História das Corporações, entidades que sofreram mutações ao longo dos séculos
Com Fins Lucrativos (For Profit, no original) é um livro que descreve o surgimento das corporações, contextualizando-as com os dilemas e desafios da época, além de apontar como elas evoluíram ao longo do tempo. Conforme a leitura avança, percebemos que as corporações sofreram mutações de acordo com as mudanças institucionais, políticas e sociais.
William Magnuson afirma que as corporações exerceram e exercem enorme influência nos acontecimentos mundiais. Na Roma antiga, por exemplo, como a burocracia para coletar impostos era inexistente, as autoridades contrataram corporações para prestarem esse serviço. O vínculo entre essas corporações e o império chegou ao ponto destas auxiliarem Roma na guerra contra Cartago, quando os romanos estavam na iminência de perderem a disputa - o que poderia ter alterado toda a história antiga. Todavia, essas corporações apoiaram o exército romano com provisão de alimentos e armamento - um lembrete de que guerras longas não são decididas em apenas uma batalha, mas pelo esforço e resiliência em fornecer bens necessários para a manutenção da contenda.
Durante o Renascimento, em Viena, no século XV, o famoso banco comandado pela família Medici permitiu que as artes se espalhassem na Europa, dado o financiamento do banco para artistas. Os Medici ficaram famosos não somente pela riqueza acumulada, como também pelas inovações financeiras. Em um tempo no qual cobrar juros sobre empréstimos era proibido pela Igreja Católica (Lei da Usura), o banco criou ativos que disfarçavam os juros embutidos no capital.
Atualmente, estamos vivendo a revolução digital e tecnológica promovida pelas empresas de tecnologia, startups que se tornaram potência mundial, como o Facebook (Meta), a Google e aplicativos de corrida e comida. Desta forma, o autor não exagera ao dizer que corporações conseguem moldar nossas vidas, impor hábitos de consumo e nos influenciar.
O principal argumento da obra é o de que as corporações foram criadas para proporcionar o bem comum. Para evitar a subjetividade do que seria "bem comum", o termo é definido como a utilização da corporação para melhorar a vida da população em determinada questão. Na Roma antiga, as corporações ajudaram no esforço de guerra; atualmente, temos enorme provisão de bens e serviços, com produtos que nos ajudam a conectar com pessoas distantes. Tudo advindo de corporações.
Parte da fórmula de sucesso decorre do conceito de responsabilidade limitada. Responsabilidade limitada significa que o patrimônio da empresa é separado do patrimônio de seus proprietários. A corporação, portanto, é uma entidade sem vínculo com os seus donos. A justificativa decorre do risco de falência. Caso o patrimônio fosse conjunto, os proprietários poderiam perder tudo de um dia para o outro. Com a responsabilidade limitada, a perda de patrimônio é limitada pelos ativos da empresa.
A falta de compreensão de responsabilidade limitada é pervasiva no noticiário. Por exemplo, desde a crise da empresa Americanas, por conta de uma contabilidade "criativa" que omitiu um passivo de alguns bilhões de reais, analistas ventilaram a ideia de que o patrimônio de seus principais sócios deveriam ser usados para honrar as dívidas. Não faz sentido de acordo com a responsabilidade limitada.
Ponto forte do livro é a discussão da dualidade entre os benefícios e malefícios que as corporações podem gerar. Um dos principais problemas é o surgimento de monopólios. Toda corporação sonha em se tornar monopolista, dominar o mercado e expulsar suas concorrentes. Ao fazer isso, poderá elevar o preço, subir suas receitas, e lucrar mais. Entretanto, para a população, monopólios geram ineficiências por diversos motivos. Dado esse reconhecimento, governos criaram leis para coibir excessiva concentração de mercado - apesar do esforço, vemos que essas leis não conseguiram controlar toda a questão. Aqui no Brasil, temos um setor bancário excessivamente concentrado. Nos Estados Unidos, Google e Facebook atingiram posições próximas de monopolistas, a despeito das leis contra monopólios.
Outro problema é a busca de lucro acima de quaisquer valores morais. Para elevar a eficiência, empresas podem ignorar algumas normas, explorar trabalhadores, sonegar impostos, e subornar políticos. O livro é recheado de casos desses tipos.
Nesta parte, o autor conclui que a melhor opção é permitir que as corporações busquem o lucro, mas não de forma irrestrita, pois o mercado não consegue resolver todos problemas sociais, podendo inclusive criar alguns deles. Portanto, governos deveriam supervisionar as corporações para que a busca de lucro tenha harmonia com o bem comum. Talvez a principal questão mundial seja tornar compatível a produção com o impacto sobre o meio ambiente, para que a mudança climática não avance para níveis perigosos.
Os capítulos mostram diferentes fases das corporações, como bancos (instituições financeiras), empresas de capital aberto, multinacionais, fundos de equity private, e startups. Em cada etapa, exemplos são dados e a dualidade entre pontos positivos e negativos é debatida. Sem dúvidas, essa tomada histórica ajudou na fluidez do livro, deixando a leitura agradável e atrativa.
Talvez o ponto mais frágil do livro seja a definição de que corporações são entidades que buscam o bem comum. Tanto pela dificuldade de definir o que é o bem comum, como também pelo flerte entre um governo que poderia tomar o controle destas empresas para buscar esse bem comum. Uma abordagem um pouco mais contida poderia ter argumentado que corporações visam superar problemas enfrentados por consumidores com o incentivo de obter lucros, e que as ações destas corporações são limitadas pelas normas e regulações construídas pelo governo por influência da população. Em outras palavras, corporações atuariam sob as regras do jogo. Eu não teria arriscado usar o termo bem comum. Mas de toda forma isso não compromete o livro, que é muito bem estruturado e construído.
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