quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Resenha: Assim Falou Zaratustra (Friedrich Nietzsche)

Livro apresenta o super-homem

assim falou zaratustra


Ao contrário das obras de Nietzsche apresentadas nesse blogAssim Falou Zaratustra é construído na forma de um romance permeado de conceitos utilizados pelo autor em seus livros. É uma abordagem diferente: o personagem Zaratustra resolve sair de sua solidão, de sua caverna, e conhecer os homens, testemunhar a chegada do Super-homem. Nesse caminho, em especial nos sermões de Zaratustra, a teoria de Nietzsche é exposta. 

Talvez esse artifício torne o livro mais atrativo para leitores que ainda não conheçam Nietzsche. Em comparação com as obras anteriores, a apresentação de sua teoria, embora dispersa e um pouco enigmática em alguns momentos, no geral é mais fácil de ser compreendida.

A busca do Super-homem, termo que representa a quebra de valores correntes que moldam os indivíduos, a inflexão no comportamento dos homens, se libertando, em especial, da moralidade cristã, e passando a almejar glórias terrenas, desprovidas de senso de culpa ou de pecado, portanto, maior liberdade para agir, permeia toda a obra. Para atingir esse objetivo, um dos principais meios empregados é a coragem

Nietzsche critica os indivíduos que se "preservam", os acomodados com a condição atual. O homem que superaria essas pessoas pensaria em avançar, ainda que ao custo de sua própria vida. Correr perigos, conquistar, guerrear. Dentro de seu sistema, faz sentido o posicionamento contrário à democracia, pois esta inibiria o homem superior de Nietzsche, impondo regras e protocolos para serem seguidos. Também o autor se coloca contra a compaixão entre os homens. Essas características em seu sistema tornaram Nietzsche um autor controverso.

A respeito da compaixão, no livro que terminei de ler recentemente, O Mal-Estar na Civilização, de Freud, o autor argumenta que esse sentimento é contrário à natureza humana. É forjado pela sociedade como meio de viabilizar o convívio mútuo. O amor pelo próximo, segundo Freud, não é algo presente em nosso instinto. Ao impor essa norma na civilização (para usar o termo de Freud), cria-se uma tensão entre os indivíduos, pela negação da gratificação do instinto de agressividade. Como Nietzsche viveu período anterior ao de Freud, não seria possível justificar a conduta do homem-superior - pelo menos em relação à compaixão - citando o psicanalista. Por outro lado, as obras de Nietzsche não têm a preocupação de reforçar os argumentos empregando trabalhos de outros autores. No geral, há poucas citações embasando suas ideias. 

O famoso conceito vontade de potência está presente como acessório para a teoria do super-homem. O termo elucida uma das principais ambições existentes, a de crescer em influência sobre outras pessoas, de dominar, exercer maior poder sobre a humanidade. No livro A Gaia Ciência, Nietzsche nos diz que o atual ímpeto em aumentar o patrimônio, às vezes empregando meios ilícitos, decorre da relação positiva entre renda e poder. Quando maior a renda, maior domínio sobre outros. A vontade de potência seria algo inato em todos nós, e que é mitigado pelos valores impostos pela sociedade. Daí as críticas direcionadas à tradição, ao costume, que limitam o alcance das ações dos homens. 

Nessa esteira de criticar valores e moralidade, "Volúpia, ambição de domínio e egoísmo" são defendidos como objetivos legítimos. Segundo o autor, tais adjetivos poderiam ser vistos como naturais ao ser humano. Sendo, portanto, danoso tanto negá-los quanto interpretá-los como pecaminosos e contrários ao que é considerado como boa conduta. 

O último ponto que chamarei a atenção, e que também permeia toda a obra, é o esforço em mostrar que a "vida é uma fonte de prazer". Nietzsche interpreta as atuais religiões, sacerdotes e defensores férreos dessas doutrinas como pessoas tristes, fracas, ressentidas, incapazes de avançar. Esse ressentimento é em parte derivado da forma como elas veem a vida: algo inerentemente doloroso, que deve ser evitado. 

Como é marca tradicional nas obras de Nietzsche, há tópicos paralelos, como discussões sobre casamento, amizade e solidão. Embora ajudem a enriquecer o livro, também dificultam um pouco a sua compreensão, por parar o desenvolvimento da ideia central. Eu gosto desse tipo de efeito, mas compreendo quem não se sinta muito à vontade. De qualquer maneira, não compromete a obra. 

Das obras que li de Nietzsche, essa é a que mais desenvolve o conceito de super-homem, o que ajuda a melhorar o entendimento de seu sistema e a forma como entendia o papel do homem no mundo. Enquanto o livro Além do Bem e do Mal (meu preferido entre os seus livros) apenas tocou levemente no conceito super-homem, Assim Falou Zaratustra termina por lapidar e trabalhar em maiores detalhes essa ideia.






2 comentários:

  1. Francamente, gostei muito da explanação desta obra a qual estou lendo de momento. A leitura é um tanto quanto difícil de compreensão e digna de uma atenção especial, porque muito do que foi dito, pode ser aplicado em nossa realidade. Parabéns pelo trabalho.

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    1. Obrigado pelo elogio. Eu também tive dificuldades em entender essa obra quando a li pela primeira vez (na verdade, todas as obras de Nietzsche eu tive de ler duas vezes). Somente na segunda leitura foi que consegui extrair maior compreensão dela.

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