Galbraith mostra como as ideias envelhecem ao longo dos séculos e ajudam a moldar o pensamento econômico
JohnKenneth Galbraith é conhecido por ter escrito livros de sucesso, como A
sociedade afluente e O novo Estado industrial, ter trabalhado no governo de
John Kennedy e, por vez ou outra, indicar soluções diferentes para alguns
problemas econômicos – o mesmo vale para traçar diagnósticos. Talvez não seja
exagero afirmar que ele foi um dos melhores discípulos de John Maynard Keynes
no século passado.
Seguindo
Keynes, Galbraith concorda que são as ideias, principalmente de pensadores
falecidos, que exercem significativa influência sobre os homens práticos e
políticos – incluindo também o papel dos interesses escusos. Mas vai além e aponta as
circunstâncias como fator decisivo para explicar a conduta dos policymakers.
Nesse caso a ideologia abre espaço para uma ação pragmática.
Dado
esse pontapé inicial, o livro se desenvolve flertando com a percepção de que os
desdobramentos da sociedade ao longo dos séculos decorrem tanto das ideias
quanto das circunstâncias – ideias envelhecem mas nunca morrem. Galbraith
mostra, por exemplo, que a teoria racista aplicada por Hitler não é uma obra
sua, mas algo já existente, e nesse caso, popularizada por Spencer – famoso
intelectual que desenvolveu o Darwinismo social. Adiciono que se quisermos
remontar às origens da ideia do racismo para moldar a sociedade, veremos em
Platão a defesa de raças, colocando a raça superior, a governante, como
superior ao restante da população.
Como é
típico do autor, este critica o capitalismo, embora reconheça alguns de seus
méritos, como a ampliação da produção e barateamento das mercadorias. Critica,
porém, o fato do livre mercado não resolver demandas por melhores casas a um
custo mais baixo e melhores serviços de transporte urbano e de saúde. Tais
problemas são debatidos em meio ao cenário das Metrópoles, aglomerados de
prédios, lojas e produtos. É nesse cenário que o autor reivindica a política de
planejamento urbano para propiciar melhores condições sociais de vida para a
população – outra característica do autor: por vezes recomenda maior regulação e
políticas públicas.
A
necessidade de fornecer uma vida melhor para as famílias vai ao encontro da
ascensão, por essas mesmas famílias, do desejo de maior poder de consumo e
maior tempo de lazer. Se no passado os mais pobres aceitavam passivamente a sua
posição social, agora eles questionam o porquê de tal situação. O governo entra
em cena como mecanismo para redistribuir o consumo e a renda, tentando gerar
uma sociedade mais igualitária. Ao mesmo tempo, o complexo industrial-militar,
ou keynesianismo militar, cuja caracterização é a utilização do gasto público
para fomentar indústrias, com destaque para a armamentista, terá de se adaptar
para abrir espaço para as demandas sociais, que também implicarão em expansão
do gasto do governo.
O
questionamento do gasto com armamento está inserido nas incertezas da Guerra
fria, uma vez que o livro foi escrito em 1977. Também vale lembrar que o
fracasso com a guerra do Vietnã (1959-1975) contribuiu para esquentar as
críticas sobre o gasto militar. Galbraith reconhece o papel do gasto militar ao
estimular a economia, mas assinala que o redirecionamento desse gasto para
pautas sociais também estimularia a demanda. E é, no mínimo, estranho
argumentar em favor de bombas quando a população carece de serviços de
utilidade pública.
O
período no qual o livro foi escrito englobou também a crise de baixo
crescimento econômico com o aumento dos preços – estagflação. Essa crise
atingiu não somente os Estados Unidos, mas golpeou as nações europeias da mesma
forma. A fama de dizer verdades intragáveis é vista quando Galbraith aponta uma
falha nas políticas keynesianas, a de gerar inflação. A política de gasto
público por meio de déficits orçamentários deveria ser realizada para combater
desemprego e recessões, não para gerar crescimento forçado, o qual apresenta,
como seu reverso, uma crescente espiral de preços. Tivesse vivido até os dias
de hoje, Galbraith poderia apontar outro empecilho nesse tipo de política, o de
elevar a dívida pública e colocar a moeda em risco (mais sobre a dívida pública aqui),
Na
questão de combater o atraso econômico dos países em desenvolvimento, Galbraith
recorre a esse instrumental. Defende a alocação de dinheiro das economias ricas
para as pobres, financiando o investimento e serviços para a população. No caso
da pobreza, entre os diversos fatores que a explica, o autor denota que a raiz
desse mal é a relação da "terra com a gente" (população). Há um pouco de Malthus
nesse ponto, ao dizer que quando a população excede o que o campo pode fornecer
de alimento, a fome e a miséria prevalecem (resenha de Malthus aqui). Assim como argumentado
anteriormente, a solução repousa em melhorar a distribuição das terras e
fornecer subsídios para áreas pouco produtivas.
A
imigração recebe atenção como outra fonte de reduzir a pobreza. Aqui Galbraith
recorre ao argumento dos autores clássicos, o de que a mobilidade da mão de
obra tende a equalizar a remuneração do trabalho. O problema é que as nações
ricas não gostam muito de verem a concorrência aumentar e os salários se
reduzirem. Daí a consequência é uma aversão aos estrangeiros, o xenofobismo.
Sem dúvidas essa discussão continua atual e Galbraith teve o mérito de antecipá-la (temos um texto sobre imigração aqui).
O título
da obra é justificado com a quebra de equilíbrio que ocorre com a Primeira
Guerra Mundial, quando a aliança de capitalistas e aristocracia é colocada em
risco pelos trabalhadores, os socialistas. O restante do século marcou a luta
entre capitalismo e socialismo, com os Estados Unidos e a União Soviética como
centros para cada um desses sistemas. A incerteza criada com esse conflito
teria picos de nervosismo, como o episódio dos mísseis cubanos. Todavia, se o
momento era de incerteza, havia uma grande certeza, a de que uma guerra nuclear
colocaria todo o planeta em extinção.
No final
do livro, Galbraith segue a tradição de alguns economistas e mostra que
gostamos de discutir política, em particular, regimes políticos. A democracia
dos Estados Unidos é criticada devido à tendência do eleitorado colocar o fardo
das soluções nos ombros dos políticos eleitos, ao passo que democracias bem
sucedidas, como a da Suíça, resolvem-se questões de interesse social não
atribuindo-as para os líderes políticos, mas pela própria população. Há um
maior senso de responsabilidade individual, comprometimento com a vida da
sociedade. Enquanto os americanos procuram por heróis, os suíços buscam
soluções. Ao invocar o conceito de responsabilidade individual, Galbraith,
apesar de não ter dado os créditos, tocou em um tópico muito defendido por
autores liberais. Isso evidencia outra característica do autor, o seu lado
eclético, utilizando diferentes ferramentas teóricas.
Em
resumo, o livro descreve a evolução do pensamento econômico, centrando a
discussão nos principais nomes da economia, como Adam Smith, Karl Marx e Keynes
– e realiza discussões sobre temas relevantes e atuais. Comparado com os seus
outros livros, esse é mais convidativo para um público leigo em economia. O
livro foi escrito ao mesmo tempo que a série da BBC estava sendo produzida,
portanto, os editores provavelmente ajudaram a “amaciar” o conteúdo da obra (a série está disponível no Youtube aqui). O
lado irônico e cômico de Galbraith, por exemplo, é mais intenso nesse livro.
Como conteúdo para compreender o século passado e ter um olhar mais crítico em
relação ao desenvolvimento da Ciência Econômica, esse é um livro essencial.
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