terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Oportunidade perdida

Tradição de legar problemas estruturais para o próximo presidente continua viva no país

bolsonaro brasil reforma


Quando eleito presidente em 2018, imaginei que o governo Bolsonaro seria um dos mais reformadores da história do país na esfera econômica. A economia brasileira precisava de reformas naquele período (continua precisando ainda), havia discussões a respeito dessas reformas, e a sua eleição se pautou, principalmente guiada por seu ministro da economia, Paulo Guedes, pela sinalização de inúmeras modificações que colocariam o país em melhor direção e funcionamento. 

Aos poucos, porém, percebi que tinha me enganado. Apesar da reforma da previdência, pouco foi realizado. Na verdade, a reforma da previdência já estava praticamente pronta. Faltava discuti-la no Congresso e no Senado para avançá-la. Essa tramitação mostrou uma das principais deficiências do atual governo quanto ao objetivo de reformar a economia: falta de diálogo e negociação com as casas legislativas. Mecanismo indispensável em regimes democráticos. 

Talvez a frustração com reformas decorra das promessas de Guedes durante a eleição. Destaco algumas, como a abertura comercial, privatizações, saneamento das contas fiscais com a eliminação do déficit, reformas administrativa, tributária, trabalhista e revisão de programas e subsídios públicos. Pouco se fez nessas frentes.

Há fatores que atenuam o teor da frustração, como a chegada do vírus Covid-19. Entretanto, mesmo antes dessa pandemia o cenário que era visto não era encorajador. Bolsonaro demorou muito para perceber a importância do cargo que ocupava. Que um presidente não deve falar o que bem pensar, pois há enorme peso em suas mensagens. 

Perdemos muito tempo com discussões infantis, como a de criticar o governo chinês, maior parceiro comercial do nosso país. Como país emergente, estamos sujeitos às incertezas que ocorrem no exterior, somos dependentes financeiramente e comercialmente de diversos países, entre eles a China. A crise econômica e fiscal que enfrentamos ficará pior caso os chineses parassem de comercializar com nossos produtores. 

Outra perda de tempo e energia foi tentar distorcer o conceito do PIB, de forma a mascarar o seu fraco desempenho antes da Covid-19. Desde que estudo Ciências Econômicas, jamais tinha visto a separação entre PIB privado e PIB público. Não seria mais fácil admitir um fraco desempenho da produção, e sinalizar reformas e medidas para melhorar a produção futura?

O principal atenuante para as promessas não cumpridas de Guedes, na minha opinião, se deve ao comportamento de seu chefe, presidente do país, Bolsonaro. Tenho a impressão de que Guedes sofre boicotes nos bastidores, embora em público Bolsonaro demonstre apoiá-lo. Bolsonaro percebeu que Guedes ajuda na popularidade do seu governo (este efeito era maior no passado), portanto, a sua permanência é importante para a manutenção do mandato. Por outro lado, por causa de vários atos de caráter duvidoso, Bolsonaro também depende do "centrão" para barrar possíveis impeachments. O centrão não mostra muito entusiasmo com as medidas propostas por Guedes. Dessa forma, Bolsonaro mina Guedes ao se aliar ao centrão, adiando reformas essenciais para o país.

Darei um exemplo. Atualmente, é prática comum na política a negociação com o centrão envolvendo cargos em estatais. Tivesse Guedes conseguido avançar essa pauta, privatizando várias empresas públicas, o centrão perderia essa fonte de renda e de barganha. Infelizmente no Brasil, políticos se apropriam de cargos em estatais para manejarem apoio e influência. Quando avalio o mérito de privatizações, esse fator é um dos mais relevantes. Guedes queria mexer com esse mecanismo de apropriação de renda e influência do centrão, e foi boicotado, inclusive por Bolsonaro.

Sobre Bolsonaro, esperava que ele cumpriria sua promessa de conceder ampla liberdade para Guedes, o posto Ipiranga das eleições. Não imaginei que o presidente se aliaria ao centrão, à "velha política", e minaria esforços reformadores. Igualmente, não vislumbrei os vários comentários inapropriados do presidente, que causariam muito sussurro desnecessário, desviando a atenção das reformas - não perder o foco é essencial quando o assunto é reforma econômica estrutural. Por fim, também não conhecia o seu lado populista, com enorme aversão à realização de reformas estruturais, e grande simpatia pelo avanço do gasto público na forma de transferência de renda para cidadãos de baixa renda, mesmo em um quadro de aguda restrição fiscal. A defesa do furo do teto para financiar o Auxílio Brasil deixou essa questão muito clara para mim. 

Que fique claro. Não estou sendo partidário nesse texto. De acordo com as pesquisas de intenção de voto, Lula seria o presidente eleito na eleição desse ano. Assim como Bolsonaro, não vejo Lula como um defensor da pauta reformadora. Durante o período em que foi presidente, de 2003 a 2010, ele se preocupou muito mais em distribuir os frutos advindos das reformas estruturais avançadas por seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), do que garantir que tivéssemos um futuro sustentável. Dilma Rousseff apresentou o mesmo defeito: baixo esforço em reformar, e alta propensão em expandir o gasto. Estamos atualmente pagando o preço por essas escolhas. Portanto, em termos partidários, nenhuma dessas opções me agrada. O candidato que levantar a bandeira de reformas econômicas estruturais terá o meu voto, não sendo este o caso de Bolsonaro e tampouco de Lula e/ou do PT.

Para finalizar o texto, terei a lembrança do atual governo como uma enorme oportunidade perdida. Poderia ter sido um dos governos mais reformadores da história econômica do nosso país, mas preferiu seguir outra rota. Com vários "tiros no pé", com insuficiente visão de longo prazo, e miopia econômica, Bolsonaro deixará os problemas que deveria ter enfrentado para o próximo presidente. Veja que temos uma explicação para o atraso econômico brasileiro: poucos se propõem a enfrentar nossos problemas estruturais, pois as medidas requeridas são pouco populares e envolvem grande esforço. Termino o artigo com uma frase do fantástico filme O Curioso Caso de Benjamin Button: "Nossas vidas são definidas por oportunidades, mesmo as que perdemos".






Nenhum comentário:

Postar um comentário