Incentivos monetários, poder e geopolítica jogam na direção contrária
Hoje escreverei sobre minha oitava publicação científica do ano, o artigo Countervailing impacts of fossil fuel production and exports of electrical goods on energy transitions and climate change (Impactos compensatórios da produção de combustível fóssil e da exportação de produtos elétricos sobre a transição energética e a mudança climática), publicado na revista Journal of Cleaner Production, uma das principais revistas da área de transição energética. É uma revista de nível A1 (o nível mais alto de publicação). Esse artigo foi o terceiro A1 que consegui neste ano. Contei com a colaboração de meus principais coautores, o professor João, da universidade da Flórida, Estados Unidos, e Emilson, diretor do centro de energia e professor da universidade de Auckland, Nova Zelândia. Artigo pode ser visto aqui.
Nossa premissa é a de que a transição energética não será tão rápida e automática como muitos defendem. Há forças que jogam contra o seu favor. A principal é a utilização e produção de combustíveis fósseis, principalmente o petróleo. Nós mostramos que os Estados Unidos têm e continuarão expandindo sua produção de petróleo, ao passo que os demais países também continuarão comprando (importando). A justificativa é econômica e histórica: há o incentivo monetário, pela custo do petróleo em comparação com fontes de energia limpas e também porque, nas últimas décadas, a economia mundial se firmou e se consolidou utilizando uma malha produtiva baseada em combustíveis fósseis. Há, portanto, uma dependência e continuidade com o passado.
A produção de combustível fóssil emite gás carbono e prejudica o planeta, acentuando a mudança climática. Todavia, há países que estão apostando na transição energética não somente para atingirem o objetivo de uma economia de energia limpa, mas também porque apostam que, no futuro, o país que dominar produtos, insumos e minerais associados com a geração de energia renovável irá dominar a economia mundial. Aqui entra a China. Atualmente, tanto os Estados Unidos quanto a Europa perceberam a estratégia chinesa, e adotaram medidas para desacelerar o avanço do gigante asiático, como tarifas sobre a compra de carros elétricos. Dificilmente tais medidas funcionarão no longo prazo - no curto prazo, como toda medida pouco eficaz, poderá trazer um certo alívio, mas depois perderá efetividade. A China tem investido maciçamente na aquisição de minas, expansão de produção de elétricos, e extração de minerais críticos (níquel, cobalto, terra rara, e lítio). Se não ocorrer algum evento que altere a atual configuração, a China terá uma posição fortíssima como provedora de produtos de energia limpa.
Nós mostramos que conforme os Estados Unidos aumentem a produção de combustível fóssil, a China responde expandindo suas exportações de bens elétricos. Essas exportações reduzem as emissões de gás carbono e auxiliam países a realizarem suas transições energéticas (geração de energia de fonte renovável aumenta em proporção com a energia total). Portanto, enquanto os Estados Unidos prejudicam a transição energética e a mudança climática, a China contribui com essas duas metas. No final, qual efeito irá prevalecer?
Discutimos implicações de políticas econômicas. Uma delas é que políticas protecionistas deveriam ser reduzidas, pois prejudicam o fluxo comercial de bens elétricos, tão necessários para a transição energética. Desta forma, tanto o aumento da tarifa aduaneira dos EUA quanto da Europa sobre a importação de carros elétricos chineses são prejudiciais para o planeta. Note a contradição entre o objetivo declarado dessas duas regiões em promover a transição energética, e as políticas adotadas, que seguem direção contrária. O velho Marx dizia: "O caminho para o inferno é pavimentado de boas intenções".
Outra implicação de nosso artigo é a geopolítica. Assim como o petróleo foi uma arma não somente econômica, mas também política, colocando países pouco relevantes no centro do planeta (pense na Arábia Saudita, Emirados Árabes, e outras nações do Oriente Médio - a Rússia entra aqui também), o domínio de minerais críticos para promover a transição energética, a produção de bens elétricos, e a geração maciça de energia limpa podem colocar o país que detiver tais atributos na posição de potência mundial. É a aposta da China. Assim, a transição energética não envolve somente uma meta ambiental. É um jogo geopolítico de poder e influência.
Em resumo, não está claro como a transição energética irá ocorrer. Os incentivos monetários não estão totalmente voltados para essa direção. Pense nos países árabes que se enriqueceram extraindo e vendendo petróleo. Por que tais nações abririam mão da arma que alavancou sua emergência? Minha agenda de pesquisa e de meus coautores continuará explorando esse tipo de pergunta; um questionamento pouco realizado até o momento.
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