terça-feira, 5 de julho de 2022

Resenha: Estagnação Secular (Coen Teulings e Richard Baldwin)

Economistas estariam novamente sendo excessivamente pessimistas, como Malthus e Hansen foram no passado?

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O termo estagnação secular era assunto quente nas discussões macroeconômicas prévias à eclosão da pandemia Covid-19. Com início no Japão na década de 1990, e atingindo os EUA e a Zona do Euro após a crise financeira de 2008, esse processo ilustrava a incapacidade, ou mesmo a inviabilidade, de economias crescerem de forma forte e sustentada. Seria como uma armadilha de crescimento

Este livro é uma coleção de artigos que discute alguns pontos críticos da estagnação secular, reunindo grandes nomes do campo, como Paul Krugman, Larry Summers, Olivier Blanchard, Joel Mokyr, Robert Gordon e Barry Eichengreen. A ideia era popularizar o tema para a população, ao mesmo tempo mantendo certo rigor técnico.

Uma das questões mais controversas é se de fato existia uma estagnação secular. A dificuldade de economias se recuperarem após a crise de 2008 não seria algo transitório, de curto prazo? Ou seria algo estrutural, construído ao longo de décadas, que teve a crise de 2008 como evento catalizador? Eu construí uma tabela que ajuda a refletir sobre esse ponto (tenho muito interesse neste tópico porque ele é o tema de minha tese de doutorado).

estagnação secular


Comecemos pelos Estados Unidos da América (EUA). Veja que a maior média de crescimento de seu PIB ocorreu na década de 1960. Ao longo das demais décadas, esse crescimento foi se enfraquecendo gradualmente. Ainda que ele tenha ensaiado uma recuperação no último período, o valor de 2,3% está muito aquém do valor visto no início do período, de 4,6%. O mesmo comentário é válido tanto para a Zona do Euro quanto para o Japão. O Japão, não por acaso, elucida o maior drama da estagnação secular: de um crescimento médio de 10,4% nos anos de 1960, ele apresentou apenas 1,26% entre 2010-2019. Nos anos de 1970, por exemplo, a economia japonesa era vista como sucessora da dos EUA. Toda essa previsão caiu por terra nos anos subsequentes.

Um parêntese sobre previsões. É uma das piadas que economistas ouvem reiteradamente. O responsável pelo termo estagnação secular, o economista Alvin Hansen, previu em 1939 que os EUA entrariam em uma trajetória de baixo crescimento. Como sabemos hoje, os gastos públicos envolvendo a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), as inovações tecnológicas e o crescimento populacional - no caso dos EUA, a geração baby boomers -, derrubaram o pessimismo de Hansen. Mas o termo ficou registrado na história. E foi resgatado por outro famoso economista em 2013, Larry Summers (outro economista famoso por ter falhado em sua previsão pessimista foi Malthus - para mais detalhes, veja a resenha de seu livro, Ensaio Sobre a População).

Voltando à tabela acima, por conta da desaceleração do crescimento desde os anos de 1960, minha posição é a de que a estagnação secular é um fenômeno estrutural, não de curto prazo. Suas raízes implicam alterações que são difíceis de serem revertidas em breves períodos de anos.

O próximo passo então é definir de forma completa o que é estagnação secular. Ela seria a dificuldade de recolocar economias em trajetória acelerada de crescimento, com o marcante obstáculo de que as taxas de juros que poderiam gerar esse crescimento são negativas - o termo usado é limite inferior da taxa de juros, ou o seu similar em inglês zero lower bound (ZLB). Por definição, as taxas de juros que bancos centrais estabelecem - aqui no Brasil sendo a Selic - não podem se reduzir para valores negativos. Dessa forma, quando essa taxa já está no valor de zero, o banco central perderia capacidade de fomentar o crescimento da produção. A política monetária se tornaria inoperante. Nome famoso para essa situação é armadilha de liquidez

Daí temos as 3 regiões centrais de estagnação secular: EUA, Zona do Euro e Japão. Todas essas atingiram o ZLB após a crise financeira de 2008. Todas têm mostrado dificuldade de voltar a crescer de forma pungente como no passado. Todas as 3 apresentam características similares que auxiliam a compreender essa dificuldade de expandir a produção. Então vamos para as causas da estagnação secular.

Os fatores se dividem entre os de oferta e de demanda. Do lado da oferta, dois se destacam: envelhecimento populacional e redução do progresso tecnológico. Pelo envelhecimento da população, além da complicação adicional de ajustar os sistemas de aposentadoria (como os governos conseguirão honrar benefícios previdenciários com a proporção de idosos se elevando, ao passo que os trabalhadores ativos, que financiam o sistema, estão se reduzindo?), ele representa menor quantidade de trabalhadores na economia. Menos indivíduos trabalhando e produzindo significa menor PIB. Desdobramento dessa tendência é a queda no crescimento populacional. Alguns países da Europa estão inclusive percebendo reduções na população total.

Os defensores de que o progresso tecnológico ficou mais lento (lembre-se que Hansen apostou nesse fator e errou) argumentam que está cada vez mais difícil de inovar. Que as inovações mais óbvias já foram realizadas no passado. Portanto, o impacto dessa inovação sobre o PIB seria tímido. Ideias novas e inovadoras estariam cada vez mais difíceis de serem descobertas?

