domingo, 11 de dezembro de 2022

Resenha: Nação Dopamina (Anna Lembke)

Busca desenfreada por prazer e em evitar a dor tem seus limites, produzindo consequências adversas em nossas vidas

nação dopamina


Nação Dopamina: Por que o Excesso de Prazer Está nos Deixando Infelizes e o que Podemos Fazer para Mudar discute, detalha e oferece soluções para questões centrais em nossas vidas. Em essência, o livro explica o porquê da crescente insatisfação de nós humanos com nossas vidas, em um cenário de abundância material – as forças que contribuiriam para a emergência desse aparente paradoxo. A autora, Anna Lembke, com formação acadêmica sólida e experiência profissional de destaque, consegue utilizar ambos eixos para formular o problema proposto e apresentar alternativas. O resultado é uma leitura tanto instrutiva quanto útil para nossas vidas.

No início da obra, Lembke afirma que o livro é sobre a neurociência da recompensa. Todavia, e este é um dos diferenciais da obra, ela utiliza a experiência de seus pacientes, muitos profundamente viciados em compras excessivas, utilização de drogas, ou seja, na busca de prazer constante, para mostrar como estes conseguiram superar o estado de dependência. Simultaneamente, Lembke contextualiza essas experiências com teorias e trabalhos acadêmicos, reforçando a força argumentativa do livro. 

Com base no nosso sistema de prazer e dor, buscamos deliberadamente elevar sensações prazerosas em detrimento do sofrimento. A forma mais comum seria pelo consumismo (sobreconsumo). Nesta parte, consumismo é mais abrangente do que o simples ato de comprar mercadorias. Envolve a experiência de adquirir o mesmo bem (drogas, bebidas, substâncias que ativam hormônios de prazer) reiteradamente, diversas vezes, na tentativa de manter o estado de prazer e afugentar quaisquer estados de dor. Consequentemente, embora o livro não seja somente direcionado aos viciados, estes são o foco da discussão.

Lembke nos diz que o objetivo principal da vida de praticamente todo humano é o consumo. Não colocamos outras metas para serem perseguidas. Com a ajuda de alguns suportes, como as redes sociais, as quais aumentaram a visibilidade tanto de nossas vidas quanto das dos demais, nos esforçarmos para se destacar com base no padrão de consumo ostentado. Como essa posição na fronteira é para poucos, cria-se um sentimento de vazio, de impotência, de fracasso com os que não conseguem chegar no topo da montanha. Efeitos secundários podem ser o aumento da ansiedade, outra marca da problemática prazer e dor. Apenas o elo busca de consumo para justificar nossas vidas e nos mover para frente já seria conteúdo suficiente para um livro (filosófico?). Entretanto, Lembke não entra neste tópico. Apenas nos informa sobre sua existência e como ele acarreta em outras consequências.

Segundo a autora, a busca por prazer se dá devido ao nosso anseio de evitar a dor. Na dicotomia prazer e dor, preferimos, buscamos e tentamos manter sempre o lado do prazer elevado. Caso a dor nos espreite, tomamos medidas para mascará-la, ou melhor dizendo, abafá-la com outras atividades prazerosas. E aqui entra o problema dessa equação. Como mecanismo evolutivo, nosso cérebro equilibra automaticamente a balança entre dor e prazer: se estamos seguindo atividades e consumindo bens que elevem o prazer, após determinado período o efeito que estes causam em nosso cérebro irá se reduzir, ao passo que o lado da dor irá se elevar – talvez trazendo eventos desagradáveis à tona. Essa balança foi fundamental em nossa marcha evolutiva, pois fez com que não nos acomodássemos com a primeira fonte de prazer obtida. Testes em ratos e macacos mostram que quando estes estão desprovidos deste mecanismo auto corretivo, tendem a perder mobilidade e ensejo de buscar objetivos. Se comportam como simples mortos vivos. Portanto, nossa balança dor e prazer nos auxiliou a chegarmos até os dias atuais. Somos, portanto, seremos inerentemente insaciáveis. O problema é que este mecanismo foi moldado para um mundo de escassez, e não de abundância.

Em um mundo de escassez, não teríamos acesso fácil a fontes de prazer. Todavia, no mundo no qual vivemos, basta um acesso na internet para obter fontes de prazer. O livro utiliza essa contextualização para apresentar problemas com vício para vários pacientes, variando de vídeos pornográficos, alcoolismo, dependência química, videogame, e outras substâncias, e outros casos sérios de desvio de foco. O ponto é que muitas pessoas utilizam essas atividades em escala elevada, configurando vício, além de sempre evitarem o confronto com a realidade.

Lembke coloca parte da responsabilidade no capitalismo. Até mais ou menos o ano de 1800, a humanidade viveu em meio a escassez. A revolução industrial e a consolidação do capitalismo representaram a superação deste estado de privação. A palavra de ordem foi, tem sido e continuará a ser o crescente padrão de vida, consubstanciado pela oferta e disponibilidade de bens e serviços para nós – ainda que a pobreza e a desigualdade configurem em nossas sociedades, o patamar destes problemas sociais é incomparável ao visto nas eras passadas. O capitalismo nos libertou de episódios de fome e escassez. Acompanhado com isso, entretanto, também temos vasta oferta de drogas, substância e outras fontes de prazer. Lembke argumenta que quando vivemos em meio a restrições, episódios de dependência com prazer tendem a cair. Ela utiliza o termo “lado obscuro do capitalismo”.

