Mudança Climática Promete Piorar Problemas Sociais, Econômicos e Políticos
Como parte de minha pesquisa acadêmica é relacionada à mudança climática, resolvi ler um livro para me aprofundar no tema. O Calor e a Fúria: Na Linha de Frente da Violência Climática (no original, The Heat and the Fury: On the Frontlines of Climate Violence), lançado em 2024, foi um livro muito elogiado pela crítica. Pesquisei um pouco sobre o seu conteúdo e me pareceu interessante. Ter sido escrito por um jornalista foi um ponto adicional, pois sempre tive ótimas experiências por livros escritos por jornalistas: eles sabem contar muito bem uma história, dando "vida" a seus elementos, com uma escrita envolvente, muito diferente da escrita científica, que preza pelo rigor, frieza e neutralidade. Exemplos de livros muito bons escritos por jornalistas são Bad Blood: Fraude Bilionária no Vale do Silício (resenha aqui), que nos conta a fraude promovida pela empreendedora Elizabeth Holmes, que aspirava em ser a versão feminina de Steve Jobs, e O Mundo é Plano: Uma Breve História do Século XXI, de Thomas L. Friedman (resenha aqui). Em ambos, há um toque muito bom no desenvolver da argumentação - jornalistas que sabem atrair nossa atenção, ao mesmo tempo entregando informações. Felizmente, esse também foi o caso do livro de Peter Schwartzstein.
A proposta do livro é nos mostrar alguns dos impactos da mudança climática sobre países pobres, que já enfrentam outros problemas. A piora do clima, tornando a produção agrícola mais desafiadora (implicando em preços mais elevados e na escassez de alimentos), adiciona às questões sociais de países como o Nepal, que enfrentam elevados índices de pobreza e população subnutrida.
Outro ponto de destaque é o argumento de que os países que estão sofrendo em maior grau as consequências da mudança climática não são os que mais poluem e contribuem para a geração desse problema. Os maiores emissores de gás carbono, um dos principais gases deletérios para o planeta, são a China e os Estados Unidos da América (EUA). Somente esses dois explicam algo em torno de 50% de toda a poluição do planeta. Todavia, os estragos não seguem essa lógica: países como o Iraque, Bangladesh, Etiópia e Nepal, pouco representativos nas emissões de gás carbono em nível mundial, estão sendo gravemente afligidos pela poluição promovida por outros países. Essa é uma das questões interessantes da mudança climática: ela não respeita fronteiras nacionais.
O capítulo 1, concentrado no Iraque, nos conta que o grupo terrorista ISIS explorou a falta de água no país para recrutar jovens e crianças. Esse grupo delimitou e tomou áreas ricas em água, deixando parte da população sofrendo com a sua falta. Assim, a possibilidade de uso de água e a falta de opções de vida fizeram com que muitos iraquianos migrassem e fizessem parte do ISIS: para muitos, era o único futuro possível - a outra opção seria perecer devido à desidratação e fome. Desta forma, a piora na falta de água, com reduções de chuvas e secas mais prolongadas, auxiliou no fortalecimento do grupo terrorista.
O capítulo 2 mostra que a elevação do nível da água do oceano e rios menos afluentes fizeram com que parte da população rural de Bangladesh migrasse para a capital (produção agrícola foi prejudicada), piorando a provisão de serviços para a população, como de saúde - há também o problema da rápida urbanização em centros despreparados para acomodar grandes quantidades de pessoas. Para piorar ainda mais, o país enfrenta "piratas", grupos que sequestram pessoas em troca de dinheiro. Normalmente, o governo, com poucos recursos e sendo pouco funcional em suas políticas, conseguia lidar com os piratas - mas com o crescente deslocamento de pessoas, esses piratas se posicionaram em lugares estratégicos para sequestrar correntes de indivíduos. Assim, a mudança climática ajudou a renda dos piratas, piorando, todavia, a vida do restante da população.
Algo pouco comum para nós brasileiros (pelo menos para a maioria) é discutir a escassez de água. Mas em países como o Egito, Etiópia e Nepal, a provisão de água é questão delicada, permeada de tensão e conflitos. Uma evidência é que em Nepal existe o Ministro da Água. A situação em Nepal se agravou tanto que o setor privado tentou preencher essa lacuna ofertando água por meio de caminhões tanques - cobrando preços elevados de uma população carente, pobre e vulnerável. Ao mesmo tempo, essa classe empresarial, os caminhões tanques, se envolveram na política para barrar políticas e projetos públicos que pudessem melhorar a oferta de água para a população - a melhora do serviço público iria atrapalhar a demanda por sua água. Diga-se, além disso, que essa água dos caminhões tanques não é a mais saudável possível. Tudo isso em um país pouco funcional, marcado por corrupção e pobreza.
Caso interessante, que pode servir de alerta para o que podemos testemunhar nos próximos anos, é o de que países que enfrentam escassez de alimentos, mas que possuem recursos financeiros, estão aplicando material e capital para extrair alimentos de países ricos em alimentos, mas que são muito pobres (ou ricos em terras e recursos que possam gerar produção adequada de alimentos). Isso ocorreu no Sudão, país africano que sofre com fome e pobreza. Alguns de seus vizinhos compram e alugam suas terras para extrair alimentos e água. O problema é que a própria população de Sudão não se beneficia dessa "troca"; tenha em mente que o governo sudanês é disfuncional (perto desses governos, temos um sonho de governo aqui no Brasil!). O governo e alguns de seus aliados recebem o dinheiro, os países vizinhos extraem os recursos do Sudão, e a população dessa região explorada fica à mercê da própria (falta de) sorte. Assim, países pobres podem se tornar mais pobres ainda por conta do interesse de países ricos em comprar os seus recursos alimentícios.
No final, o livro diz que democracias ricas da Europa não estão isoladas desses problemas. Vimos que os valores liberais da Europa não sabem lidar muito bem com com imigrantes de países pobres, como observado pelo fluxo de sírios fugindo da guerra civil na Síria; ou mesmo o influxo de ucranianos fugindo do país invadido unilateralmente pela Rússia (acho estranho o argumento defendido por alguns de que a Ucrânia começou a guerra!). Nestes casos, parte da população europeia reclamou do aumento do custo de vida, do aumento da competição no mercado de trabalho e da falta de espaço para acomodar tais contingentes populacionais - isso certamente irá piorar com a mudança climática. A piora do clima irá tornar algumas áreas inabitáveis, fazendo com que a população migre para localidades com clima mais ameno, tais como a Europa. A democracia liberal irá aceitar esse fluxo migratório?
O livro tem o mérito de trazer para nós o que ocorre, em termos ambientais, em partes do mundo com pouco interesse pela mídia brasileira. Além disso, outro mérito é o de mostrar como a mudança climática aprofunda problemas sociais e econômicos existentes - é um efeito cascata de problemas. Será assim o futuro de países pobres afetados pela mudança climática? Até o momento, parece que sim. Vamos observar os próximos anos.
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