Um questionamento que surge é o de que vivemos em uma era cada vez mais digitalizada, com várias comodidades, como a possibilidade de assistir inúmeras séries e filmes em nossas casas, com nossos smartphones agregando várias funções e a prestação de serviços, como o de transporte e de entrega de comida, sendo incorporada nesse mundo digital. Isso não seria inovação? Os defensores da desaceleração do progresso diriam que embora essa inovação melhore o padrão de vida de nós consumidores, ela tem baixo efeito sobre a produção. Ponto controverso.

Vamos agora para os fatores de demanda. O primeiro é a queda da demanda por investimento. Muitos autores consideram que por conta de algumas modificações advindas da crise financeira de 2008, quais sejam, as quedas no apetite e na disposição de investir em ativos arriscados por investidores,  tivemos um aumento da aversão ao risco. Fator adicional é uma escassez de oportunidades de investimento: não há projetos ou espaços nos quais o capital aplicado poderia se expandir e gerar grandes lucros. Evidência deste último traço são as baixas taxas de juros antes da Covid-19, o ZLB. Desta forma, essas forças contribuíram para reduzir a demanda por investimento, enfraquecendo a demanda agregada e, por fim, o PIB.

A desigualdade de renda é o segundo elemento de demanda que teria promovido a estagnação secular. Conforme os grupos de renda média e baixa teriam perdido participação na renda total, o consumo deles teria se reduzido, jogando para baixo a demanda total. Por outro lado, os seguimentos mais ricos, notadamente os grupos de 1% ou 0,1%, não compensariam essa queda do consumo - a propensão destes é poupar a renda adicional. Há autores que atribuem o crescimento da desigualdade de renda como raiz da crise financeira de 2008. Segundo estes, dado a queda de renda das famílias, estas teriam se endividado para financiar o consumo, como a compra de residências, culminando em maior exposição ao risco de ciclos econômicos - o detonador da crise foi a subida da taxa de juros do banco central dos EUA, o Fed. Esta subida teria encarecido o pagamento das hipotecas, como as do setor subprime

Por falar em bolhas financeiras, a estagnação secular é relacionada com maior risco deste evento. Dadas as baixíssimas taxas de juros, investidores buscariam ativos mais arriscados para compensar a queda de rentabilidade dos ativos seguros, como títulos públicos. A busca por maior rentabilidade seria relacionada com maiores alavancagens, práticas de caráter duvidoso (ou até ilícitas) e a criação de novos ativos financeiros mais arriscados e difíceis de serem compreendidos e precificados (lembre-se das securitizações da crise de 2008). 

Embora este livro não enfatize a experiência japonesa (na minha opinião, uma falha da obra), ela merece ser destacada por ter sido o país a inaugurar a estagnação secular. Desde o estouro de sua bolha financeira (outra bolha entrando na história!) na década de 1990, o Japão não teria conseguido se reerguer. Mesmo com políticas econômicas não convencionais, como o Quantitative Easing (QE), e a sucessão de déficits públicos, fazendo com que o país tenha a maior dívida pública/PIB mundial, não foram suficientes para retirar a nação da letargia na qual se encontra. 

Finalmente, chegamos na parte do que fazer frente a esse cenário obscuro. As medidas se dividem em 3 blocos. O primeiro defende reformas estruturais, como o incentivo à imigração (para compensar o envelhecimento populacional), flexibilização do mercado de trabalho (facilitar contratações), desburocratização do Estado, abertura financeira e aprofundamento da globalização. São medidas que melhorariam o lado da oferta agregada.

O segundo bloco são medidas de cunho fiscal: ampliar a rede de segurança social, políticas sociais, investimento público e privado em infraestrutura e expansão do gasto do governo. O maior atrativo destas medidas é o de que como as taxas de juros que financiam a emissão de novas dívidas estão baixas, o custo fiscal do aumento do gasto seria muito baixo. Em outras palavras, teríamos um cenário no qual o gasto público seria auto financiável, isto é, a proporção dívida pública/PIB se reduziria com o gasto do governo (cenário idealizado por muitos economistas aqui no Brasil, mas que se esquecem de que são necessárias pelo menos 3 condições para que isso se concretize - e não, o Brasil não apresenta uma das principais condições: ter uma taxa de juros próxima de zero). 

A terceira e mais famosa política para combater a estagnação secular é o Quantitative Easing (QE). Como a taxa de juros de curto prazo estaria próxima de zero, o banco central teria de adotar medidas não convencionais, como a compra maciça de ativos financeiros de longo prazo, com o objetivo de baixar as taxas de juros de longo prazo e inflar os preços de ativos financeiros. 

Em resumo, essa é a discussão do livro. Para os interessados, o livro Estagnação Secular: Fatos, Causas e Curas pode ser baixado gratuitamente aqui. Infelizmente não há este livro em português - pelo menos não o encontrei.

As únicas ressalvas que eu tenho com o livro é a ausência injustificada de maior foco na experiência japonesa, país pioneiro a entrar na estagnação secular - e a continuar por lá. Outro ponto é o de que em alguns momentos, embora em sua maior parte o livro seja claro em seus argumentos, é a falta de maior desenvolvimento de suas propostas. Me parece que cada autor teve um espaço muito restrito para desenvolver o seu texto. 

Entretanto, esses dois pontos não prejudicam o livro, que serve de introdução ao tema estagnação secular. Ainda que o cenário econômico atual tenha deslocado o foco de discussão da estagnação secular, se suas raízes são estruturais, como argumentado por alguns autores (com o meu apoio), tão logo os choques atuais se dissipem, voltaríamos a discutir essa estagnação. Cenas para os próximos capítulos.








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