quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Resenha: O Futuro do Dinheiro (Eswar Prasad)

Como será o sistema financeiro com a emergência das fintechs e das criptomoedas?

o futuro do dinheiro


Todo ano a revista The Economist apresenta uma lista de livros que se destacaram. Em 2021, um deles foi esse, O Futuro do Dinheiro (The Future of Money, no original). De início, não me empolguei muito em lê-lo. Pensei que não havia muitas novidades para serem descritas na obra. Quando, porém, li o nome do autor, o qual possui artigos que contribuíram (e que continuam contribuindo) para minha formação, principalmente no campo de ciclos econômicos e choques, com reconhecimento pela comunidade científica internacional, decidi iniciar a sua leitura. 

O objetivo da obra é discutir desdobramentos efetuados pela disseminação de fintechs e criptomoedas. Fintechs são empresas que fornecem serviços financeiros sem a necessidade de uma estrutura física, como os bancos tradicionais. Atualmente a Nubank é um destaque nesse campo na América Latina. Essas empresas têm o potencial de levar serviços financeiros para um público que até então viveu sem utilizá-lo. Pela forma como operam, os custos são mais baixos, possibilitando o fornecimento de produtos a preços mais acessíveis. Também conseguem quebrar monopólios (uma empresa dominante) e oligopólios (poucas empresas que dominam o mercado) com facilidade. Novamente com a Nubank como exemplo, é um banco que entrou para competir com os 5 maiores bancos do Brasil (Caixa, Banco do Brasil, Itaú, Santander e Bradesco), um verdadeiro oligopólio, com elevada concentração. 

Criptomoedas, por outro lado, são moedas digitais que também foram criadas para melhorar o fornecimento de serviços financeiros. A mais famosa delas, o Bitcoin, teve como objetivo descentralizar as finanças, eliminando a necessidade de uma terceira parte nas transações. Com o Bitcoin, e sua estrutura blockchain, sua codificação permite que o comprador e o vendedor realizem a transação sem a sanção de uma empresa ou governo. Isso ocorre porque o próprio sistema registra a transação.  

A ascensão dessas moedas evidencia o aprofundamento da descentralização das finanças. Com essa descentralização, a figura de uma parte sancionando as transações se torna cada vez mais desnecessária. Governos e a regulação que estes impõem, portanto, se tornarão supérfluos nesse novo sistema?

Eswar Prasad mostra que este não será o caso, por muitos motivos. Em um dos pontos fortes do livro, o autor discute como a regulação ajuda o sistema financeiro atual a funcionar, a proteger consumidores e vendedores. De forma inversa, também são retratados eventos nos quais uma regulação inadequada prejudicou o desenvolvimento do sistema financeiro. Desta forma, evidencia-se um dos desafios contemporâneos sem uma clara resposta: como regular fintechs e criptomoedas sem que o dinamismo seja minado, mas ao mesmo tempo contribuindo para maior segurança sistêmica?

Atualmente temos diversos projetos de bancos centrais tratando dessa sensível questão. Possivelmente, nos próximos anos, conviveremos com moedas digitais emitidas pelos bancos centrais (MDBC). Moedas virtuais, como o Bitcoin, sofrem de elevadíssima volatidade. Em um dia, podemos detectar quedas de 15% em seu valor. Como um ativo tão volátil pode ser usado como meio de pagamento? Há o argumento de que as MDBC podem conseguir essa estabilidade, uma vez que estariam seguradas por instituições sólidas, como o banco central e o governo no qual atua. 

Este não é o único argumento. O livro dedica várias páginas discutindo as possibilidades que as MDBC criarão, bem como problemas potenciais. É difícil prever como será o sistema financeiro com a consolidação desse processo. Prasad não comete a falha de se empolgar com sua narrativa e as suas várias perspectivas, se contendo em vários momentos, e apresentando pontos positivos e negativos. Todavia, temos o fato de que o dinheiro físico está se tornando gradativamente menos importante, cedendo espaço para o dinheiro virtual, transações virtuais e, por conseguinte, moedas digitais. Estamos vivendo o que Prasad discute, não sabemos, porém, como será o final dessa trajetória.

