sábado, 16 de julho de 2022

Os Vilões e Culpados dos Preços Crescentes

Enquanto principal fator é global, alguns países pioraram o processo inflacionário

covid cadeias de valor


Os preços parecem não parar de aumentar. Enquanto nos meses passados o drama estava principalmente concentrado na gasolina, recentemente foi a vez da caixa de leite subir para valores próximos de 7 reais. Neste caso, a penalização sobre as camadas mais pobres se acirra ainda mais porque o leite é alimento indispensável para nossa alimentação. Proporcionalmente, indivíduos que recebem menores salários terão de dispender maior fatia relativa de renda para adquirir o leite - ou tentar substituí-lo por alimento com propriedades e nutrientes parecidos.

Quem é o culpado por esses preços ascendentes? Adianto que não são os vendedores e empresários. Estes repassam o aumento do preço que chega até a eles. Uma boa forma de derrubar essa falácia é se perguntar: por que essas pessoas decidiram aumentar o preço somente agora, e não anteriormente? Somente agora decidiram elevar os lucros? O ponto é que se eles conseguissem/pudessem subir os preços em qualquer período do tempo, o teriam feito. O que os seguram são os seus concorrentes. Portanto, nossa atenção tem de se virar para outros fatores. São pelo menos 6 explicações para a crescente taxa de inflação.

A primeira e principal foi o desequilíbrio nas cadeias de valor promovidas pela Covid-19. Cadeias de valor é um termo que representa a interdependência entre fornecedores, montadores e empresas que vendem o produto final. Praticamente todo bem eletrônico que adquirimos dependeu de vários fornecedores para reunir as peças, outros tantos para montá-lo e mais agentes para o disponibilizá-lo para nós. O famoso Iphone da Apple, por exemplo, depende de aproximadamente 700 fornecedores espalhados em mais de 40 países. Durante os confinamentos (lockdowns) da Covid, o caso extremo foi a ausência de microchips, acarretando o encarecimento e paralização na produção de carros e eletrônicos (veja os preços de carros atualmente e compare-os com os preços anteriores à pandemia).  

Eu denoto a desarrumação das cadeias de valor como a explicação raiz da alta inflação porque é um fenômeno generalizado mundialmente. Todo país assiste os preços subirem, claro que em diferentes graus. Portanto, seria incorreto apontar motivos domésticos para um problema que se tornou global. 

Relacionado ao primeiro motivo, temos também que as dificuldades enfrentadas pelas cadeias de valor representaram a estagnação da oferta de bens e serviços para os consumidores (empresas enfrentam problemas para expandir a produção). A tensão surgiu quando a demanda por bens e serviços (nós consumidores entramos nessa parte) subiu muito rapidamente. Mesmo durante os lockdowns, o comércio eletrônico pouco sofreu com as restrições impostas pelas normas sanitárias. Cenário com oferta fraca e demanda se elevando é terreno fértil para preços crescentes. 

Parece uma cascata de causalidade os argumentos que estou colocando aqui. O terceiro fator se relaciona estreitamente com os dois fatores elencados até agora. Governos socorreram a população durante a Covid, e mesmo depois de seu pior momento, transferindo renda e concedendo benefícios para parcelas das pessoas. Lembre que as cadeias de valor estavam desorganizadas, a produção global emperrada e, portanto, a oferta estagnada, e a demanda por compras estava voltando a se elevar rapidamente. As transferências de renda dos governos impulsionaram ainda mais a demanda ao elevar/sustentar o poder de compra dos consumidores. 

Foi errado essa postura dos governos? De jeito algum. Era a medida necessária para um evento sem precedentes. No início, pouco se sabia como reagir e quais seriam as consequências da Covid sobre a economia. O aprendizado veio de forma dura. Isso serve inclusive para mim. De início, considerei a implementação de lockdown uma boa ideia. Depois tomei nota de que dada a nossa elevadíssima desigualdade de renda, com alto nível de pobreza extrema, é insustentável exigir que brasileiros que dependem da renda do dia para se alimentarem não saiam para trabalhar. Lockdown me parece uma medida acertada para países ricos e com recursos, não para nações nas quais quase 50% de todos os trabalhadores são informais e, portanto, não possuem proteção do governo para casos extremos. Temos, em uma palavra, muitos brasileiros "invisíveis". Por outro lado, continuo totalmente favorável às práticas de uso de máscara, limitação de pessoas em lugares fechados e vacinação em massa. Em resumo: adaptar políticas de acordo com as peculiaridades de cada país.

Prosseguindo na lista de culpados, vou colocar o quarto na conta dos bancos centrais. Durante a pandemia, praticamente todos reduziram as taxas de juros para valores baixíssimos. Aqui, a taxa de juros Selic caiu para 2%. Tivemos, dessa forma, forte aumento na quantidade de moeda na economia. Desde que a famosa teoria quantitativa da moeda foi elucidada, e reforçada por vários estudos empíricos, quando a taxa de juros se reduz fortemente (ou o que dá no mesmo, a quantidade de moeda se eleva), surge pressão sobre os preços. Então tivemos mais essa força para subir a inflação (também não culpo os bancos centrais, pois estavam atuando em cenário incerto e obscuro. Fizeram o que julgaram correto - novamente colocarei minha cara a tapa: eu concordei com suas políticas durante a pandemia). 

No caso brasileiro, a taxa de câmbio desvalorizada, ultrapassando e ficando em patamar superior a 5 reais por dólar, contribuiu para o aumento dos preços ao encarecer produtos importados, como a gasolina e o trigo. Esse fator é específico ao Brasil porque em outras economias as moedas não sofreram tanto quanto o real. Por quê? Devido à ausência do ajuste fiscal, a não realização de reformas que melhorariam a administração das contas do governo. Pior do que não fazer o dever de caso é piorar o que já não estava muito bom. Paulo Guedes tem patrocinado furos sobre o teto do gasto, expandindo ainda mais o gasto público, como foi o caso da PEC dos precatórios e agora a PEC Kamikaze. Temos muitos políticos, mas pouco estadistas de verdade. Estadistas no sentido de trabalhar para o progresso do país como um todo, e não utilizando a política para ganhos privados. A PEC Kamikaze é lamentável sob diversos ângulos.

Junte alguns fatores, como a Selic a 2%, a ausência de ajuste fiscal e furos no teto. Investidores começaram a evitar o Brasil, retirando capital aplicado por aqui. A saída de capital externo é relacionada com a depreciação da moeda nacional. Daí a taxa de câmbio que teimosamente não volta para valores mais baixos. Não há milagre na Ciência Econômica. 

O último responsável pelos preços crescentes foi a eclosão da Guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Tanto as sanções à Rússia quanto a paralização das exportações ucranianas, notadamente a de grãos, representaram forças adicionais sobre os preços. O que estava difícil se tornou ainda mais complicado. 

Atualmente os bancos centrais estão subindo as taxas de juros para contrabalancear o aumento dos preços. Vai funcionar? Sem dúvidas. A questão é que o custo desta política é também doloroso: recessão econômica. A ideia é que o aumento da taxa de juros será repassado à economia, como o encarecimento do crédito, fazendo com que compras e investimentos sejam reduzidos. Essas reduções eliminariam parte da pressão sobre os preços. Também há o fato de que se empresas estão vendendo menos, elas irão contratar menos, talvez até despedir empregados. Seria outra força para desacelerar os preços. Veja que este processo é doloroso, criará vários perdedores. Por isso a vigilância sobre os preços é a tarefa principal dos bancos centrais. O custo de não segui-la é muito elevado.












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