Prejudicando a efetividade da política fiscal
Minha mais recente publicação é o artigo Estudo da Política Fiscal do Brasil: Análise Empírica com o GVAR (1980-2019), publicado na Revista Brasileira de Economia, a revista de economia da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ). No artigo eu avaliei o efeito do gasto do governo sobre variáveis macroeconômicas do Brasil, especialmente o PIB.
Quando o governo eleva o seu gasto, causa vários efeitos na economia. Minhas estimativas mostraram que tanto a inflação quanto as taxas de juros subiram após o gasto público. Uma hipótese é a que o banco central é vigilante com o aumento dos preços, reagindo rapidamente para desacelerar o processo inflacionário. O aumento da taxa de juros pode tornar os investimentos financeiros mais atrativos na economia, atraindo capital externo, o que pressiona a taxa de câmbio para baixo, ou seja, a taxa de câmbio apreciaria.
Portanto, na primeira parte eu mostrei que o aumento do gasto do governo é relacionado com os aumentos dos preços e dos juros, e a apreciação da taxa de câmbio. Essas flutuações ajudam a entender o impacto do gasto do governo nas variáveis da demanda agregada. Meus resultados mostraram que o consumo privado decresce, o investimento se eleva, e a balança comercial piora. A piora da balança comercial (diferença das exportações com as importações) pode advir de um câmbio apreciado, o qual incentiva importações, pois troca-se menos reais por dólares. No curto prazo, o gasto do governo elevou o PIB. Desta forma, a política fiscal é eficaz em estimular o produto.
Entretanto, há ressalvas. Veja que apesar do aumento do PIB, o gasto público piorou o ambiente macroeconômico, com aumentos dos preços e das taxas de juros, acompanhados por piora das contas externas e queda do consumo. Dado esse cenário, argumentei no artigo que a política fiscal causa estresse no ambiente macroeconômico.
Uma evidência de como o cenário macroeconômico prejudica a política fiscal é calcular o multiplicador do gasto do governo. O multiplicador do gasto do governo nos fornece a estimativa de quanto o PIB se eleva dado o aumento de uma unidade do gasto do governo. Meus cálculos forneceram o valor de 0,1. Isso significa que a cada 1 real dispendido como gasto público, o PIB se elevaria em apenas 10 centavos. Colocando em grandes números: se o governo tentasse estimular a economia com um pacote de gasto de 100 bilhões de reais, o PIB cresceria em apenas 10 bilhões. Para onde foram os restantes 90 bilhões? Está na conta da piora do ambiente macroeconômico. Note que o aumento do gasto do governo reduziu tanto o consumo quanto as contas externas. Esses movimentos podem ter prejudicado a efetividade da política fiscal em empurrar o PIB.
De acordo com esses resultados, se o governo almeja estimular a economia com política fiscal, terá sucesso no curto prazo, o PIB irá se expandir. Mas devido ao aumento dos preços, das taxas de juros, da apreciação do câmbio, da queda do consumo e da piora das contas externas, essa expansão será muito restrita, em apenas 10% de todo o gasto realizado. A política fiscal expansionista pioraria o ambiente macroeconômico. É algo próximo a um dilema (trade-off): o governo estimula a economia no curto prazo, mas ao custo de piorar a macroeconomia do país, a qual minaria a política fiscal.
Isso significa que toda política fiscal é ineficaz e acarreta problemas para a economia? De jeito algum. No artigo, eu calculei a política fiscal com todo o gasto primário do governo. Aqui foi incluído os salários dos funcionários públicos, gastos com pensão, educação, saúde, investimento e defesa. Eu mostrei que se a política fiscal é baseada no aumento de todas essas despesas, o resultado final não será muito bom para o país.
Todavia, como discuto no artigo, há trabalhos que analisaram outros tipos de gastos. No geral, quando o gasto do governo envolve externalidades positivas (leia aqui sobre o conceito) como os gastos em educação, saúde e infraestrutura, o multiplicador do gasto tende a ser maior. Já li artigos que mostravam um multiplicador dos gastos da ordem de 2: a cada 1 real dispendido pelo governo, o PIB se elevaria em 2 reais.
Desta forma, uma mensagem sutil do artigo é a de que a forma como a política fiscal é pensada e implementada é de suma importância. Se não há planejamento, apenas gastos atabalhoados, o resultado será parecido com o que o meu artigo mostra. Mas se tal política mirar setores com externalidade positiva, o resultado tenderá a ser melhor.
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