Aqueles velhos erros
Fernando Haddad e o PT parecem mesmo que irão apostar no ajuste fiscal pautado pela arrecadação tributária em detrimento de cortes de despesas. Dada o estado disfuncional das contas públicas, em decorrência de diversas administrações e leis que bagunçaram os incentivos e normas, temos problemas tanto do lado das despesas quanto das receitas.
Pelo lado da despesa, por volta de 90% da despesa primária (a despesa que não inclui o pagamento de juros da dívida pública) é rígida, ou seja, não há flexibilidade para alterar o destino desses pagamentos. O problema dessa rigidez é a dificuldade de fazer alocações de gastos em diferentes setores. Outro problema é o custo crescente da despesa previdenciária; como a sociedade brasileira está envelhecendo, a pressão para o pagamento de aposentadorias tenderá a crescer. Adicionalmente, há uma miríade de programas públicos e desembolsos de verbas com eficácias e méritos questionáveis. Discuti um exemplo na minha cidade natal, Ubá, aqui.
Todos esses problemas possuem soluções. Entretanto, essa solução demandará muita negociação, perda de popularidade e irritação por parte dos que sairão perdendo – a regra é claríssima: quem desfruta de algum privilégio, por mais absurdo e injustificável que o seja, não deseja largar o osso, lutará com unhas e dentes para mantê-lo. O PT não parece querer comprar essa briga – na verdade, poucos governos até hoje tiveram o ímpeto necessário de avançar nessas questões.
Na arrecadação tributária, temos os seguintes problemas: i) tributação proporcionalmente maior sobre os segmentos mais pobres da população; ii) distorção dos incentivos criados por impostos; iii) desonerações injustificáveis; iv) enorme tributação sobre o consumo; v) evasão e sonegação fiscal. A margem de ganhos de eficiência é grande nesta área, principalmente se o ponto ii) for combatido. Novamente, como no caso das despesas, haverá gritaria contra a perda de privilégios.
Mas é uma briga que deve ser feita. É anacrônica, por exemplo, a tributação sobre os importados, em especial os eletrônicos. E nenhum sistema tributário deveria contemplar tantas exceções como o brasileiro. Portanto, há espaço para elevar a arrecadação sem elevar a carga tributária. O ponto é que isso demandará uma profunda reforma tributária. E de novo, levanto a pergunta: o PT desejará arcar com o custo político de prejudicar interesses muito bem estabelecidos? Caso o caminho seja evitar toda essa complexidade, o ajuste fiscal deverá ocorrer por aumentos e/ou criação de novos impostos. Sempre a solução mais fácil.
Outro ponto que merece maior atenção é o de que o aumento do gasto público necessariamente retira espaço de outros componentes da economia. Uma das formas de elucidar o PIB é decompô-lo em consumo privado, investimento, gasto do governo, exportações e importações. Se o gasto público se eleva, e o PIB não se altera de forma marcante (todas as projeções sugerem que isso de fato ocorrerá nos próximos anos), os demais componentes tenderão a perder espaço no total do PIB. Em geral, nesse tipo de situação, os componentes que perdem espaço são o consumo privado e/ou o investimento.
Conforme o gasto público tome maior parcela do PIB, ele necessita de maior tributação para ser financiado - ou emissão de dívida, a qual também termina em maior tributação. Essa tributação penaliza tanto o consumo quanto o investimento. Outra regra claríssima: impostos elevam os preços dos bens nos quais incidem. Outro canal no qual o aumento do gasto prejudica o consumo e o investimento é pelo aumento da taxa de juros. Caso o governo não equilibre as contas públicas (talvez por evitar de elevar os impostos), as taxas de juros sobre a dívida pública irão subir (como estamos vivenciando). Taxas de juros maiores tornam o financiamento de bens duráveis e de investimento mais custosos. Portanto, consumo e investimento tenderão a cair.
Toda essa dinâmica que descrevi deixaria de existir caso o gasto público conseguisse elevar o PIB substancialmente. Esta parece ser a aposta e crença da atual administração. Mas ela é infundada por pelo menos dois motivos. O primeiro é o patamar da taxa de juros de longo prazo da dívida brasileira, já em níveis elevadíssimos. O segundo é o de que o modelo de crescimento sustentado pelo gasto público puxando a demanda mostrou os seus problemas no passado. A economia brasileira não tem um problema de demanda, o seu problema é no lado da oferta, na produção e na produtividade.
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