sábado, 1 de abril de 2023

Proposta de Nova Regra Fiscal Não é Ruim

Componentes anticíclico e externalidades são pontos a favor

haddad externalidade anticiclico


Depois de uma longa demora, o PT finalmente apresentou sua proposta para o novo arcabouço fiscal, o qual racionaliza as receitas e despesas, bem como a dívida pública. Considerando os 3 primeiros meses do governo, marcado negativamente pelo confronto entre Lula e o presidente do banco central, Campos Neto, além de frases estranhas proferidas por Lula, sugerindo que o país devesse gastar e gastar cada vez mais, o arcabouço fiscal chegou em boa hora, mostrando que teremos racionalidade no gerenciamento das contas públicas. 

A essência da nova regra fiscal é similar ao Teto do Gasto implementado por Temer em 2016: visa restringir o aumento do gasto público, desacelerando-o, para que exista um equilíbrio entre receitas e despesas, com o intuito de frear o aumento da dívida pública, estabilizando-a no futuro. Caso a nova regra seja eficaz em entregar e sinalizar esses objetivos, teremos menores taxas de juros. É assim que um país consegue viver com taxa de juros menores, ao invés de criticar publicamente o Banco Central. 

Alguns dos principais pontos da nova regra são: gasto público crescerá em até 70% ao crescimento observado das receitas, com existência de uma banda de crescimento de 0,6% a 2,5%. Em momentos adversos, como uma crise econômica, o governo poderia expandir o gasto em até 2,5% para impulsionar o mercado e auxiliar a economia em sua recuperação. Por outro lado, quando a economia estivesse em crescimento, o aumento do gasto seria limitado a 0,6%. É uma forma de utilizar o gasto público como instrumento anticíclico, isto é, estabilizar e suavizar as oscilações do PIB e do mercado de trabalho. 

Outro ponto relevante são os valores mínimos para educação, saúde e investimentos. Vejo aqui uma melhora em relação ao Teto do Gasto de Temer. Como já escrevi anteriormente, não considero o Teto de Temer uma medida ruim. Pelo contrário. O problema do Teto foi que ele foi construído sob a ideia (ingênua e excessivamente otimista) de que reformas subsequentes seriam realizadas para facilitar o seu cumprimento, como as reformas do gasto, tributária, administrativa, e dos subsídios. Caso tais reformas tivessem sido avançadas, teríamos hoje uma máquina pública com gastos pouco engessados e com maior espaço para realizar cortes no orçamento. Entretanto, tivemos, infelizmente, políticos e ministros (foi aqui que me decepcionei com Paulo Guedes) omissos, que não quiseram fazer reformas pouco populares. Consequentemente, para cumprir a regra do Teto do Gasto, gastos essenciais foram cortados. 

A regra apresentada pelo PT supera essa deficiência ao estabelecer pisos mínimos para educação, saúde e investimentos. Embora eu não tenha lido uma justificativa mais técnica para esse mecanismo, ele pode ser facilmente defendido sob o termo de externalidades. Externalidades é um conceito que elucida a incapacidade do mercado em precificar ações de terceiros. Nas áreas de educação e saúde, temos externalidades positivas, pois os ganhos sociais superam o custo privado de implementá-las. Daí a necessidade do governo auxiliar essas áreas, pois ele pode impulsar o ganho total. No longo prazo, pode ser que o benefício futuro advindo da educação e saúde mais do que compense o gasto realizado no presente. Externalidades geram benefícios não somente no mercado, como em outras áreas. Por exemplo, cidadãos com maior qualificação tendem a cometer menos crimes, onerando menos o sistema carcerário; população com melhor saúde apresenta maior produtividade e menores gastos com saúde, reduzindo os custos públicos com a saúde, no SUS. 

O ponto que irá gerar críticas e receios é o da lentidão em ajustar as contas públicas. De tão suave que é o ajuste, conviveremos com mais anos de descompasso entre o gasto público e as receitas. A dívida continuará a se elevar. O ideal seria um ajuste mais rápido. Mas, de novo, considerando o "núcleo duro" do PT, aquele que acredita que "gasto é vida", e que quanto mais gastar, melhor será para a economia, essa regra é muito bem vinda - ela freia os delírios desse pessoal. Imagino que essa regra gerou atritos nos bastidores do partido. Gleisi Hoffmann não deve ter ficado feliz

Essa nova regra não concerta o déficit público do governo. Note que ela busca gerar superávits primários. Todo governo tem dois tipos de resultados fiscais. O primeiro não inclui pagamentos/recebimentos de juros. É chamado de resultado primário. A regra fiscal trabalha somente com esse conceito. O outro conceito, o qual engloba o resultado primário, é o resultado nominal, incluindo tanto o resultado primário quanto o pagamento/recebimento de juros. Vou escrever abaixo as duas identidades para facilitar a compreensão.

RESULTADO PRIMÁRIO = RECEITA PRIMÁRIA - DESPESA PRIMÁRIA


RESULTADO NOMINAL = RESULTADO PRIMÁRIO +/- JUROS


Nos últimos anos, o Brasil tem ostentado tanto déficits primários quanto déficits nominais. Por isso a dívida pública não para de crescer, os juros de aumentar, e o câmbio teima em não voltar para os valores de 3 ou 4 reais por dólar. A nova regra pode melhorar essa conjuntura. No melhor dos cenários, pode inclusive reduzir substancialmente o déficit nominal.

Caso as previsões de Fernando Haddad se concretizem, teremos superávit primário e dívida estável no futuro. Este resultado reduziria a taxa de juros sobre a dívida, fazendo com que o governo pague menor quantidade de juros. Pela segunda equação acima, veja que o menor pagamento de juros contribuiria para melhorar o resultado nominal. Assim, em uma tacada, o PT entregaria um país com melhores resultados primário e nominal - e de bônus, uma taxa de juros menor. Tudo isso sem brigar e sem fazer vergonha em público se queixando da autonomia do banco central. 

Meu lado pessimista me questiona: essa regra fiscal, se implementada, será respeitada? Vimos no governo passado, de Bolsonaro, que ele (patrocinado por Paulo Guedes) furou o Teto do Gasto em duas oportunidades, com as PECs Kamikaze e dos Precatórios. Duas péssimas medidas, com intenção eleitoral. Lula fará o mesmo? Quem consegue, convincentemente, argumentar que não? Neste cenário, não teríamos estabilização da dívida e tampouco melhoras nos resultados primário e nominal. Como cereja do bolo, Lula e seus militantes ficariam enfurecidos com o banco central, que não abaixaria a taxa de juros.













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