quinta-feira, 14 de julho de 2022

Resenha: Combatendo a Desigualdade (Olivier Blanchard e Dani Rodrik)

Livro expõe cenário de desigualdade de renda, traça políticas para revertê-lo e elucida desafios futuros

combatendo a desigualdade


Minhas últimas duas leituras foram de livros formados por capítulos de diferentes autores. Na última semana, fiz a resenha de Estagnação Secular. Hoje farei do livro organizado por Blanchard e Rodrik, e como foi o caso da resenha anterior, a obra conta com a participação de vários autores de peso, como Mankiw, Summers, Saez, Acemoglu e Aghion. Gosto do formato de livros que são uma compilação de diferentes artigos porque eles oferecem o estágio atual do tópico. É uma forma de se informar sobre o andamento de discussões e se manter atualizado (saciada minha vontade deste tipo de leitura, já voltei ao velho hábito, de livros escritos por somente um ou dois autores). 

O livro Combatendo a Desigualdade (no original, Combating Inequality - não achei este livro traduzido para o português, e também não agradei de outra possível tradução: Combate à Desigualdade) fornece dados da desigualdade de renda, discute políticas econômicas e mostra como algumas modificações estruturais estão relacionadas com o agravamento na disparidade de renda das economias desenvolvidas. Portanto, toda a obra é voltada somente para os países ricos, excluindo as economias emergentes, como o Brasil. Interpretei esse foco como forma de driblar a crítica de que países de renda média deveriam enfatizar mais o crescimento econômico, e depois a desigualdade, visto que estas nações ainda não resolveram o problema do crescimento. Mas também há uma literatura argumentando que os dois objetivos são compatíveis, isto é, é possível redistribuir renda com crescimento do PIB. De qualquer forma, a opção de Blanchard e Rodrik foi a de estreitar o escopo do livro. 

A respeito das políticas econômicas, estas podem ser entendidas em 3 grandes blocos. O primeiro é a tributação progressiva, aquela que incide de forma mais intensa conforme a renda e riqueza do indivíduo se elevem, e desonera os estratos mais pobres da população. A segunda é fortalecer instituições do mercado de trabalho, como os sindicatos e leis de salário mínimo. A última é a recomendação de que governos deveriam fornecer de forma ampla acesso à educação e à saúde para a população, com o reforço de programas sociais de transferência de renda. Os autores justificam esse kit de política segundo a percepção (com suporte de dados) de que países que adotaram essas políticas tiveram reduzida (ou até mesmo não tiveram) elevação de desigualdade de renda. 

Dado esse passo inicial, vários capítulos discutem o mérito de medidas que se enquadram em um desses 3 blocos. Por exemplo, Mankiw (o melhor capítulo do livro, em minha humilde opinião) avança a ideia do imposto na forma de valor adicionado, o VAT. O seu argumento é o de que esse imposto puniria o consumo, e não a poupança. A grande vantagem é que a poupança se transforma em investimento, criando empregos e elevando a renda, enquanto o consumo apresenta baixo retorno.  Adicionalmente, nos diz que "pessoas ricas não são as mesmas" (rich people are not all the same). Há ricos que poupam, investem e criam empregos, ao passo que temos aqueles que ostentam vasto consumo. O primeiro auxilia a economia a crescer. O segundo produz benefícios muito limitados. Por que tributá-los da mesma forma, como se comportassem de forma idêntica? Com essa diferenciação, Mankiw critica o imposto sobre a fortuna. Conclui o seu raciocínio resgatando a velha ideia de Milton Friedman da criação da renda básica universal, a qual seria financiada pelo VAT. 

Ainda sobre o mérito da tributação sobre a riqueza, há troca de farpas (de forma educada) entre Summers e Saez. Como o livro foi o fruto de um seminário sobre desigualdade de renda, imagino que o clima pode ter esquentado, visto as fortes críticas que Summers direciona a Saez. Em resumo: Summers não aceita os números de Saez, dizendo que o último inflou o tamanho da receita que um imposto sobre a riqueza geraria. Também criticou algumas de suas justificativas, como a que este imposto reduziria a influência dos ricos sobre a política. Leitor, recomendo a leitura destes dois capítulos. Verdadeiros exemplos de defender uma hipótese (Saez) e de tentar refutá-la (Summers). 

