quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Saúde é mercadoria?

É, foi no passado, e a tendência é que continue sendo


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Em redes sociais, conversas informais em bares, no noticiário e em entrevistas, é comum afirmações do tipo: "saúde não é mercadoria". Por trás desse tipo de assertiva repousa o entendimento de que mercadoria é algo que denigre, coisa pejorativa, que reduz o valor subjetivo de determinado objeto. 

Primeiramente, portanto, é importante definir o termo mercadoria, tarefa simples, dado que o conceito não é complexo. Mercadoria é todo bem ou serviço que é transacionado no mercado. Se de um lado, há indivíduos ou empresas ofertando bens e serviços (oferta), e de outro indivíduos desejando adquiri-los (demanda), este bem e/ou serviço é uma mercadoria. 

Quase tudo que nos cerca é mercadoria. Uma exceção é o oxigênio. Como ele é extremamente abundante, não temos de pagar para usá-lo. Não há indivíduos ofertando oxigênio para comprarmos. Logo, ele não é transacionado, não tem preço de mercado, consequentemente, não é mercadoria. Não é um bem escasso (em séries e filmes de ficção científica, quando o oxigênio é tratado como bem extremamente escasso, veja que ele passa a ser transacionado, tendo preço).

E a saúde? Médicos, enfermeiras e dentistas cobram pelo serviço prestado? Há indivíduos almejando pagar por esses serviços? Como a resposta é sim em ambas as questões, temos a formação de oferta (profissionais de saúde) e demanda (clientes), logo, saúde se enquadra na definição de mercadoria. 

E não há nada de errado com isso. Mercadoria é um conceito apenas, sem valor moral. Pessoas colocam valores morais e julgam mercadorias, mas isso extrapola a esfera da Ciência Econômica. O tratamento de bens e serviço como mercadoria decorre de milênios. Na economia de escambo (apenas trocas de bens, sem usar moeda) já existia mercadoria. A particularidade do escambo é a ausência de preços, o que talvez obscureça a percepção da utilização de mercadoria naquele momento. Nos primórdios do homo sapiens, quando este realizava pequenas trocas com outros da mesma espécie, estavam transacionando bens, logo, mercadorias. 

Com a ascensão da civilização moderna, juntamente com a disseminação da economia de mercado, criou-se a percepção (errada) de que foi a consolidação dos mercados que possibilitou a existência de mercadorias. Há argumentos que prosseguem dizendo que atualmente tudo tende a se transformar em mercadoria. Tais postulações são carregadas de frases emotivas. Quando sentimentos e emoções entram na análise da economia, o resultado  não costuma ser satisfatório.
 
Em um mundo no qual médicos, enfermeiros e dentistas atendessem de forma gratuita quaisquer clientes, saúde deixaria de ser mercadoria, pois não seria transacionada. Mesmo quando a saúde é tratada como bem público, como é o caso do Brasil, com o SUS, ainda assim ela é mercadoria. Troca-se apenas o agente que remunera os profissionais. No setor privado, são os empresários e clientes. No setor público, é o governo quem os remunera. Indiretamente, toda a população financia a prestação desse serviço, pois o dinheiro público canalizado na forma de salário para os profissionais de saúde advém da coleta de impostos, paga por nós brasileiros. 

Dessa forma, quando surgir a dúvida se determinado serviço é mercadoria ou não, basta revisitar a definição de mercadoria, e verificar se o bem ou serviço se enquadra nela. Se há preço de mercado, é quase certo que é mercadoria. E isso não rebaixa esse bem ou serviço, pelo contrário. O olhar de forma pejorativa para categorias consideradas mercadoria apenas reforça o desentendimento presente no país sobre temas relacionados à economia. 

Por fim, essa discussão não significa que saúde deveria ser assunto apenas concernente ao setor privado. Como escrevi anteriormente, saúde é uma falha de mercado, cunhada de externalidade. Isso significa que o mercado, por si, forneceria nível insuficiente desse serviço. Dessa forma, é aconselhável que o governo participe desse mercado para expandir a oferta desse serviço e aumentar a quantidade de indivíduos beneficiados - tal consideração se torna mais válida ainda no caso brasileiro, sociedade marcada por enorme desigualdade de renda, com indivíduos impossibilitados de receberem atendimento médico em caso de necessidade. A saída é a complementaridade na prestação do serviço entre governo e mercado. Mas saúde continua sendo mercadoria.







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