quinta-feira, 15 de abril de 2021

Resenha: O Jardim das Aflições (Olavo de Carvalho)

Obra retrata importância do Cristianismo na formação da civilização e a sua luta com a ascensão da moral civil do Estado



Continuação do livro A Nova Era e a Revolução Cultural, O Jardim das Aflições apresenta o pensamento de Olavo de Carvalho mais bem desenvolvido e articulado, com citações de vários trabalhos auxiliando na construção dos argumentos. É considerado por muitos analistas sua principal obra. A julgar pela qualidade e forma como foi elaborada, ela merece esse e outros elogios.

A tese de Olavo é a de que a história da parte ocidental do planeta, desde o Império Romano, tem sido a realização de tentativas de edificar um Império que consiga conciliar duas esferas de difícil harmonia: a Espiritual e a Temporal. Na primeira, temos as religiões, notadamente o Cristianismo. Na segunda, é o poder político desempenhado pela autoridade vigente. 

Para mostrar a veracidade de sua proposta, o autor descreverá séculos de conflitos entre o catolicismo e as monarquias europeias. É um dos pontos fortes do livro, não somente pelo conflito em si, mas a habilidade com que Olavo evidencia o paradoxo de convivência entre esses dois poderes. 

Um exemplo é a obra Leviatã, de Thomas Hobbes, na qual, entre a autoridade religiosa e a temporal, Hobbes afirma que não há como existir dois senhores em um mesmo lugar, e que o rei, o poder temporal, se sobrepõe ao espiritual. Escrito no século XVI, não espanta o fato de que após a publicação do livro o autor tenha sido perseguido pela Inquisição (me surpreendi ao notar que não tenho uma resenha de Leviatã. Farei uma nas próximas semanas). 

A saída desse imbróglio foi a ascensão do Império leigo, fracassado sob Napoleão Bonaparte, todavia, bem sucedido pelos Estados Unidos. Nessa configuração, o catolicismo é tratado sob o mesmo pé de igualdade com as demais religiões, não importando a relevância que o primeiro desempenhou para a formação da atual civilização. O Estado absorve o cristianismo ao impor um código moral civil. Cidadãos não precisam seguir religiões em específico, bastando obedecer às leis temporais impostas pelo Estado. Há um deslocamento da moral religiosa para a moral civil. 

Olavo nos diz que a exportação de valores dos americanos, como o consumismo, o capitalismo, a democracia, são secundários frente ao que representou para o mundo a ascensão desse Império: mostrou a resolução da difícil equação entre poder espiritual e temporal. A moral do Estado abarca vários domínios da vida diária, como o tratamento das crianças, estabelecido por leis e estatutos.  

Essa é a ideia central do livro. Entretanto, em paralelo, há interessantes e importantes discussões, como a defesa pela consciência individual: "Nenhum regime, nenhum Estado, tem o direito de agir como intérprete soberano da verdade, subjugando as consciências individuais, pois é nestas, e não nele, que vive e esplende o dom da inteligência". Já afirmei anteriormente, na resenha de A Nova Era, que a defesa pelo individualismo, pela responsabilidade individual, é uma das marcas do pensamento de Olavo, colocando-o junto com outros grandes autores que seguem essa tradição, como Hayek. Olavo se posiciona contrário à teoria de que o ambiente é o fator determinante para a conduta individual. É o indivíduo, utilizando sua consciência, influenciada pela moral religiosa, que direciona os seus passos. Por conseguinte, critica-se a responsabilização da sociedade por crimes praticados pelo cidadão, este é o principal responsável, portanto, deve responder por seus próprios atos.

Sobre o Cristianismo: "as grandes religiões como o judaísmo e o cristianismo (...) fundaram a nossa civilização e criaram os valores éticos (...) [que] a ideologia democrática recebe o seu prestígio". Novamente, o autor acerta em cheio. Não é mera casualidade a defesa cristã de "igualdade perante a Deus", e o desdobramento visto hoje, no campo político, do princípio de "igualdade perante a lei". Ao mostrar essa relação, Olavo presta importante papel à religião - a qual, em geral, recebe diversas críticas devido ao seu caráter conservador, negligenciando, porém, a relevância que desempenhou no passado. 

Os pontos negativos da obra são os mesmos que destaquei na resenha anterior. Nesta há o acréscimo da maçonaria como força secreta que estaria guiando os desdobramentos dos Estados Unidos e demais países - ajudaria mostrar documentos sustentando a afirmação, caso contrário, gera a percepção de teoria da conspiração. Como na obra passada, Olavo atribui ao pensamento de Gramsci, e ao seu uso pela esquerda, o domínio de ideias progressistas, o chamado "politicamente correto". Nessa questão, acho que Olavo superestima e concede demasiada importância para algo que ocorreu, mas não na proporção retratada. Talvez o autor tenha levado adiante demais sua teoria. Por fim, os ataques pessoais à palestra de Pessanha no MASP são despropositados e totalmente descartáveis. Faz parecer que o livro é coluna jornalística de baixa qualidade, quando na verdade é uma obra de elevado conteúdo intelectual. Uma pena essa característica apresentada por Olavo, a qual empobrece os seus textos, sem nada acrescentar.

No final das contas, O Jardim das Aflições merece ser lido. Se não pela teoria do Império (interessantíssima por si), que seja pela defesa do Cristianismo em meio ao avanço do papel do Estado em legislar condutas civis. O ganho de influência da direita religiosa brasileira na política consegue ser entendido pelas obras de Olavo, bem como suas reivindicações e insatisfações. Portanto, essa obra contribui para o entendimento contemporâneo do Brasil. 








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