A desigualdade de renda se elevou nas últimas décadas, de acordo com Chancel, em parte devido ao empobrecimento dos governos em comparação com a riqueza privada. A dívida pública se elevou fortemente nos últimos anos, encurtando o alcance de atuação dos Estados. Um exemplo é a renda básica universal, ideia aventada em vários círculos, mas que sofre ao se deparar com a fonte de seu financiamento. O aumento da riqueza privada foi destacado no livro de Piketty, O Capital no Século XXI, no qual o economista mostrou que o retorno do capital está em taxa superior ao crescimento econômico, gerando a acumulação e a centralização de recursos financeiros nas mãos de poucos. Por conseguinte, Combatendo a Desigualdade pega esse link e propõe taxar o rendimento de ganhos por aplicações financeiras. Atualmente, no Brasil, temos o debate sobre tributar os dividendos, que se encaixa nesse tópico.

Senti falta de discussões sobre como a alteração do sistema tributário, tornando-o mais equitativo, impactaria o crescimento econômico. Impostos se relacionam de forma negativa com o produto e a renda. Mais impostos tiram o incentivo de tomar riscos, dado que a recompensa deste risco seria reduzida. Esse ponto é válido especialmente no mercado de trabalho. Há vários trabalhos mostrando que o aumento do salário mínimo reduz o número de vagas, piorando a situação do trabalhador (há também outros que mostram efeito contrário). Meu ponto é a ausência de pelo menos um capítulo mostrando que a tributação não é uma política neutra do ponto de vista do crescimento. Ela o alterará. 

Outras políticas que achei interessantes são a de i) analisar impostos não somente do ponto de eficiência, mas também do impacto sobre a desigualdade (no passado, a análise se detinha somente ao nexo imposto-renda), o ii) gasto público em pesquisa e desenvolvimento como forma de acelerar a transição energética - governos são muito úteis em inovações, com o surgimento da internet sendo um grande exemplo da atuação de governos, derrubando a ideia incorreta de que somente o setor privado gera inovação. Nada de 8 e 80 nesta questão. Isso não significa que o governo sempre acertará. O ideal é a complementaridade entre o público e o privado. A terceira política é a de não negligenciar as crianças. Há evidências de que programas voltados para crianças geram retornos tanto no presente quanto no futuro, perpassando a esfera econômica, como a redução da criminalidade. 

Das alterações estruturais que estão agravando a desigualdade, uma delas são as próprias inovações. Aghion nos explica que o empreendedor, ao conseguir êxito em seu eixo de atuação, irá promover empregos e mobilidade de renda, em um primeiro momento. Todavia, como ele expande sua empresa e sua influência, este influenciará a política e, portanto, a elaboração de leis e regulamentos. Em uma palavra, o lobbying de empresas de tecnologia poderia prejudicar o funcionamento da economia, ao beneficiar as gigantes de tecnologia (isso não é de hoje, e a discussão de regulamentar a Google, a Apple e o Facebook está inserida neste quadro). 

O último capítulo que chamarei a atenção é o que colocou uma discussão filosófica. Allen utiliza o termo purposiveness (ter um propósito, em minha tradução) para elucidar que a economia caminha de acordo com objetivos que nós colocamos. Se desejamos uma sociedade mais igualitária, poderíamos alterar o principal objetivo que temos atualmente, o de expandir o produto. Esse termo me lembrou o economista, vencedor do prêmio Nobel, Gunnar Myrdal, que dizia que a economia é uma ciência moral, ou seja, as políticas econômicas criadas são intencionadas para um objetivo específico. Allen coloca em discussão qual objetivo queremos. 

Em resumo, o livro é uma leitura boa para se informar sobre o tema desigualdade de renda, principalmente quanto ao grau desta desigualdade, as políticas que podem revertê-la e como desdobramentos futuros e atuais estão afetando-a. Embora o tema desigualdade não seja exaurido nesta obra, ela é um bom ponto inicial. Como eu disse, senti falta somente de discussões relacionando a tributação com o crescimento, como foi feito por Mankiw. De resto, o livro cumpre com o que foi prometido: fomentar a discussão de como mitigar a desigualdade de renda nas economias desenvolvidas. 






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