quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Resenha: Previsivelmente Irracional (Dan Ariely)

Livro mostra o quanto nossas decisões são dependentes de fatores pouco reconhecidos por nós

previsivelmente irracional economia comportamental


Dan Ariely é um dos nomes mais famosos da economia comportamental, ramo da Ciência Econômica que busca mostrar o quão distante da racionalidade estamos quando tomamos decisões diárias e triviais. A economia comportamental tem crescido nos últimos anos, com outros nomes relevantes como Daniel Kahneman, de Rápido e Devagar, e Richard Thaler, de Nudge. Ambos contemplados com o prêmio Nobel de Economia. 

Já havia um tempo que eu estava querendo ler Previsivelmente Irracional. Tenho contato com alguns trabalhos de Dan Ariely desde pelo menos quando eu cursei o meu mestrado (2014-2016) na UFMG. Dan tem cursos online, site divulgando os seus experimentos e escreve em alguns meios da mídia. Além de experimentos curiosos e interessantes, ele também é uma pessoa carismática e entusiasmado com o seu trabalho e sua pesquisa. Felizmente, todos esses traços estão incluídos nesta obra, que atingiu minhas expectativas.

A tese do livro é a de que cometemos erros sistemáticos em nossas decisões. Somos influenciados por diversos fatores ao tomar decisões, sejam elas pouco importantes, como comprar uma barra de chocolate, quanto com consequências para o resto de nossas vidas, como ter  relações sexuais desprotegidas - Dan realizou experimentos neste campo. Em resumo, o ambiente que nos cerca, as pessoas com quem interagimos, causam mudanças nas nossas decisões. Às vezes de forma imperceptível. 

O próximo passo então é questionar o porquê da Ciência Econômica tratar os indivíduos como racionais. Por racionais entende-se que tomamos sempre as decisões mais vantajosas para nós mesmos. Que consideramos todas informações disponíveis e temos discernimento ao decidir entre elas. Não cometemos erros sistemáticos. Podemos até errar, mas na segunda vez iremos incorporar o erro passado para que a decisão atual seja a correta. Não deixamos que sentimentos e emoções nos afetem nas decisões. Isso tudo é a racionalidade utilizada na Ciência Econômica. Dan, por outro lado, juntamente com outros pesquisadores da economia comportamental, afirmam que essa é uma tomada equivocada a respeito de nós seres humanos, pois nos comportamos diversas vezes de forma irracional. Irracional aqui não carrega os sentidos de ignorância ou burrice, mas de ser influenciado facilmente por fatores não importantes, estranhos ao processo decisório. Todavia, essas influências fariam com que tomássemos não as melhores decisões para os nossos interesses. Estaríamos nos desviando das escolhas que uma pessoa racional no sentido da Ciência Econômica entenderia. 

Desta forma, o livro é uma defesa constante pela economia comportamental em detrimento da visão central da Ciência Econômica de que nós somos racionais na maior parte de nossas vidas. Dan avança a sua tese apresentando vários experimentos, debatendo-os e relacionando-os com nossas vidas. Também fornece dicas para tomarmos melhores decisões e evitar de cair em vieses e armadilhas - espero nunca esquecer a dica de "fechar algumas portas", e aplicá-la em minha vida (imagino que a maior parte dos leitores concordarão comigo quanto à validez desse conselho). 

Não irei escrever sobre todos os experimentos, pois são vários, mas discutirei alguns resultados aqui. O primeiro é o de que nós comparamos praticamente tudo, mesmo quando não deveríamos fazer isso. Neste caso, tratamos quase tudo de forma relativa. Um exemplo é nossa condição financeira. Estudos mostram que, ainda que nosso salário se eleve e sejamos capazes de usufruir de mais bens, viagens e comodidades, caso pessoas próximas, às vezes vizinhos, tenham não somente melhorado suas condições financeiras, mas de forma superior à nossa, tendemos a nos sentir insatisfeitos. Dan mostra que a condição financeira do marido de sua irmã pode ser o fator determinante de seu nível de felicidade. 

O efeito preço zero é outro complicador em nossas vidas. Neste caso, tendemos a abandonar melhores opções apenas por conta de uma suposta ausência de custos na transação. Este efeito costuma ser usado juntamente com outros produtos, quando há um "bônus", ou compre este e leve de "graça" este outro. O problema é que isso nos confunde. Tendemos a supervalorizar o de graça, deixando outras opções de fora.  

Tratamos o mundo como se este fosse dividido em dois: o mundo monetário e o mundo das normas sociais. Muitas pessoas se sentem ofendidas caso, ao prestarem um favor, a outra parte as oferecem dinheiro para recompensá-las. Por outro lado, quando o universo é puramente monetário, não há espaço para favores. Os dilemas surgem quando estes dois mundos se misturam. Em um primeiro encontro amoroso (ou não tão amoroso), o que vale, o mundo monetário ou o da norma social? Como se decidir sobre o pagamento da conta? E quando nos comportamos como se estivéssemos no mundo da norma social, mas as outras partes se comportam como se estivessem no mundo monetário? Veja também que várias vezes o mundo das normas sociais implica em prestar serviço, portanto, um "quase-trabalho", e não ser remunerado (monetariamente) por isso. Ora, mas isso não seria irracional, visto que agentes racionais não "desperdiçariam" trabalho sem a contrapartida monetária?

Nossas decisões são influenciadas pelo nosso estado emocional. Em particular, Dan mostra que durante o estado frio (cold), quando estamos calmos, nossas decisões são mais responsáveis, ao passo que no estado quente (hot), de agitação, largamos um pouco dessa responsabilidade e tomamos decisões prejudiciais para o nosso futuro, mas que irão nos recompensar no curtíssimo prazo. Um agente racional não deveria oscilar suas decisões em decorrência de seu estado emocional. Mais do que isso, ele teria noção do prejuízo que incorreria no futuro, o que deveria guiar sua decisão no presente. 

Outro resultado interessante é o de que quando pagamos mais caro por um medicamento tendemos a acreditar que ele irá resolver nosso problema e minimizar os sintomas, gerando um efeito placebo (efeito placebo é a melhora dos sintomas em decorrência não de um medicamento, mas de algo arbitrário que o substitui, sem o conhecimento do paciente). O mesmo medicamento, mas a um menor preço, tem baixa eficácia em seus resultados. Portanto, internalizamos o quanto pagamos quando o assunto é nossa saúde.

Eu senti um pouco de profundidade na discussão em alguns dos capítulos. Talvez o formato do livro tenha sido proposital, visando oferecer uma leitura mais leve e fluída. Com capítulos curtos, recheados de experimentos interessantes e engraçados, Previsivelmente Irracional é uma boa escolha para quem deseja entender um pouco mais do campo da economia comportamental, ao mesmo tempo aprendendo sobre a complexidade de nós humanos e talvez obtendo lições válidas para tomar melhores decisões em suas vidas.










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