segunda-feira, 24 de junho de 2024

Privatizar as Praias?

Falência fiscal do governo eliminará a interrogação do título

governo brasileiro


A discussão de que um país bem-sucedido deveria seguir o liberalismo econômico não faz muito sentido. No meu entender, os proponentes (mais radicais) dessa ideia imaginam uma economia sem o governo, apenas com o mercado privado atuando e ofertando bens e serviços. Versões mais moderadas aceitam o governo, desde que na condição de coadjuvante - no máximo regulador com leis e punições. 

Não faz sentido esse debate porque o funcionamento de uma economia depende tanto do setor privado quanto do governo. Há situações nas quais o setor privado consegue ofertar de forma adequada os serviços para a população. Exemplos abundam como os setores eletrônicos, de informação, e bens tangíveis no geral. Entretanto, há casos nos quais o mesmo setor privado não consegue entregar o melhor resultado. Exemplo clássico é o setor da saúde. Aqui o governo é bem vindo, ofertando o bem "saúde" para segmentos excluídos da economia. Ninguém consegue viver sem a provisão de saúde, logo, faz sentido que o governo preencha essa lacuna. 

Mesmo onde o setor privado consegue ser bem sucedido, o governo deve regular e colocar as regras do jogo. O setor privado atua dentro dos limites especificados por essas regras. Pense no setor de alimentação. Há regras e regulações exigindo qualidade mínima em produtos. É obrigatório a apresentação, por exemplo, do teor de açúcares e gorduras nas embalagens. Atualmente, por causa da regulação, produtos com alto teor em açúcares e gorduras devem explicitamente oferecer essa informação. Sem a exigência pública, você acha que as empresas, por altruísmo, dariam essa informação, com o potencial de reduzir suas vendas? Não dariam. Assim, a vida continua, com o setor privado operando e o governo melhorando (na melhor das hipóteses e com otimismo) e supervisionando o funcionamento dos mercados. 

Recentemente ocorreu uma grande controvérsia por conta da privatização das praias. Eu vejo esse ponto como a concessão de rodovias e estradas. O governo federal, por conta de sua displicência com o ajuste das contas públicas, e também por causa da ineficiência da forma como o gasto público é realizada (corrupção entre os elementos explicativos), não consegue administrar de forma adequada as rodovias. Há buracos, risco de desmoronamento, placas obsoletas e problemas nas estradas estaduais e federais. Daí a solução foi a concessão: o governo, mediante contrato temporário, concede parte da rodovia para uma empresa privada, a qual irá administrar a rodovia durante a vigência do contrato. Essa administração realizará investimentos para a melhoria do tráfego, mas irá impor o pagamento de pedágios aos veículos. Note que é uma concessão. A rodovia pertence ao governo brasileiro, mas este a concede. Na minha experiência, rodovias concedidas são muito melhores do que as não concedidas. 

No caso das praias, eu imagino que no futuro a ideia de concessão terá de ser levada para a frente. A justificativa é a falência do governo brasileiro em financiar e de cuidar de alguns serviços. A concessão das praias não seria uma privatização: o governo concederia a administração de determinada praia para uma empresa, a qual ofertaria segurança e cuidados, em troca do pagamento para acessar essa praia. Expirado o contrato, ele poderia ser renovado ou a praia voltaria para a tutela do governo. 

Teremos no futuro que responder a questões do tipo: você prefere ir na praia com segurança, mediante pagamentos para acessá-la? Ou é preferível a forma como está, com insegurança, arrastões e falta de investimento na infraestrutura dessas praias? Talvez nem teremos de responder a tais questões. A falta de dinheiro público nos dará somente um caminho para seguir: a concessão.

Um perigo nessa questão é a desinformação, com mensagens de que as praias seriam de propriedade de indivíduos, os quais barrariam a entrada de pessoas. Eu sou totalmente contra esse tipo de contrato, essa privatização. Mas sou adepto ao modelo da concessão. 

Para enfatizar o ponto de que talvez não teremos escolha, veja a questão da previdência pública. Já não é mais uma questão de que se teremos de realizar uma reforma previdenciária ou não. Nós teremos de fazer outra reforma. A previdência brasileira é desequilibrada, com benefícios que superam as receitas, com vários privilégios descabidos (veja as aposentadorias dos militares e dos juízes), e com déficits (despesa superando as receitas) crescentes. A população brasileira tende a se envelhecer, com a redução dos jovens em proporção com os idosos que recebem os benefícios. Como são os jovens os que contribuem, a conta ficará ainda pior. Eu brinco com os meus amigos de que, até me aposentar (e eles também, e talvez você também leitor), eu passarei por duas ou três reformas previdenciárias. Há inclusive o risco de que o governo não conseguirá honrar as promessas de pagamento. 

Não é difícil ser profeta na questão previdenciária. Nas próximas reformas, teremos de aceitar (note bem, não é escolher) i) elevar a idade de aposentadoria, ii) elevar o pagamento das contribuições previdenciárias, e iii) reduzir o benefício futuro. Idealmente, teremos de fazer um pouco dos 3 itens. O Estado brasileiro caminha para a falência fiscal. 

E aqui volto à questão da concessão das praias. Veja que o termo privatização é muito ruim, pois ele confunde a ideia da concessão. Se o governo brasileiro caminha para um futuro com dificuldade de financiar setores essenciais como a saúde, a educação e as aposentadorias, o que dirá da oferta de praias? As concessões das praias voltarão a ser debatidas no nosso futuro. 

Por fim, tanto as questões da aposentadoria quanto das praias ilustram como o mercado privado e o governo podem trabalhar juntos para melhorar nossas vidas. No caso das aposentadorias, o setor privado oferta vários ativos financeiros que poderiam nos ajudar a construir nossas aposentadorias, tirando o foco do governo e, por conseguinte, reduzindo nossa dependência com o Estado. No caso das praias, as concessões jogariam o fardo de administrar as praias para empresas privadas, as quais pagariam tributos para o Estado, ajudando-o a melhorar suas contas fiscais. Todos sairiam ganhando: o governo teria receitas para melhorar suas contas fiscais e realizar programas públicos, o setor privado lucraria, e nós brasileiros teríamos aposentadorias e praias seguras e sustentáveis. É recomendável abandonar o preconceito de uma polarização entre setor privado ("liberalismo") e governo - uma economia funcional opera pela harmonia entre os dois. 






2 comentários:

  1. Muito esclarecedor essa questão e em certas praias aqui do Rio já existe uma "concessão" feita pela milícia, onde o usuário tem que pagar estacionamento numa área de prais selvagens como Grumari. Outra questão em relação ao tópico aposentadoria é que no meu caso aposentado (75 anos) mas ainda trabalho com carteira assinada e pago INSS sem contrapartida nenhuma.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado José. Boa observação. De fato, é preocupante esse tipo de "concessão". Ele mostra como o crime organizado está entrando e fazendo parte do Brasil, se misturando com o funcionamento da política e economia. O assassinato da vereadora Marielle Franco elucidou esse ponto, com a participação de servidores públicos no crime. Quando o crime organizado participa do Estado desta forma, é indício de falência do Estado. Sobre a aposentadoria, esse é um dos seus problemas: contribuímos para ela, mas teremos retorno inferior ao que poderia ser obtido em outras aplicações.

      Excluir