segunda-feira, 25 de julho de 2022

PEC “Kamikaze” é mais uma derrota do ajuste fiscal

Comportamento curto-prazista venceu novamente

curto prazo


A aprovação da PEC “Kamikaze” elucida não somente a dificuldade de ajustar as contas públicas do governo, como também evidencia a indisposição de nossos políticos em buscarem esse objetivo. Mais do que isso, essa nova PEC representa furo adicional no Teto do Gasto público, termo usado para denotar a regra fiscal imposta pela PEC do Teto em 2016 pelo governo Michel Temer, a qual limitava o crescimento da despesa primária com base na taxa de inflação. 

O Teto do Gasto foi uma estratégia para reverter a tendência histórica do governo brasileiro de gastar mais recursos do que o que arrecada, culminando em sucessivos déficits. A dívida pública é uma herança pouco ingrata para qualquer político que assume o seu cargo. O gasto além do imposto de hoje gera dívida, que exigirá o deslocamento de recursos públicos para o pagamento de juros. Afinal, todo devedor assume uma obrigação com o seu credor. No presente caso, o governo (devedor) se compromete a honrar o dinheiro tomado emprestado com o acréscimo de juros à outra parte que forneceu o fundo (credor). O ponto é que esse pagamento de juros é uma despesa que, uma vez levantada, não pode ser mais controlada. Por isso mencionei que a dívida pública é uma herança indesejada por novos governos. 

Quando a PEC do Teto do Gasto foi promulgada, sua intenção era corrigir o comportamento perdulário da máquina pública, enquadrando a despesa em limites rígidos. A esperança era que isso desaceleraria o crescimento da dívida pública e, por conseguinte, o pagamento de juros dessa dívida. O problema era que os formuladores desta proposta esperavam (ingenuamente?) que reformas auxiliares fossem implementadas para garantir o funcionamento do teto, tais como as reformas previdenciária, administrativa, tributária, dos gastos, dos subsídios, em uma palavra, uma revisão completa da forma como os recursos públicos são manejados. Infelizmente esse segundo passo ficou no meio do caminho, comprometendo a eficácia do Teto do gasto. 

Essa breve descrição mostra um grande problema para a administração pública, visto de forma muito equivocada por alguns segmentos da sociedade: o pagamento de juros da dívida. Há quem argumente que esse pagamento de juros é o responsável pela drenagem de recursos do governo, prejudicando áreas sensíveis da sociedade, como a educação. Todavia, veja que neste caso há uma inversão da causalidade. Nosso país paga juros da dívida porque ele se endivida, tem gasto superior ao total arrecadado, necessitando, por isso, de emitir dívida. 

Outro empecilho que o governo enfrenta é a rigidez do gasto. Mais ou menos por volta de 90% de toda a despesa primária (sem incluir o pagamento de juros) é destinada previamente, isto é, não há como o formulador de política econômica alocar recursos para diferentes áreas. Alguns chamam essa rigidez de dinheiro “carimbado”. O termo técnico é falta de flexibilidade em alocar o recurso público. A consequência desta rigidez é que todo ajuste fiscal ocorre nos 10% flexíveis, que incorporam gastos em educação, saúde e investimento público. Novamente percebo problema de causalidade nesta questão. Não é falta de altruísmo do governo em cortar estes gastos. A regulação atual não fornece outra opção.

Agora retorno novamente ao Teto do Gasto. Ele almejava amenizar esses problemas. Ao reduzir o gasto público, abriria espaço no orçamento para a alocação de recursos para áreas com maior retorno social. Entretanto, esse mesmo Teto tem sido alvo de diversos ataques, alguns bem sucedidos, como a PEC dos precatórios, e atualmente a PEC “Kamikaze”. Se 90% do gasto público é rígido, e estamos gastando continuamente, quem pagará a conta? Você, eu, todos nós, os contribuintes, pela emissão de dívida pública para financiar esse gasto. Possivelmente áreas de elevado retorno social também sofrerão, pois como mencionei, o orçamento público é extremamente rígido. Há baixo espaço de manobra.

E esse ciclo vicioso se alimenta dentro de sua própria dinâmica. Gasto maior do que arrecadação, nova dívida, mais pagamentos de juros, cortes na despesa flexível, e assim chegamos a ostentar uma das maiores dívida pública/PIB entre economias emergentes. O necessário ajuste fiscal para recolocar a economia brasileira na rota de crescimento sustentável foi novamente adiado. E o quadro pode ficar pior, pois discuti apenas as consequências relativas à dívida pública. Esses furos no Teto atingem também os preços, a taxa de juros Selic, a taxa de câmbio.... Não é por menos que esses preços estão desajustados atualmente. 


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