quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Resenha: A Coragem de Ser Imperfeito (Brené Brown)

Autora defende coragem e vulnerabilidade como formas de lidar com a insegurança pessoal e a cultura de escassez

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Como acontece ao longo do ano, fiquei um pouco entediado com os livros sobre economia e resolvi ler uma obra totalmente fora de minha área de conhecimento. É uma prática que normalmente sigo. Por exemplo, tenho aqui no blog livros de biologia (A Origem das Espécies), de psicanálise (O Mal-Estar na Civilização), de história (Sapiens: Uma Breve História da Humanidade), de filosofia (Além do Bem e do Mal) e de política (Leviatã). Influenciado por pessoas próximas, escolhi A Coragem de Ser Imperfeito, escrito por Brené Brown, com formação acadêmica em Serviço Social. Após a leitura, me pareceu mais um livro voltado para questões psicológicas. De fato, consultei minha irmã Bárbara Attílio, psicóloga, se este livro era famoso no povo dela (as psicólogas). Tive resposta afirmativa. Ela me disse que é uma obra recomendada para o público leigo. Respondi que o meu povo (os economistas) não costuma ler esse tipo de livro. Questionado sobre o porquê de meu interesse, disse que gosto de conhecer novos campos de conhecimento. O que é verdade.

Antes de iniciar a resenha, acho válido dizer que li a versão em inglês do livro. Comparado com a versão traduzida em português, há diferenças notáveis, começando pelo título. Em inglês, o título seria Ousando Grandemente (Daring Greatly). Faço essa observação porque talvez posso usar termos que constam em apenas em uma das versões do livro. De toda forma, não há prejuízo na leitura.

Brené Brown inicia o livro com uma citação do ex-presidente dos Estados Unidos, Theodore Roosevelt, na qual ele argumenta que deveríamos ousar grandemente para atingir nossos objetivos, e que isso significa se expor à derrotas e fracassos, entretanto, a vitória estaria em nossa busca e luta em atingir a meta almejada. O que fazemos no trajeto justificaria nossa luta. O livro parte do termo ousar grandemente e o destrincha em outros conceitos que elucidam a visão de Brown sobre como poderíamos proceder com nossas vidas. Toda a obra é baseada nas pesquisas realizadas por Brown há décadas (no apêndice, há mais informações sobre essa parte, como a quantidade de pessoas entrevistadas durante a coleta de dados).

Três termos dariam suporte para que possamos ousar grandemente. O primeiro é a coragem. Coragem de se expor, de errar, de ser visto pelos outros. Sem coragem, estaríamos condenados a viver com nossos receios, medos e ansiedade. A coragem anda de mãos dadas com a vulnerabilidade. Por vulnerabilidade, a autora a compreende como a incerteza, o risco e a exposição emocional, um verdadeiro sair da zona de conforto. Precisamos ser vulneráveis para entrarmos na arena da vida. Por isso, o terceiro termo é engajar. Engajar significa não se fechar em si mesmo. Não se amedrontar pelos insucessos que poderão ocorrer na rota (eles sempre estarão presentes). Pelo contrário, ter a coragem de se expor, de ser vulnerável, e utilizar os meios disponíveis para buscar ou superar seja o que for (a lista de objetivos é vasta, passando por competições esportivas, relacionamentos amorosos, experiências paternas e carreira profissional). 

Um ponto que é bem trabalhado é a explicação da relação entre se colocar como vulnerável e ao mesmo tempo ser uma pessoa plena (Wholehearted). Segundo Brown, pessoa plena não precisa provar nada a terceiros, pois ela reconhece o seu valor, tem ciência de que os resultados em sua vida profissional e amorosa não a definem. Essa autoconfiança pode ser resumida pelo termo eu sou suficiente, eu me basto (I am enough). Indivíduos que fazem parte deste grupo têm uma vida marcada por conexões afetivas e amorosas, e sabem que as merecem. Seres humanos não conseguem viver sem conexões.

O argumento de coragem para avançar e se expor me fez lembrar de Nietzsche. Nietzsche foi um grande defensor da coragem como forma de dar significado para a vida das pessoas. Claro que ele não afirmava explicitamente essa ideia - faz parte dos livros de Nietzsche a não exposição clara e transparente do tema debatido. Segundo o filósofo, essa "artimanha" era para que somente um grupo seleto de leitores o compreendesse. Sua leitura, nas suas palavras, era para poucos. Brené, por outro lado, é didática na utilização do termo coragem - bem como em toda a sua obra.

