segunda-feira, 17 de junho de 2024

Resenha: O Homem em Busca de um Sentido (Viktor Frankl)

 "Quando não somos mais capazes de mudar uma situação, somos desafiados a mudar a nós mesmos"

alemanha hitler logoterapia


O Homem em Busca de um Sentido é um livro histórico. Ele narra o dia a dia dos sobreviventes do campo de concentração nazista, o famoso campo de Auschwitz, durante a Segunda Guerra Mundial. Essa narração, além de apresentar situações concretas, ela também discute a parte psicológica dos prisioneiros. Viktor Frankl foi um dos sobreviventes dos horrores de Auschwitz, e como testemunha, oferece um livro rico em detalhes dos variados tipos de indivíduos que sucumbiram ou que conseguiram sobreviver. Essa experiência auxiliou o autor a criar sua teoria na psicanálise, a logoterapia

Inicialmente, o livro descreve as mudanças de humor e sentimento dos prisioneiros. Há o choque inicial de perceber a nova vida que enfrentarão, caracterizada por privações, torturas e mortes. Um traço comum era a apatia. Viktor nos diz que ela era um mecanismo de auto-defesa, a pessoa se desligava de tudo que a cercava. Após a apatia, o autor detectou irritabilidade. Além da tortura psicológica, a falta de sono e o constante estado de subnutrição contribuíam para piorar o clima. Como a maioria dos prisioneiros era "alguém" na vida anterior ao confinamento (tinha alguma posição social), a transição em se tornar um "ninguém", sem posse, sem laços familiares, sem amigos, sem um futuro, fazia com que surgisse um complexo de inferioridade

O amor contrabalanceava e ajudava a superar e a tolerar esse quadro. O amor gerava um senso de que poderia existir uma luz em todo o sofrimento. O amor conseguia colocar um objetivo intangível nas mentes e corações dos prisioneiros. Nas palavras de Viktor: "o amor é o objetivo último e mais elevado ao qual o homem pode aspirar". Ainda que muitos presos tivessem perdido suas famílias, eles nutriam a imagem da pessoa em seus corações: "O amor vai muito além da pessoa física da pessoa amada. Encontra seu significado mais profundo em seu ser espiritual, em seu eu interior". Neste caso, o amor pela imagem, pela projeção da pessoa, auxiliava os prisioneiros a existir fora do mundo limitado pelo campo de concentração. Uma espécie de sublimação para além do mundo físico. Daí o conteúdo espiritual do amor. 

A intensificação da vida interior foi a saída encontrada pelos sobreviventes. Alguns até conseguiam colocar humor no fardo diário. A dica de Viktor é que tentemos levar a vida com leveza, talvez até com doses de humor frente aos desafios e fracassos. É o que Nietzsche diz sobre viver "rindo de nós mesmos". Segundo Viktor, as pessoas de composição física forte e avantajada sucumbiam ao campo de concentração e faleciam rapidamente, ao passo que os indivíduos de compleição fraca, mas fortes e resistentes mentalmente, conseguiam sobreviver e suportar o horror. 

A liberdade do homem, portanto, transcende o mundo físico, ela é encontrada no mundo espiritual: "tudo pode ser tirado de um homem, exceto uma coisa: a última das liberdades humanas – escolher a própria atitude em qualquer conjunto de circunstâncias, escolher o próprio caminho". Ainda que limitados pelas regras do campo de concentração, cada pessoa ainda tinha a liberdade de escolher como enfrentaria o dia. Daí chegamos a tese do livro: é a liberdade espiritual que gera significado e propósito em nossas vidas. Para o autor, nós almejamos não bens materiais e conforto, e tampouco poder e influência, mas principalmente desejamos ter um propósito em nossas vidas. A vida sem um propósito deixa o indivíduo sem um farol para seguir, sem um motivo.

O sofrimento, que mais cedo ou mais tarde chegará em nossas vidas, passa a ter outra interpretação em meio ao propósito que colocamos em nossas vidas. Há subjetividade nesta parte, pois cada pessoa terá um diferente propósito. Todavia, há de termos algum propósito. Sem ele, o sofrimento pode nos afundar. Por que sofrer? Essa pergunta permeava as mentes dos prisioneiros: qual o propósito de tolerar o sofrimento e humilhações promovidas pelos nazistas? Sem comida, dinheiro, família, amigos... Por que continuar? "Sem sofrimento e morte a vida humana não seria completa". Viktor se junta a Dostoievski ao argumentar que precisamos do sofrimento para nos tornarmos completos. O sofrimento, quando impossibilitado de ser evitado (Viktor defende que tentemos, inicialmente, evitar o sofrimento, pois caso contrário seríamos masoquistas), nos empurra a refletirmos sobre nossos propósitos. Eis o significado da citação do subtítulo dessa resenha. 

Deveríamos tomar responsabilidade pelo nosso futuro, tomando ações de acordo com os desafios que aparecessem em nossas vidas. Portanto, precisamos de ter coragem em continuar - ainda que continuar, por vezes, seja sobre-humano, como dizia Albert Camus na obra prima A Queda. A coragem nos ajudará a termos esperanças. Essa é uma das partes mais bonitas da obra, quando Viktor conversa com seus colegas de sela e tentar reerguê-los, percebendo a perda de ânimo generalizada.  

Após a descrição da vida no campo de concentração, o autor detalha o que é a logoterapia. A logoterapia parte do pressuposto de que temos vontade de significado. Somos famintos em ter um porquê. Podemos ter bens materiais e comodidades, mas sem o porquê de ir e continuar, a vida pode se tornar insustentável. Nós não desejamos a felicidade, nós desejamos uma razão para sermos felizes (para melhor compreender essa sentença, pense no contrário dela: uma felicidade sem motivo, sem nada que a explique, por exemplo, pelo uso de entorpecentes). 

A logoterapia nos diz que podemos obter significado em 3 frentes. A primeira é por meio de atos/ações e trabalho. A segunda é obtendo experiências ou encontrando alguém. A terceira é a atitude que temos em relação ao sofrimento inevitável. Novamente, a cada instante nós determinamos o que somos. Nossa reação a essas 3 esferas diz o que seremos. 

Finalmente, o autor defende que a liberdade sem responsabilidade é manca. O indivíduo sem responsabilidade pode se tornar imprudente com ele e com os outros. Sem freios. Não existe liberdade irrestrita - e nem seria desejável obtê-la. 

O livro é muito bem desenvolvido, tanto na descrição da vida no campo de concentração quanto aos sentimentos dos prisioneiros. Viktor consegue transmitir o que ocorreu e nos incluir no relato. Além disso, a exposição de seu raciocínio, interpretação e teoria é rápida e perspicaz, indício de quem tem grande domínio do tema. Esse parece ser o caso de Viktor. De forma simples, o livro avança e conseguimos captar a argumentação. É um grande livro, entre os melhores que já li em minha vida. Penso que todos poderíamos nos beneficiar ao lermos esse clássico.











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