quarta-feira, 8 de maio de 2024

Resenha: O Mundo: Uma Breve Introdução (Richard Haass)

Guia para entender o mundo e seus desafios

guerra liberal mudança climática


O Mundo: Uma Breve Introdução tem a proposta de apresentar e discutir os principais tópicos internacionais, variando entre temas econômicos, militares e políticos. Neste sentido, a obra busca orientar o leitor, deixando-o informado sobre os principais desafios que ocorreram no passado e que atualmente estão em voga. 

A essência do livro é a geopolítica. Na definição de Richard Haass, geopolítica é a competição entre países por poder e influência. A geopolítica ocorre o tempo todo, especialmente entre as potências econômicas, como os Estados Unidos e a China, e países que almejam retornar ao papel de líderes mundiais, como a Rússia. Portanto, o livro parte da geopolítica para traçar e explicar os eventos dos últimos séculos. 

O ponto inicial é a assinatura do Tratado de Westfália, o qual sacramentou o fim da Guerra de 30 anos entre países europeus. O tratado, criado em 1648, estabeleceu os conceitos de soberania nacional e o respeito às fronteiras nacionais. Países, teoricamente, não deveriam desrespeitar os limites territoriais das outras nações. Sabemos que vez ou outra tal "regra" não é seguida, por exemplo pelas invasões russas na Ucrânia, mas o tratado foi fundamental ao pavimentar o caminho para futuros acordos que iriam solidificar essa ideia. 

A parte inicial do livro descreve os principais desdobramentos mundiais até a atualidade. Embora rápida, essa parte foi muito bem construída e discutida - o autor, tendo seguido carreira de Estado em temas de geopolítica dos EUA, inclusive discutindo ações e decisões do país com ex-presidentes, tem larga experiência e tato em avançar o seu argumento, ao mesmo tempo mostrando suas limitações e alternativas que não foram seguidas. É um ponto fortíssimo da obra a a habilidade em nos mostrar o contexto no qual decisões foram tomadas.

Na segunda parte, o autor discute os principais desafios das regiões do planeta. Destaque para o Oriente Médio, por conta da questão energética, a produção de petróleo e gás natural, a Europa, pela prosperidade econômica, e a Ásia, por conta da ascensão de forças econômicas, como a China e a Índia. Ao que tudo indica, a América Latina não será uma região crítica nas próximas décadas para o desenvolvimento mundial. Um dos seus principais desafios, até o momento insuperável (e na minha opinião, sem vias de ser resolvido no futuro próximo), é o de lidar com o populismo fiscal de governos. Aqui o Brasil foi citado como país no qual 3 problemas o assolam: i) corrupção, ii) grande setor público, e iii) benefícios públicos para a população incompatíveis com a realidade econômica do Estado. Os pontos ii) e iii) são preocupantes porque caso eles persistam, chegaremos a um ponto no qual o governo irá simplesmente falir. Iremos conviver com hiperinflação, moeda desvalorizada e poder de compra decrescente. Em outras palavras, tenderíamos a se tornar uma Argentina. Outro ponto no qual o Brasil foi citado foi sobre a conservação da floresta Amazônica, bioma que auxilia o planeta na estabilização climática. Fora essas considerações, o Brasil não foi citado, e sem surpresa, pois em termos de geopolítica o país é pouco relevante. É uma ilusão colocar o país em patamar de um grande player em discussões internacionais.  

A terceira parte da obra é a principal, na qual é discutido a ordem mundial em voga e os seus desafios. Vivemos na ordem liberal, moldada após o fim da Segunda Guerra Mundial, caracterizada pela  difusão de democracias, do livre comércio e da globalização. Tal ordem é apoiada e sustentada pela criação de instituições como as Nações Unidas, o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio (OMC). As Nações Unidas se propõe a resolver conflitos internacionais, de forma a evitar a eclosão de guerras, o FMI auxilia na estabilidade monetária, o Banco Mundial visa promover o desenvolvimento econômico de países pobres e a OMC visa incentivar o comércio internacional.  

Dos atuais desafios, 3 merecem destaque. O primeiro é a mudança climática. Enquanto escrevo esse texto, o Rio Grande do Sul lida com sua maior tragédia ambiental, com milhares de pessoas deslocadas por causa de inundações. Um dos pontos sensíveis do combate à mudança climática é criar consenso entre mais de 150 países. O maior emissor de gás carbono, a China, não parece muito disposta a comprometer o seu crescimento econômico. Além disso, a economia mundial ainda é altamente dependente do petróleo. 

O segundo desafio é a regulação do ciberespaço. Ciberespaço envolve a internet, todo o mundo digital. É uma terra sem lei. Países mostram dificuldades em regular e impor regras, mesmo punir indivíduos e empresas. E é normal tal dificuldade, pois é um desafio novo, inédito na vida civilizada. 

O terceiro desafio é a regulação do espaço. Há diversos satélites no espaço, bem como estratégias de exploração de planetas e da lua. Quando de fato a corrida pela exploração dos corpos celestes ocorrer, como será? Cada um por si? 

Há outros desafios citados e discutidos, como a saúde global. Atualmente, países gastam por volta de 10% do PIB em saúde. A tendência é que essa cifra cresça, pois a população irá envelhecer. Todavia, a população em idade ativa, que financia parte desse gasto, irá se reduzir - o Brasil sofrerá com essa transição. Embora o autor não tenha citado, a Previdência pode ser incorporada nessa discussão. Quem financiará aposentadorias? Estados terão de fazer reformas para que tais sistemas, de saúde e de aposentadoria, sejam solúveis, financeiramente viáveis. Spoiler no caso brasileiro: o nosso não é. 

Sobre guerras, um ponto muito tocado ao longo da obra, Richard acredita que elas diminuíram em quantidade não porque nós humanos mudamos - a natureza humana continua a mesma. Ele argumenta que fatores como criação de alianças entre países, como a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e condições críveis de dissuasão de agressões militares (como a regra da OTAN na qual o ataque a um de seus membros representa um ataque a todos) explicam a menor incidência de conflitos. Por exemplo, sem a criação de armas nucleares, e a percepção de que uma guerra nuclear acabaria com o planeta, a Guerra Fria ocorreu, ao invés de uma Terceira Guerra Mundial. 

A obra termina deixando em aberto esses desafios - eles tenderão a continuar. Talvez a questão da saúde e das aposentadorias ganhe maior destaque conforme os países continuem envelhecendo.  

Este foi o melhor livro de geopolítica que já li. Portanto, recomendo a sua leitura para quem deseja se inteirar nesse tipo de discussão, além de compreender melhor o mundo no qual vive. 








2 comentários:

  1. Obrigado pela indicação. Estou seguindo com muita curiosidade seu blogue. Espero que goste também do meu blogue BioTerra (mais da área da Educação Ambiental) e fique seu seguidor. Um abraço

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    1. Obrigado João. Vou visitar o seu blog, e com certeza irei segui-lo.

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