Uma das dificuldades de nos expormos é que vivemos em uma cultura marcada pela vergonha. Temos receio do que os outros irão pensar de nós. O julgamento que sofreremos. O livro avança o conceito de resistência à vergonha (shame resilience), propondo estratégias para que consigamos superá-la. Muitas vezes vestimos máscaras e armaduras para evitar de lidar com a insegurança que carregamos internamente. Não preciso ir longe nos exemplos para esclarecer esse tópico. Quem não tem amigos e amigas que compram bens de luxo (carro é um bom exemplo) para "terem" um lugar na sociedade? Roupas de grife? Buscar o corpo perfeito? Claro que há exceções a esse padrão. O ponto é que tais indivíduos somente se consideram dignos de afeto e amor quando possuem esses bens. Armaduras para fazerem parte do mundo em que vivem.

A pessoa plena de Brené Brown (vários de seus entrevistados foram avaliados como pessoas plenas, e a pesquisadora extraiu características comuns deles para construir o conceito), como eu afirmei anteriormente, não precisa dessas armaduras, pois ela se basta. A cultura de escassez - outro conceito do livro -, na qual elucida a ansiedade que temos de sempre querer e desejar mais, de nunca estar satisfeito com o que temos, de considerar a vida dos outros melhor, contribui para agravar o quadro de vergonha e insatisfação pessoal. 

Brené combate a cultura de escassez discutindo alguns mitos, como o de que vulnerabilidade é fraqueza e o de que podemos viver sozinhos. Sobre o primeiro mito, vulnerabilidade não é fraqueza, como defendido no início do livro por Theodore Roosevelt; pelo contrário, se colocar na posição de vulnerabilidade exige confiança e coragem, portanto, vulnerabilidade é uma forma de vitória sobre nós mesmos. Evitar sermos vulneráveis nos prejudica em várias dimensões, como a da criatividade no trabalho. Como ser criativo quando cultivamos o medo de se expor? (A obra cita exemplos de gerentes que lidam com essa questão). A respeito do segundo mito, embora parte da cultura, e talvez com a contribuição dos atuais desdobramentos tecnológicos, possamos pensar que é possível seguirmos sozinhos em nossas vidas, sem conexões afetivas, Brené Brown desqualifica essa ideia. As conexões dão significado para nossas vidas. Mostram que não estamos sozinhos, que temos um apoio quando cairmos - pois nós cairemos, mas levantaremos com o suporte de pessoas que são ligadas a nós. Ousar grandemente não significa a ausência de medo e do receio de falhar, mas o pensamento de que, ainda que tais emoções se façam presentes, avançaremos, iremos nos expor. E independentemente do resultado, ele não nos define, pois nos bastamos. Aos poucos, capítulo a capítulo, a autora mostra que não há contradição entre coragem e vulnerabilidade: ambos os conceitos se fortalecem mutuamente e se fazem necessário para ousarmos.

A princípio, quando este livro foi indicado para mim, o vi com um olhar cético (pensei que seria mais um livro de auto ajuda escrito por um autor sem qualificação relacionada à área). Felizmente meu receio foi em vão. Brené Brown justifica cada passo de seu raciocínio com os resultados tanto de sua pesquisa quanto da de outros autores.

Uma característica pouco comum nos livros que leio, mas presente neste, é que a autora se insere várias vezes na discussão, relatando fatos, dificuldades e receios de sua vida. Confesso que esse artifício ajuda na construção de seu argumento, pois mostra que mesmo pessoas bem sucedidas não estão isentas dos riscos de vergonha e da cultura de escassez. Brené mostra como a coragem de ser vulnerável a auxiliou a ter uma vida mais saudável. No início, considerei um pouco estranho esse tipo de abordagem, mas depois me acostumei. Prefiro autores que se colocam um pouco mais distantes da teoria sendo exposta. Mas isso é questão de gosto, e sei que sou uma minoria quanto a essa preferência. 

Como foi o caso de quando li o livro de Freud, O Mal-Estar na Civilização, recorri à ajuda de minha irmã-psicóloga (Bárbara) para esclarecer algumas partes do livro. Novamente eu enviava prints do livro pelo WhatsApp, e ela respondia com áudios. Na verdade, não há necessidade de fazer isso para compreender a obra: ela é didática, bem construída e com ótimo desenvolvimento. A leitura flui facilmente. Mas eu queria compreender em maior profundidade alguns pontos (e também sempre fico na dúvida até que ponto alguns argumentos do livro são unanimidades na área sendo discutida. Nos livros de economia, identifico rapidamente quando os autores estão defendendo pontos controversos, com baixo respaldo acadêmico, ou quando o tema tem aceitação generalizada. Mas nas outras áreas científicas eu não tenho essa informação, e fico curioso - em geral, livros abertos ao público não costumam revelar claramente esse tipo de informação).

No final das contas, A Coragem de Ser Imperfeito é um livro que provoca muitas reflexões. Várias vezes me vi refletindo sobre condutas passadas. Algumas vezes parecia que Brené Brown falava de mim. Acredito que isso aconteça com os leitores. É que o livro debate um assunto que nos cerca o tempo todo, faz parte do nosso dia a dia, e a autora tem grande mérito em conseguir enquadrá-lo e oferecer alternativas para lidarmos com ele.
















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