Especialmente para países com alta desigualdade de renda e insuficiente rede de proteção social
Durante minha trajetória acadêmica, recordo de um professor que dizia que crescimento dos preços em 10%, ou seja, taxa de inflação a 10%, não seria um grande problema. Reconhecia que não era o cenário ideal, mas que não causaria estragos na economia. Na época eu pouco refleti a respeito. Hoje eu discordaria fortemente. Um dos principais pontos é a desigualdade que preços crescentes aprofunda e gera nas sociedades.
Quando os preços sobem, estamos perdendo poder de compra. Com a mesma quantidade de dinheiro, somos capazes de comprar menor quantidade de bens. Por isso diz-se que o poder de compra se reduziu. Esse efeito tende a causar consequências diferentes de acordo com o estrato de renda das pessoas.
Famílias abastadas ou com boa situação financeira perderão capacidade de poupar e investir. Mas provavelmente não terão de alterar de forma significativa a alimentação, a moradia e o lazer. Por outro lado, indivíduos pobres ou próximos da faixa da extrema pobreza perdem capacidade de consumir bens básicos e necessários para uma vida saudável e nutritiva. É aqui que ocorre um dos efeitos mais perversos de preços ascendentes: a faixa de renda baixa sofre mais em um cenário de preços crescentes.
Aprendemos (ou devíamos ter aprendido) essa lição em 1994, quando o Plano Real resolveu o problema de hiperinflação que assolava o país desde os anos de 1980 (uma herança nada bem vinda dos governos militares, diga-se de passagem). Logo após a implementação do Plano Real, não somente a inflação se estabilizou e voltou para níveis civilizados, como também a desigualdade de renda se reduziu. É uma correlação que segue o nível de renda: pessoas em boa situação financeira têm mecanismos de se proteger de preços ascendentes, ao passo que indivíduos em pior situação têm poucas alternativas.
Considerando que somos um dos países com maior nível de desigualdade de renda do mundo, preços crescentes sempre serão um problema sério para as camadas mais desfavorecidas da população. Daí a necessidade de se ter um banco central vigilante com o aumento dos preços. O preço que se paga quando a inflação sobe além do nível estabelecido é doloroso demais - em especial, como disse, para a população vulnerável.
Atualmente, em decorrência dos preços ascendentes, bancos centrais estão subindo as taxas de juros. Muito provavelmente teremos uma recessão mundial no próximo ano. Claro, seremos negativamente impactados por ela. Não somos uma ilha isolada. Todo esse movimento tem como meta debelar os preços crescentes, desacelerando-os e estabilizando-os em níveis estabelecidos pelos bancos centrais.
Estamos vivenciando os problemas que uma alta inflação acarreta, como perda de poder de compra, fome (para os vulneráveis) e menor geração de poupança. Não são consequências negativas triviais, impactam fortemente o tecido social. Regimes políticos podem ser questionados, bem como a eclosão de protestos. A última vez que grande parte do mundo sofreu com esses efeitos foi nos anos de 1980, quando a OPEP (cartel de produtores de petróleo) subiu fortemente os preços (o mesmo cartel reduziu recentemente a produção de petróleo para elevar os preços e lucrar no curto prazo - e também para auxiliar a Rússia na guerra, visto o alinhamento político entre o cartel e os russos; a Rússia é uma exportadora de gás e petróleo, portanto, o esforço de guerra precisa de receita para ser financiado).
Vamos superar o atual momento, assim como ocorreu com a pandemia da Covid-19, e também como está escrito nos livros sobre a década de 1980. Entretanto, haverá os custos que elenquei. A esperança é que ocorra aprendizado, para que voltemos mais preparados para o futuro. Concordo com a narrativa de que eventos inesperados, especialmente a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, pioraram uma situação que caminhava para a sua normalização. Mas assim é a vida: eventos inesperados surgem, e o melhor que podemos fazer é estarmos preparados para eles.
Nenhum comentário:
Postar um comentário