Busca desenfreada por prazer e em evitar a dor tem seus limites, produzindo consequências adversas em nossas vidas
Nação Dopamina: Por que o Excesso de Prazer Está nos Deixando Infelizes e o que Podemos Fazer para Mudar discute, detalha e oferece soluções para questões centrais em nossas vidas. Em essência, o livro explica o porquê da crescente insatisfação de nós humanos com nossas vidas, em um cenário de abundância material – as forças que contribuiriam para a emergência desse aparente paradoxo. A autora, Anna Lembke, com formação acadêmica sólida e experiência profissional de destaque, consegue utilizar ambos eixos para formular o problema proposto e apresentar alternativas. O resultado é uma leitura tanto instrutiva quanto útil para nossas vidas.
No início da obra, Lembke afirma que o livro é sobre a neurociência
da recompensa. Todavia, e este é um dos diferenciais da obra, ela utiliza a
experiência de seus pacientes, muitos profundamente viciados em compras
excessivas, utilização de drogas, ou seja, na busca de prazer constante, para
mostrar como estes conseguiram superar o estado de dependência.
Simultaneamente, Lembke contextualiza essas experiências com teorias e
trabalhos acadêmicos, reforçando a força argumentativa do livro.
Com base no nosso sistema de prazer e dor, buscamos deliberadamente
elevar sensações prazerosas em detrimento do sofrimento. A forma mais comum
seria pelo consumismo (sobreconsumo). Nesta parte, consumismo é
mais abrangente do que o simples ato de comprar mercadorias. Envolve a
experiência de adquirir o mesmo bem (drogas, bebidas, substâncias que ativam hormônios
de prazer) reiteradamente, diversas vezes, na tentativa de manter o estado de
prazer e afugentar quaisquer estados de dor. Consequentemente, embora o livro
não seja somente direcionado aos viciados, estes são o foco da
discussão.
Lembke nos diz que o objetivo principal da vida de
praticamente todo humano é o consumo. Não colocamos outras metas para
serem perseguidas. Com a ajuda de alguns suportes, como as redes sociais,
as quais aumentaram a visibilidade tanto de nossas vidas quanto das dos demais,
nos esforçarmos para se destacar com base no padrão de consumo ostentado. Como
essa posição na fronteira é para poucos, cria-se um sentimento de vazio, de
impotência, de fracasso com os que não conseguem chegar no topo da montanha.
Efeitos secundários podem ser o aumento da ansiedade, outra marca da
problemática prazer e dor. Apenas o elo busca de consumo para justificar nossas vidas e nos
mover para frente já seria conteúdo suficiente para um livro (filosófico?). Entretanto,
Lembke não entra neste tópico. Apenas nos informa sobre sua existência e como
ele acarreta em outras consequências.
Segundo a autora, a busca por prazer se dá devido ao nosso
anseio de evitar a dor. Na dicotomia prazer e dor, preferimos, buscamos
e tentamos manter sempre o lado do prazer elevado. Caso a dor nos espreite,
tomamos medidas para mascará-la, ou melhor dizendo, abafá-la com outras
atividades prazerosas. E aqui entra o problema dessa equação. Como mecanismo
evolutivo, nosso cérebro equilibra automaticamente a balança entre dor e
prazer: se estamos seguindo atividades e consumindo bens que elevem o prazer,
após determinado período o efeito que estes causam em nosso cérebro irá se
reduzir, ao passo que o lado da dor irá se elevar – talvez trazendo eventos
desagradáveis à tona. Essa balança foi fundamental em nossa marcha evolutiva,
pois fez com que não nos acomodássemos com a primeira fonte de prazer obtida.
Testes em ratos e macacos mostram que quando estes estão desprovidos deste
mecanismo auto corretivo, tendem a perder mobilidade e ensejo de buscar
objetivos. Se comportam como simples mortos vivos. Portanto, nossa balança dor
e prazer nos auxiliou a chegarmos até os dias atuais. Somos, portanto, seremos
inerentemente insaciáveis. O problema é que este mecanismo foi moldado para um mundo
de escassez, e não de abundância.
Em um mundo de escassez, não teríamos acesso fácil a fontes
de prazer. Todavia, no mundo no qual vivemos, basta um acesso na internet para
obter fontes de prazer. O livro utiliza essa contextualização para apresentar
problemas com vício para vários pacientes, variando de vídeos pornográficos,
alcoolismo, dependência química, videogame, e outras substâncias, e
outros casos sérios de desvio de foco. O ponto é que muitas pessoas utilizam
essas atividades em escala elevada, configurando vício, além de sempre evitarem
o confronto com a realidade.
