domingo, 16 de outubro de 2022

Resenha: África: Por que os Economistas Entendem Errado (Morten Jerven)

Conhecemos realmente as causas estruturais dos problemas econômicos da África?

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O continente africano normalmente não recebe muita atenção da mídia, exceto quando eventos trágicos ocorrem por lá. Mesmo quando consideramos produções milionárias, o foco não é essencialmente na África (uma exceção, a qual eu recomendo, é o filme Diamante de Sangue, estrelado por Leonardo DiCaprio). Não bastasse esse contato superficial que temos, a imagem que emerge é caricatural. “A África é pobre e seus habitantes passam fome”.  

O livro de Morten Jerven se propõe a melhorar a compreensão da África. Ao longo de suas páginas, África: Por que os Economistas Entendem Errado (Africa: Why Economists Get it Wrong, no original - não achei versão traduzida para o português) discute e aponta os erros que economistas têm realizado ao analisar a África. Essa crítica perpassa pela teoria utilizada, os modelos aplicados, os dados coletados, e até mesmo a narrativa de como foi e tem sido o desempenho das economias africanas. No fronte puramente teórico, o livro fornece críticas às teorias amplamente aceitas no mundo da Ciência Econômica e, por isso, propicia reflexões a respeito da pertinência das atuais ferramentas – o quão adequadas são para avaliarem os países. 

A primeira crítica é direcionada à afirmação de que o continente africano é marcado por “falhas crônicas” de crescimento. Suas economias seriam incapazes, ou com baixo potencial, para crescerem ao longo do tempo. Mais do que isso, essas economias não teriam crescido no passado. Consequentemente, a diferença nos padrões de renda entre nações ricas e desenvolvidas e as africadas seria compreendido por essas falhas. Jerven recorre a dados históricos (na verdade, não tão históricos, visto que alguns deles são das décadas de 1950 e 1960) para mostrar que no passado vários países africanos cresceram. Um dos erros dos economistas estaria em investigar o crescimento africano apenas nas décadas mais recentes, negligenciando o passado. Essa negligência ocorre, em parte, devido à disponibilidade de dados. Grande parte dos dados relativos ao crescimento econômico iniciam somente a partir de 1960. Jerven nos diz que, por conta dessa e outras limitações, as análises e suas respectivas conclusões sobre a África deveriam ser cautelosas. 

As teorias usadas para avaliar a África são derivadas de países ocidentais, com diferentes geografias, histórias, costumes e fatores de produção. O autor assinala que um dos principais erros (em sua opinião, talvez o maior equívoco) de pesquisadores é supor que o que funcionou e funciona para, digamos, uma Noruega, necessariamente deveria funcionar para a África. Nesta parte, há uma discussão das peculiaridades do continente africano, como sua abundância em recursos minerais, baixa densidade populacional em algumas localidades, e as consequências dessas dotações. Não necessariamente as nações africanas cometem erros sistemáticos de política econômica. Em algumas oportunidades ocorre o adaptamento e ajustamento dadas as condições iniciais.  

Ao invés de estudar o porquê da África não conseguir crescer, o autor defende o estudo das causas que explicariam o porquê do continente apresentar ciclos de crescimento, com períodos de forte expansão da produção seguidos por anos de lentidão produtiva. Economistas deveriam fazer uma inflexão no foco da pesquisa, dado que a África não falhou na sua tarefa de crescimento. 

Um dos períodos que os países africanos mostraram robusto crescimento (anos 1950, 1960), segundo Jerven, foi justamente quando políticas pouco ortodoxas foram implementadas, como significativa intervenção do Estado na economia, com ênfase no crescimento industrial e agrícola, com o complemento de investimento externo e a dependência de preços internacionais. Neste último caso, por ser uma região especializada na exportação de produtos, em especial commodities, oscilações destes preços são acompanhadas por movimentos nas suas economias.

Aqui eu entro com uma crítica. Vejo o mesmo raciocínio aplicado várias vezes para o caso brasileiro. Muitos economistas argumentam que nos anos que o Brasil mais cresceu, por volta de 1940 a 1970, a estratégia pautada pela participação direta do Estado na economia, produzindo bens, via estatais, e alocando crédito para setores específicos, teria sido responsável por esse ímpeto na produção. Ferramentas acessórias também entrariam nessa consideração, como controles de preços, proteções tarifárias e limitação da competição. Não concordo com essa avaliação. Em parte, porque atualmente estamos pagando o preço de anos de práticas carregadas de baixa racionalização econômica (todo esse intervencionismo foi acompanhado pelo direcionamento de recursos não necessariamente para localidades em que seriam mais bem utilizados). Também porque me parece que crescemos apesar de todo esse gerenciamento desconexo de fundamentos econômicos. Para alguns economistas (eu incluído), nesse período ocorreu a transição da população rural para áreas urbanas, significando o aumento da produção, visto a maior produtividade de áreas concentradas. Desta forma, a simples transição já geraria crescimento. Entretanto, uma vez finda essa transição, o crescimento cessaria, como de fato ocorreu. Esse não seria o caso da África? E Jerven não estaria apenas descrevendo correlações? (no livro ele critica a confusão de causalidade com correlação, mas nesta parte da obra ele não a menciona). 

Atualmente, de acordo com Jerven, os desafios da África para crescer no futuro podem ser compreendidos em pelo menos dois pontos. O primeiro se baseando nos mercados mundiais. As nações africanas são dependentes das flutuações dos preços externos. Como exportadoras de commodities, quedas destes preços podem significar depressões domésticas. O segundo ponto capta um pouco dessa relação com preços externos: as receitas dos governos são altamente dependentes dos impostos advindos das exportações. Consequentemente, flutuações de preços externos acarretariam não somente problemas para os exportadores, mas igualmente para o financiamento de programas públicos. Este segundo ponto pode ser abrangido pelo termo condições políticas. Além desta já mencionada dependência de governos com as exportações, os Estados africanos têm dificuldades em implementar a lei e a ordem, fazer cumprir os seus decretos. Infelizmente, Jerven não nos fornece políticas e direções para reverter essas deficiências. 

Finalmente, para a África superar suas dificuldades, como a pobreza e a desigualdade, o autor defende que o caminho é acelerar o crescimento econômico. Ainda vejo um tabu em relação à defesa de maior PIB em alguns segmentos da população durante discussões sobre o combate a essas mazelas sociais (muitos pensam, de forma incorreta, que há uma escolha entre crescimento, pobreza e desigualdade). Jerven não titubeia, é direto em sua sentença. Sem crescimento, os países africanos continuarão distantes do objetivo de fazer parte do time dos países prósperos. Todavia, complementa que para esse crescimento ser sustentável ao longo do tempo, ele precisa vir acompanhado por reduções nos níveis de pobreza e desigualdade. Concordo plenamente. 

No início da resenha, eu apontei o nível insuficiente de estudo e informação sobre os países Africanos. Isso serve para mim. Ao ler esta obra, percebi como que eu também baseava algumas considerações da África por conta da limitação dos dados. Este livro tem o mérito em clarear estes pontos. Para pessoas interessadas em economia, a revista The Economist recomendou a leitura desta obra, pois ela fornece uma visão crítica das atuais ferramentas, teorias e princípios que guiam conclusões de economista sobre outros países. Ao fazer isso, este livro de fato ajuda o leitor a ter uma visão mais aguda do processo de crescimento econômico. 


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