terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Fed pode causar problemas adicionais ao Brasil?

Na verdade, já tem causado

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O dia no qual o banco central dos EUA subirá a taxa de juros parece se aproximar cada vez mais. Como a taxa de inflação dos norte-americanos também segue elevada, a reação de seu banco se torna necessária. A previsão do Goldman Sachs é de que o preço do barril do petróleo subirá ainda mais, atingindo o valor de 100 dólares (hoje está cotado a 88 dólares). Isso significa que a inflação mundial receberá nova pressão. Veja na figura abaixo a cotação internacional do petróleo.

crise demanda globo


De acordo com a figura, o preço do petróleo sofreu uma queda fortíssima no meio da pandemia, em maio de 2020, entretanto, como a demanda se recuperou (movimento ainda em andamento), a pressão sobre o seu preço se elevou, jogando-o para as alturas. Atualmente temos fatores adicionais, como as tensões em um suposto conflito armado entre Rússia, Ucrânia, e nações ocidentais. Essa figura ajuda a entender um pouco o movimento internacional de subida do preço dos combustíveis

Desta forma, como guardião do dólar, é provável que o Fed se protegerá de novos aumentos dos preços. Dado o papel do dólar na economia mundial, a inflexão da política monetária acarretará efeitos sobre vários países, incluindo o Brasil.

Os efeitos esperados são i) fuga de capitais, ii) pressão adicional sobre a taxa de câmbio; iii) maior dificuldade de financiamento da dívida pública; iv) como consequência do ponto iii), as taxas de juros brasileiras, inclusive as que não estão sob controle direto do banco central, como as que financiam a dívida pública, tenderão a subir (já estão nesse movimento). Para reforçar essa última informação, coletei dados na plataforma Tesouro Direto, e apresento abaixo o comportamento de um dos principais títulos da dívida pública, o Tesouro IPCA+ 2045.

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Veja que exatamente a um ano a taxa de juros desse título era de aproximadamente 3,5%. Em especial a partir de julho de 2021, ela tem subido vigorosamente - neste título, a taxa de inflação também contribui para a sua remuneração, o que auxilia a entender essa guinada. Observe que no final da série a taxa de juros ganhou novo ímpeto para cima, seguindo as previsões de que o Fed irá subir sua taxa de juros. Esse movimento harmônico não é coincidência. 

Essa é uma das principais características do mercado financeiro: ele se antecipa à concretização de eventos, ou seja, ele precifica o futuro, o que fornece informações para os participantes da economia. Pode ser que quando o Fed de fato eleve a taxa de juros, pouco ocorra no mercado brasileiro, pois essa elevação já teria sido incorporada nos títulos públicos, como o gráfico acima sugere. Isso explica porque é difícil "ganhar" do mercado financeiro. Quando pensamos que temos uma informação que os outros não possuem, pode ser que estejamos equivocados, e que o mercado já a incorporou nos seus preços.

A economia brasileira tem enfrentado saídas de capitais (i); nosso câmbio não reduz o seu valor (ii), apesar dos preços crescentes de commodities, o que em tempos normais causaria a queda do câmbio; o governo tem visto maior resistência em financiar o gasto público (iii), caso contrário as taxas de juros sobre os títulos públicos estariam declinando; e, como atesta a figura acima, as taxas de juros estão se elevando (iv). Portanto, já estamos vivenciando efeitos esperados de um aumento da taxa de juros dos EUA, mesmo que tal movimento ainda não tenha ocorrido.  

Há outras consequências que podem ocorrer, como a queda do crédito privado, redução do investimento, e desaceleração do PIB. Na verdade, esses movimentos podem ser sentidos desde a eclosão da pandemia, o que torna a análise de causalidade uma tarefa árdua: como separar efeitos causados pelo Fed, de outros efeitos já em andamento? (economistas que se recusam a usar uma das principais ferramentas para entender causalidades, a econometria, provavelmente odeiam esse tipo de questão). 

No caso brasileiro, tudo indica que o financiamento da dívida pública sofrerá novas complicações, apesar da aparente calmaria causada pelo aumento da arrecadação tributária  e pela queda de alguns custos por causa da inflação (como algumas despesas são em termos nominais, como os salários dos funcionários públicos, o aumento da inflação as torna mais facilmente pagáveis, uma vez que o governo controla a oferta de moeda). Contudo, meu palpite é de que os próximos meses serão desafiadores, pois i) não fizemos reformas fiscais para melhorar o gerenciamento da dívida pública; ii) o governo tomou guinada excessivamente populista, desejando expandir o gasto em ano eleitoral; iii) o espirro dos EUA sempre nos afeta, mesmo considerando a precificação que já tem ocorrido.






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