Apoiadores do Bitcoin afirmam que a moeda ganhará estabilidade porque ela tem oferta limitada. A última parte é verdade. Quando toda a mineração da moeda terminar, teremos cerca de 21 milhões dessa moeda. E a outra parte da sentença, relativa à sua estabilidade? Não há certeza sobre essa estabilidade. O que podemos dizer com segurança é que oferta limitada não garante estabilidade. Como? Cito duas moedas, o dólar e o euro. Ambas as moedas têm oferta infinita, ao bel-prazer de seus respectivos bancos centrais. Estes bancos podem emitir quanto de moeda desejarem, pois esses ativos não são lastreados, como foi o caso do dólar no passado, quando era pareado ao ouro. No passado, quando decidiu-se abandonar o lastro do ouro, nos anos de 1970, pensou-se que teríamos enorme instabilidade. Hoje vemos que o dólar é um dos ativos mais seguros do planeta, um porto seguro para investidores cautelosos. Assim, é realmente difícil afirmar que a oferta limitada de Bitcoin irá trazer sua almejada estabilidade. O dólar mostrou que tal característica não é necessária (maior parte dos bens e serviços que existem são escassos - limitados -, mas os seus preços variam, às vezes de forma abrupta, como tem sido o caso do petróleo, embora este seja um recurso notadamente escasso e limitado).

O livro discute de forma abundante esses pontos duvidosos, com grande rigor técnico, como era de se esperar do autor. Outro exemplo é o limite inferior da taxa de juros, conhecido na literatura como o zero lower bound (ZLB). Quando o banco central realiza uma política monetária expansionista, reduzindo a taxa de juros por meio da elevação da oferta de moeda, a autoridade monetária enfrenta a limitação de que a taxa de juros nominal não se torna negativa (a taxa de juros real, por outro lado, pode ser negativa). Isso ocorre porque indivíduos e empresas não aceitariam títulos públicos com retorno nominal negativo. Estes optariam por manter moedas, as quais não perdem valor com a taxa de juros. Ao manterem as moedas, a política monetária perderia efetividade em influenciar para baixo a taxa de juros (lembre-se de que o principal instrumento do banco central é a compra de títulos públicos, quando deseja expandir a base monetária). Daí o termo limite inferior. 

Moedas digitais, em especial as emitidas pelo banco central, não sofreriam esse tipo de limitação. Bastaria que o banco central reduzisse o valor destas. O saldo de cada usuário cairia. Um exemplo: de 100 reais na conta, o banco central determinaria uma queda de 5%, portanto, o saldo seria agora de 95 reais. Como indivíduos se protegeriam dessa "taxa de juros nominal" negativa? Estes teriam de consumir, o que estimularia a economia, atingindo o objetivo do banco central. 

Temos também a discussão de que o dólar perderia a proeminência que possui no sistema financeiro internacional com o surgimento das moedas digitais. Compartilho o ceticismo de Prasad, de ver uma queda do prestígio do dólar nos próximos anos. O dólar tem pelo menos 3 relevantes fundamentos que o auxilia a sustentar o poder que usufrui: um banco central independente e comprometido com sua estabilidade, um país (os EUA) com poder judiciário independente, garantindo o funcionamento do Estado de Direito, e um sistema sólido de pesos e contrapesos (checks and balances) que travam os poderes judiciário, executivo e legislativo de se tornarem déspotas. Essas são as características elencadas por Prasad. Eu acrescentaria ainda que o dólar é uma moeda universal, com ampla base tributária, histórico de estabilidade e praticamente sem registro de calote sobre os detentores de títulos públicos lastreados nessa moeda (livro Oito Séculos de Delírios Financeiros mostra que os EUA já "calotaram" no passado). Como desbancar tal ativo no curto prazo?

Embora o livro cite pouco o Brasil - a maior parte dos exemplos se concentram na China, Índia, EUA, Euro e Suécia (este último por ser a economia com menor utilização de papel dinheiro) -, o argumento de que a emissão de moedas digitais pelos bancos centrais deve ser acompanhada por disciplina fiscal se enquadra ao caso brasileiro. Vou passar a citar essa relação para reforçar minha defesa pela disciplina fiscal. Sem ajuste fiscal, a probabilidade de que essas moedas digitais tenha estabilidade se torna ainda menor. 

Para quem se interessa pelo sistema financeiro, os seus mais recentes desenvolvimentos, e como estes afetarão nossas vidas, o livro é recomendado. Ele conseguirá entregar úteis informações e deixar o leitor consciente do mundo financeiro que o espreita. A postura do autor, de não se empolgar em demasia com essas possibilidades, como é facilmente visto por analistas financeiros, e ao mesmo tempo apontar riscos, citando exemplos históricos e atuais, merece ser elogiada. Como falei no início, o livro possui ótimo rigor técnico. 







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