguiram se tornar proeminentes ao longo do tempo, mas que devido a retrocessos perderam a liderança.

Portugal se enquadra nesse caso. No século XV, esse país desbravou novas partes do mundo, em parte pela riqueza que possuía, além da técnica científica. Todavia, a Inquisição da Igreja Católica, fechando o comércio de ideias, por meio de várias proibições, significou a decadência do país. Intolerância, superstição e ignorância são incompatíveis com crescimento. Landes nos diz que os ganhos provenientes com a exploração de commodities não consegue compensar a perda pelo fim do fluxo de ideias. E o autor está correto. A teoria de crescimento econômico aceita atualmente reconhece o papel central que o progresso tecnológico tem sobre outros fatores. Algumas expulsões que os judeus sofreram ao longo da história foram acompanhadas pelo empobrecimento da localidade, como foi o caso da Sicília. 

Outros exemplos de fracasso são descritos na Argentina, na China e no Oriente Médio. No país latino, ele sofreu pela forma como a Espanha colonizou a região, preocupada fundamentalmente em extrair ganhos sem gerar uma sociedade com instituições adequadas. Essa transferência de instituições pouco conducentes para o progresso pode ser vista pela Inquisição na América Latina e esquemas de concessão de privilégios, como as capitanias hereditárias no Brasil. O ponto é que a cultura legada para essa região se fundou nas qualidades negativas que estavam atrasando o progresso material tanto da Espanha quando de Portugal. Subsequentemente, conforme a população latina percebeu o atraso em comparação com outros países, esta passou a exigir maiores gastos fiscais, maior intervenção do governo para produzir melhor padrão de vida: o resultado foram seguidos desequilíbrios macroeconômicos, o que arrastou ainda mais esses países, incluindo a Argentina, para longe do objetivo almejado. Não é por acaso que o populismo fiscal é altamente utilizado nesse (nosso) continente. 

A China antiga e o Oriente Médio se prenderam em ideologias/crenças/teorias/religiões que os travaram. A China, sob o confucionismo, bem como o seu desdém com o conhecimento técnico, significou o atraso tecnológico. No caso do Oriente Médio, o temor da alteração do status quo, o receio do novo, de novas ideias, de novas formas de se organizar, além de forte desinteresse pela cultura ocidental, acarretou em uma região pobre e atrasada. 

Se há casos de fracasso, também há os de sucesso, notadamente os tigres asiáticos, como a Coreia do Sul e o Taiwan. Segundo Landes, novamente o determinante foi o lado cultural, com uma ética de trabalho voltada ao esforço contínuo, paciente e disciplinado.

Aqui eu faço algumas observações. Vários trabalhos acadêmicos enfraqueceram o argumento de Landes para os tigres asiáticos. Embora a cultura possa ter auxiliado, foram os fatores de produção, como a educação (chamado de capital humano na Ciência Econômica), o investimento em estrutura produtiva e o progresso tecnológico que pavimentaram o caminho para o desenvolvimento. Essas nações conseguiram propiciar forte acúmulo desses fatores por várias décadas, gerando saltos no padrão de vida da população.

Por outro lado, essa explicação não enfatiza as instituições, como é mostrado por North e Acemoglu e Robinson. E Landes critica economistas por ignorarem o fator cultural. Para ele, a dificuldade de mensurá-lo (como medir a cultura?) fez com que economistas simplesmente o descartassem, ou o mesclasse juntamente com as instituições. E quem sabe todos estejam um pouco certos? 

No final do livro, Landes questiona o porquê de muitas pessoas e movimentos sociais se posicionarem contra o capitalismo (economia de mercado). Desde a Revolução Industrial, esse sistema possibilitou crescente aumento no padrão de vida, com novas comodidades, a ampliação dos anos de vida, e mais tempo livre para o lazer. Entretanto, muitos países não conseguiram seguir esse ritmo, perdendo renda relativa - a renda absoluta aumenta, mas em comparação, por exemplo, com a Alemanha, pouquíssimos países cresceram mais. Essa perda relativa pode incomodar. Landes aponta o ressentimento como possível explicação. Outra tentativa de explicação é atribuir um peso ao medo do novo - notadamente no caso do Oriente Médio. Esse ressentimento fomentou teorias que colocavam a culpa justamente no sistema que gerou o progresso material. Uma delas é a teoria da dependência.

O livro cita Fernando Henrique Cardoso (FHC), presidente do Brasil entre 1995 e 2002, o qual, no passado, foi um dos principais artífices dessa teoria. Mas uma vez presidente, FHC adotou postura totalmente contrária. Por que? Teria percebido o desajuste da teoria, incompatível com o mundo real? Nesse caso, Landes mostra um pouco de otimismo com um possível take off (decolar, à lá Paulo Guedes) de países atrasados. Políticos pragmáticos costumam gerar bons resultados para o seu eleitorado. 

Além desse ponto central da obra, Landes discute vários outros pontos interessantíssimos, como o forte crescimento da renda (aumento da produção de 5 a 6% ao ano) que a Rússia apresentava pouco antes da Revolução de 1917. Os novos mandantes do país (socialistas e comunistas) fizeram de tudo e um pouco mais para apagar documentos que mostravam esse sucesso econômico. Nada como enfraquecer uma revolução mostrando que a situação anterior era mais promissora.

O lado negativo do livro é o desenvolvimento difuso da relação da cultura com o progresso. Eu tinha imaginado que Landes pegaria emprestado parte da teoria institucional de North para fortalecer a sua argumentação, mas nada do tipo foi seguido. A impressão que ficou é que não foi muito bem construído e elaborado como a cultura impactaria o crescimento da renda. Landes fornece exemplos históricos que ajudam, mas senti falta de uma discussão mais teórica, minuciosa, não necessariamente longa, desse processo. Todavia, essa omissão não prejudica a leitura, a qual é muito agradável e fluída - e às vezes com um leve humor. Sem dúvidas o livro contribui para o conhecimento sobre as fontes de disparidade de renda entre países.








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