Lembke coloca parte da responsabilidade no capitalismo. Até
mais ou menos o ano de 1800, a humanidade viveu em meio a escassez. A revolução
industrial e a consolidação do capitalismo representaram a superação deste
estado de privação. A palavra de ordem foi, tem sido e continuará a ser o
crescente padrão de vida, consubstanciado pela oferta e disponibilidade de bens
e serviços para nós – ainda que a pobreza e a desigualdade configurem em nossas
sociedades, o patamar destes problemas sociais é incomparável ao visto nas eras
passadas. O capitalismo nos libertou de episódios de fome e escassez.
Acompanhado com isso, entretanto, também temos vasta oferta de drogas,
substância e outras fontes de prazer. Lembke argumenta que quando vivemos em
meio a restrições, episódios de dependência com prazer tendem a cair. Ela
utiliza o termo “lado obscuro do capitalismo”.
É complicado fazer esta acusação porque, como expliquei
brevemente anteriormente, o capitalismo fez com que episódios de fome
generalizados e cíclicos fossem eliminados. Como sempre acontece em um mundo
dinâmico, ao resolver este problema, outros surgiram. Mas isso não deveria ser
um argumento contrário ao capitalismo. Minha crítica à Lembke é que ela não faz
essa ressalva: acusa o capitalismo como se este existisse desde somente o atual
século (omissão comum aos críticos deste sistema, ainda mais presente naqueles
que insistem com o sistema socialista de produção). Ao desconsiderar os
problemas que o capitalismo deixou para trás, a autora realiza um crítica superficial
– por exemplo, o acesso que eu e tantos outros temos com o livro Nação Dopamina
deriva justamente dos avanços promovidos pelo capitalismo, com a massificação
na produção e oferta de bens e serviços. Isso é ruim?
Obviamente que o capitalismo tem problemas que devem ser
discutidos e endereçados, como a existência da pobreza, da desigualdade de
renda (em nível elevado) e a poluição ambiental. Todavia, também devemos ter em
mente que foi também o capitalismo que propiciou direta ou indiretamente o padrão
de vida que desfrutamos, o alargamento da expectativa de vida, a entrada de
mulheres no mercado de trabalho, a disseminação de informação, e tantos outros
benefícios. O correto, portanto, ao invés de apontar e soltar flexas ao
capitalismo, é discutir formas de torná-lo compatível com objetivos
humanitários, mantendo suas conquistas históricas.
Voltando ao livro, Lembke descreve estratégias para lidarmos
com esse mundo propício à busca desenfreada de prazer, sendo esta parte um dos
pontos mais interessantes e atrativos da obra. Discutirei 3 destas soluções. A
primeira é abraçar a dor. Não evitá-la a todo custo, mas saber
experimentá-la. A dor atual que sentimos tende a se reduzir conforme a
vivenciamos. Somos seres adaptáveis, incluindo quando estamos na adversidade.
Utilizar formas artificiais para esconder esta dor tende a fortalecê-la,
criando problemas futuros para nós mesmos, ao mesmo tempo nos enfraquecendo, dado que não criamos resiliência para momentos negativos - os quais sempre teimam em aparecer em nossa existência. Precisamos de coragem.
Abraçar a dor também envolve a prática de exercícios
físicos, pelos vários benefícios que estes acarretam para nosso corpo, e regras
autoimpostas, como limites à quantidade de ingestão de produtos, remédios e
substâncias - e no tempo de videogame. É desejável que tenhamos moderação em nossas vidas. Cada um se
conhece para criar e seguir estratégias. Não há uma fórmula fechada para
atingi-la.
A segunda estratégia é a honestidade radical. Devemos
ser honestos sobre nossas questões interiores, sobre o que nos incomoda, nossos
hábitos – os quais sabemos que estão nos prejudicando, mas que temos vergonha
de expô-los. Lembke argumenta que deveríamos expô-los para que possamos nos
conhecer ainda mais. Nesta parte eu resgato o livro de Brené Brown, A Coragemde Ser Imperfeito. Não precisamos nos abrir para quaisquer pessoas, mas para
aquele círculo restrito de que chamamos de amigos (e alguns familiares),
pessoas que possamos confiar. O autoconhecimento é fundamental para uma
autoavaliação de como lidamos com a dor e com situações desconfortáveis.
Finalmente, a terceira estratégia é assumirmos responsabilidade.
Nos colocarmos no centro de eventos adversos que ocorrem na nossa vida. Não nos
comportarmos como vítimas, terceirizando a culpa e a responsabilidade. Seremos
mais fortes conforme passemos a ver os eventos sob a ótica de que embora
algumas coisas não estejam sob nosso domínio, podemos sempre escolher a forma
como lidamos com elas. Lembke afirma que pacientes que se auto responsabilizam
por seus problemas têm maiores chances de superá-lo, ao passo que os que se
vitimizam dificilmente conseguem escapar da armadilha na qual se encontram.
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