É complicado fazer esta acusação porque, como expliquei brevemente anteriormente, o capitalismo fez com que episódios de fome generalizados e cíclicos fossem eliminados. Como sempre acontece em um mundo dinâmico, ao resolver este problema, outros surgiram. Mas isso não deveria ser um argumento contrário ao capitalismo. Minha crítica à Lembke é que ela não faz essa ressalva: acusa o capitalismo como se este existisse desde somente o atual século (omissão comum aos críticos deste sistema, ainda mais presente naqueles que insistem com o sistema socialista de produção). Ao desconsiderar os problemas que o capitalismo deixou para trás, a autora realiza um crítica superficial – por exemplo, o acesso que eu e tantos outros temos com o livro Nação Dopamina deriva justamente dos avanços promovidos pelo capitalismo, com a massificação na produção e oferta de bens e serviços. Isso é ruim?

Obviamente que o capitalismo tem problemas que devem ser discutidos e endereçados, como a existência da pobreza, da desigualdade de renda (em nível elevado) e a poluição ambiental. Todavia, também devemos ter em mente que foi também o capitalismo que propiciou direta ou indiretamente o padrão de vida que desfrutamos, o alargamento da expectativa de vida, a entrada de mulheres no mercado de trabalho, a disseminação de informação, e tantos outros benefícios. O correto, portanto, ao invés de apontar e soltar flexas ao capitalismo, é discutir formas de torná-lo compatível com objetivos humanitários, mantendo suas conquistas históricas.

Voltando ao livro, Lembke descreve estratégias para lidarmos com esse mundo propício à busca desenfreada de prazer, sendo esta parte um dos pontos mais interessantes e atrativos da obra. Discutirei 3 destas soluções. A primeira é abraçar a dor. Não evitá-la a todo custo, mas saber experimentá-la. A dor atual que sentimos tende a se reduzir conforme a vivenciamos. Somos seres adaptáveis, incluindo quando estamos na adversidade. Utilizar formas artificiais para esconder esta dor tende a fortalecê-la, criando problemas futuros para nós mesmos, ao mesmo tempo nos enfraquecendo, dado que não criamos resiliência para momentos negativos - os quais sempre teimam em aparecer em nossa existência. Precisamos de coragem.

Abraçar a dor também envolve a prática de exercícios físicos, pelos vários benefícios que estes acarretam para nosso corpo, e regras autoimpostas, como limites à quantidade de ingestão de produtos, remédios e substâncias - e no tempo de videogame. É desejável que tenhamos moderação em nossas vidas. Cada um se conhece para criar e seguir estratégias. Não há uma fórmula fechada para atingi-la.

A segunda estratégia é a honestidade radical. Devemos ser honestos sobre nossas questões interiores, sobre o que nos incomoda, nossos hábitos – os quais sabemos que estão nos prejudicando, mas que temos vergonha de expô-los. Lembke argumenta que deveríamos expô-los para que possamos nos conhecer ainda mais. Nesta parte eu resgato o livro de Brené Brown, A Coragemde Ser Imperfeito. Não precisamos nos abrir para quaisquer pessoas, mas para aquele círculo restrito de que chamamos de amigos (e alguns familiares), pessoas que possamos confiar. O autoconhecimento é fundamental para uma autoavaliação de como lidamos com a dor e com situações desconfortáveis.

Finalmente, a terceira estratégia é assumirmos responsabilidade. Nos colocarmos no centro de eventos adversos que ocorrem na nossa vida. Não nos comportarmos como vítimas, terceirizando a culpa e a responsabilidade. Seremos mais fortes conforme passemos a ver os eventos sob a ótica de que embora algumas coisas não estejam sob nosso domínio, podemos sempre escolher a forma como lidamos com elas. Lembke afirma que pacientes que se auto responsabilizam por seus problemas têm maiores chances de superá-lo, ao passo que os que se vitimizam dificilmente conseguem escapar da armadilha na qual se encontram.

Gostei muito da leitura desta obra. Como é comum no povo de minha irmã (as psicólogas e profissões afins), Lembke nos conta partes de sua vida, suas dificuldades, frustações, e vícios que teve no decorrer de seus anos, se colocando mais próxima de nós, mais humana (estou começando a gostar deste tipo de abordagem – na Ciência Econômica, há uma grande distância entre os autores e os leitores. Meu povo (economistas) é mais contido se comparado ao povo da minha irmã). Conjugado com essa proximidade entre leitor-autora, há ótimo embasamento científico para as discussões. Novamente fui beneficiado pelas pessoas próximas com que vivo pela indicação desta leitura. Também novamente, troquei áudios longos com minha irmã, Bárbara, para compreender pontos que tive dúvida. 











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