sábado, 15 de abril de 2023

Resenha: O que Nós Sabemos sobre Mudança Climática (Kerry Emanuel)

Tendência é a de que os efeitos da mudança climática se tornem cada vez mais nítidos e persistentes

meio ambiente aquecimento global


Talvez a questão global mais em voga nos últimos anos, a mudança climática tem recebido cada vez mais a atenção da mídia (e da academia). A comunidade acadêmica relaciona microeconomia e macroeconomia com efeitos sobre o meio ambiente. Somente em 2022 eu adentrei nesse ramo, utilizando modelos de macroeconomia e relacionando-os com elementos do meio ambiente. Escrevi aqui minha publicação nesta área, na qual mostrei que a política da taxa de juros do banco central altera a emissão de CO2, e que as emissões nacionais são afetadas pelos vizinhos. Portanto, a leitura do livro O que Nós Sabemos sobre Mudança Climática (no original, What we know about Climate Change), de Kerry Emanuel, foi mais um passo para me aprofundar no tema. 

Kerry argumenta que já estamos vivenciando alguns dos efeitos da mudança climática, como ondas de calor, secas e inundações. No ano passado, por exemplo, o Paquistão teve um terço de seu país totalmente inundado. A mudança climática, por sua vez, é alimentada e fomentada pela queima de combustíveis fósseis, como o petróleo e o carvão. 

Aqui percebemos uma enorme dificuldade e barreira para o combate (e talvez a reversão) da mudança climática: a utilização de petróleo. Todo país e sociedade precisa desse insumo para funcionar, produzir, gerar renda e propiciar padrão de renda para a população. Como alterar essa ordem? Claro que temos a opção da energia limpa, aquela que é gerada de fontes renováveis, como vento, sol e água. Todavia, tanto a escala de sua utilização quanto o seu preço ainda são empecilhos para um completo abandono do petróleo. Note o enorme poder político (e econômico) dos árabes com o controle dos preços internacionais de petróleo pela utilização do cartel da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo). A última Copa do Mundo de futebol, realizada em 2022, teria alguma chance de ocorrer em um país que explora os trabalhadores e não respeita direitos individuais básicos, se este país não fosse produtor mundial de petróleo? (A Copa do Mundo de 2018 foi na Rússia, outro exemplo de país displicente com direitos humanos e produtor de petróleo e de gás natural, este outro também um combustível fóssil, no qual a Europa é altamente dependente). 

A mudança climática atual (pois existiram outras no passado) tem início desde a Revolução Industrial, no século XVIII, na Inglaterra, quando o sistema de mercado engatou de vez e a industrialização se espalhou pelo mundo, com início na Europa. Naquele período, a produção era agressiva com o meio ambiente, com enorme queima de combustíveis fósseis - a preocupação com a sustentabilidade do meio ambiente é relativamente recente. Temos aqui um dos atuais dilemas de acordos mundiais para frear a mudança climática: se no passado os europeus e norte-americanos poluíram para crescer e se tornarem potências econômicas, por que os países pobres e emergentes têm de ajudar a pagar o preço?

Em relação às evidências de que a mudança climática é causada pela ação humana, veja o gráfico abaixo. O gráfico mostra a evolução da temperatura global desde 1900 (linha preta). Note que ela se elevou ao longo dos anos. O gráfico mostra também que fontes solares e vulcânicas (fontes naturais) explicam razoavelmente bem a temperatura global até os anos de 1970 (linha pontilhada). Desde 1970, porém, a linha pontilhada decresceu. Caso a temperatura global fosse explicada somente por essas fontes, também esperaríamos que a temperatura global caísse, seguindo de perto a linha pontilhada. Mas não temos isso no gráfico. Veja que a linha tracejada segue de muito perto a temperatura global. A linha tracejada é a ação humana embutida. Em outras palavras, quando a ação humana é incorporada no gráfico, ela consegue explicar o aumento da temperatura global, ao passo que as fontes naturais (linha pontilhada) não mais explica toda a variação de temperatura. É evidência de que a sociedade está contribuindo para a mudança climática.

temperatura combustível fóssil

Coloco outro gráfico para fornecer mais evidências. Neste gráfico, temos a relação entre a emissão de gás carbônico (CO2) e a temperatura global. Assim como o gráfico anterior, temos uma relação muito próxima entre esses dois componentes. Podemos afirmar que o aumento da temperatura global (portanto, aquecimento global) é fortemente relacionado com as emissões de CO2. Como emitimos crescentes níveis de CO2 na atmosfera, novamente a ação humana aparece como responsável pela mudança climática.

temperatura


O livro argumenta que as consequências do aquecimento global atingirão diferentes áreas, como i) escassez de água e comida, ii) pobreza, iii) geopolítica, iv) alastramento de doenças, v) enfraquecimento de governos, vi) migrações em massa. Tome novamente o exemplo do Paquistão. Quando um terço do país ficou submerso, o noticiário retratou que os paquistaneses tiveram de lidar com o aumento da fome e de doenças. Tais efeitos impactaram mais fortemente a população mais vulnerável, piorando os níveis de pobreza. Além disso, parte da população se viu obrigada a se deslocar para outras localidades. Todos esses efeitos acompanharão a mudança climática. Kerry poderia ter desenvolvido em mais detalhes essas consequências, debatendo-as e usando casos de desastres naturais para reforçar o seu argumento. De toda forma, o autor acerta ao afirmar que o problema da mudança climática não é uma questão isolada; a mudança climática é interrelacionada com a pobreza, com a segurança nacional, a estabilidade política e a prosperidade econômica. 

Outro ponto que poderia ter sido mais bem trabalhado é a informação de que outras mudanças climáticas ocorreram no passado, as quais também causaram efeitos devastadores em sociedades. Em particular, desde a era do gelo, movimentos climáticos causaram a extinção ou debilitaram fortemente sociedades na Mesopotâmia, na América Central e do Sul, e na parte sudoeste dos Estados Unidos. Uma diferença crítica é que essas outras mudanças climáticas ocorreram de forma natural, sem a ação humana, ao passo que a atual decorre da influência humana.

O livro é muito curto, o que explica a ausência de maior profundidade em algumas de suas partes. O objetivo da obra era esclarecer o grande público, com uma mensagem clara e direta, ao mesmo tempo argumentando de forma técnica, com a apresentação de evidência científica. Como introdução ao tema, O que Nós Sabemos sobre Mudança Climática é uma boa opção, pois fornece o quadro geral no qual estamos, suas consequências, e alternativas para superá-lo. 









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