quinta-feira, 2 de abril de 2020

Resenha: A Era da Incerteza (John Kenneth Galbraith)


Galbraith mostra como as ideias envelhecem ao longo dos séculos e ajudam a moldar o pensamento econômico

era da incerteza


JohnKenneth Galbraith é conhecido por ter escrito livros de sucesso, como A sociedade afluente e O novo Estado industrial, ter trabalhado no governo de John Kennedy e, por vez ou outra, indicar soluções diferentes para alguns problemas econômicos – o mesmo vale para traçar diagnósticos. Talvez não seja exagero afirmar que ele foi um dos melhores discípulos de John Maynard Keynes no século passado.
Seguindo Keynes, Galbraith concorda que são as ideias, principalmente de pensadores falecidos, que exercem significativa influência sobre os homens práticos e políticos – incluindo também o papel dos interesses escusos. Mas vai além e aponta as circunstâncias como fator decisivo para explicar a conduta dos policymakers. Nesse caso a ideologia abre espaço para uma ação pragmática.
Dado esse pontapé inicial, o livro se desenvolve flertando com a percepção de que os desdobramentos da sociedade ao longo dos séculos decorrem tanto das ideias quanto das circunstâncias – ideias envelhecem mas nunca morrem. Galbraith mostra, por exemplo, que a teoria racista aplicada por Hitler não é uma obra sua, mas algo já existente, e nesse caso, popularizada por Spencer – famoso intelectual que desenvolveu o Darwinismo social. Adiciono que se quisermos remontar às origens da ideia do racismo para moldar a sociedade, veremos em Platão a defesa de raças, colocando a raça superior, a governante, como superior ao restante da população.
Como é típico do autor, este critica o capitalismo, embora reconheça alguns de seus méritos, como a ampliação da produção e barateamento das mercadorias. Critica, porém, o fato do livre mercado não resolver demandas por melhores casas a um custo mais baixo e melhores serviços de transporte urbano e de saúde. Tais problemas são debatidos em meio ao cenário das Metrópoles, aglomerados de prédios, lojas e produtos. É nesse cenário que o autor reivindica a política de planejamento urbano para propiciar melhores condições sociais de vida para a população – outra característica do autor: por vezes recomenda maior regulação e políticas públicas.
A necessidade de fornecer uma vida melhor para as famílias vai ao encontro da ascensão, por essas mesmas famílias, do desejo de maior poder de consumo e maior tempo de lazer. Se no passado os mais pobres aceitavam passivamente a sua posição social, agora eles questionam o porquê de tal situação. O governo entra em cena como mecanismo para redistribuir o consumo e a renda, tentando gerar uma sociedade mais igualitária. Ao mesmo tempo, o complexo industrial-militar, ou keynesianismo militar, cuja caracterização é a utilização do gasto público para fomentar indústrias, com destaque para a armamentista, terá de se adaptar para abrir espaço para as demandas sociais, que também implicarão em expansão do gasto do governo.
O questionamento do gasto com armamento está inserido nas incertezas da Guerra fria, uma vez que o livro foi escrito em 1977. Também vale lembrar que o fracasso com a guerra do Vietnã (1959-1975) contribuiu para esquentar as críticas sobre o gasto militar. Galbraith reconhece o papel do gasto militar ao estimular a economia, mas assinala que o redirecionamento desse gasto para pautas sociais também estimularia a demanda. E é, no mínimo, estranho argumentar em favor de bombas quando a população carece de serviços de utilidade pública.
O período no qual o livro foi escrito englobou também a crise de baixo crescimento econômico com o aumento dos preços – estagflação. Essa crise atingiu não somente os Estados Unidos, mas golpeou as nações europeias da mesma forma. A fama de dizer verdades intragáveis é vista quando Galbraith aponta uma falha nas políticas keynesianas, a de gerar inflação. A política de gasto público por meio de déficits orçamentários deveria ser realizada para combater desemprego e recessões, não para gerar crescimento forçado, o qual apresenta, como seu reverso, uma crescente espiral de preços. Tivesse vivido até os dias de hoje, Galbraith poderia apontar outro empecilho nesse tipo de política, o de elevar a dívida pública e colocar a moeda em risco (mais sobre a dívida pública aqui),
Na questão de combater o atraso econômico dos países em desenvolvimento, Galbraith recorre a esse instrumental. Defende a alocação de dinheiro das economias ricas para as pobres, financiando o investimento e serviços para a população. No caso da pobreza, entre os diversos fatores que a explica, o autor denota que a raiz desse mal é a relação da "terra com a gente" (população). Há um pouco de Malthus nesse ponto, ao dizer que quando a população excede o que o campo pode fornecer de alimento, a fome e a miséria prevalecem (resenha de Malthus aqui). Assim como argumentado anteriormente, a solução repousa em melhorar a distribuição das terras e fornecer subsídios para áreas pouco produtivas.
A imigração recebe atenção como outra fonte de reduzir a pobreza. Aqui Galbraith recorre ao argumento dos autores clássicos, o de que a mobilidade da mão de obra tende a equalizar a remuneração do trabalho. O problema é que as nações ricas não gostam muito de verem a concorrência aumentar e os salários se reduzirem. Daí a consequência é uma aversão aos estrangeiros, o xenofobismo. Sem dúvidas essa discussão continua atual e Galbraith teve o mérito de antecipá-la (temos um texto sobre imigração aqui). 
O título da obra é justificado com a quebra de equilíbrio que ocorre com a Primeira Guerra Mundial, quando a aliança de capitalistas e aristocracia é colocada em risco pelos trabalhadores, os socialistas. O restante do século marcou a luta entre capitalismo e socialismo, com os Estados Unidos e a União Soviética como centros para cada um desses sistemas. A incerteza criada com esse conflito teria picos de nervosismo, como o episódio dos mísseis cubanos. Todavia, se o momento era de incerteza, havia uma grande certeza, a de que uma guerra nuclear colocaria todo o planeta em extinção.
No final do livro, Galbraith segue a tradição de alguns economistas e mostra que gostamos de discutir política, em particular, regimes políticos. A democracia dos Estados Unidos é criticada devido à tendência do eleitorado colocar o fardo das soluções nos ombros dos políticos eleitos, ao passo que democracias bem sucedidas, como a da Suíça, resolvem-se questões de interesse social não atribuindo-as para os líderes políticos, mas pela própria população. Há um maior senso de responsabilidade individual, comprometimento com a vida da sociedade. Enquanto os americanos procuram por heróis, os suíços buscam soluções. Ao invocar o conceito de responsabilidade individual, Galbraith, apesar de não ter dado os créditos, tocou em um tópico muito defendido por autores liberais. Isso evidencia outra característica do autor, o seu lado eclético, utilizando diferentes ferramentas teóricas. 
Em resumo, o livro descreve a evolução do pensamento econômico, centrando a discussão nos principais nomes da economia, como Adam Smith, Karl Marx e Keynes – e realiza discussões sobre temas relevantes e atuais. Comparado com os seus outros livros, esse é mais convidativo para um público leigo em economia. O livro foi escrito ao mesmo tempo que a série da BBC estava sendo produzida, portanto, os editores provavelmente ajudaram a “amaciar” o conteúdo da obra (a série está disponível no Youtube aqui). O lado irônico e cômico de Galbraith, por exemplo, é mais intenso nesse livro. Como conteúdo para compreender o século passado e ter um olhar mais crítico em relação ao desenvolvimento da Ciência Econômica, esse é um livro essencial.

Um comentário:

  1. Tudobemparaoseconomistaspremosmaispobresaindavivemvidadeformigascarregandofardos ascostas

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