Autores mostram que há limites para o endividamento privado e público
Neste livro que se tornou famoso após o seu lançamento, os professores Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff mapeiam diversos episódios de crises financeiras, bancárias e de dívidas em diferentes regiões, diferentes localidades, mas que obedecem a um mesmo padrão.
Esse padrão é a conclusão principal do livro - também fazendo parte do título da obra -, a qual nos diz que "Desta vez é diferente": "A cada vez, a sociedade se convence de que a bonança em curso, ao contrário de muitos surtos de prosperidade que precederam colapsos catastróficos no passado, se ergue sobre fundamentos sólidos, sobre reformas estruturais, sobre inovações tecnológicas e sobre políticas públicas mais saudáveis (...) “Desta vez é diferente”. Quase nunca é". De tempos em tempos acredita-se em um crescimento acelerado (boom), contínuo e, especialmente para os mais ingênuos, perpétuo, por exemplo, da bolsa de valores, mas esse aumento de preços sempre chega em um fim, e este fim geralmente guarda consequências negativas para os participantes tanto do mercado quanto da economia em geral.
O livro retrata, por meio de várias tabelas e gráficos, diferentes episódios desse processo. Inicialmente os participantes do mercado se empolgam com determinado fato, apostam sobre a sua continuação, conseguem valorizar o capital inicialmente investido, e insistem na valorização do dinheiro - se funcionou no início, por que pararia de funcionar no futuro?. Uma hora isso termina. É quando temos crises financeiras. Atualmente podemos indicar a crise financeira dos EUA de 2007/2008 como exemplo dessa tendência. Os norte-americanos continuaram investindo no mercado de hipotecas, mesmo quando este mostrou sinais de saturação. O resultado foi a maior crise financeira do século.
Além das crises financeiras e bancárias, o livro retrata calotes (defaults) realizados por países. Difícil encontrar um país que, em toda a sua história, honrou todas as suas dívidas. Economias ricas e desenvolvidas, como Alemanha, França, Itália, EUA, todas têm histórico de calote. Os autores fornecem um indicativo para sabermos quando esse tipo evento tem maior probabilidade de ocorrer: "Se há um tema comum na ampla gama de crises que consideramos neste livro, é a realidade de que a acumulação de dívidas excessivas, por governos, bancos, empresas ou consumidores, em geral impõe riscos sistêmicos mais sérios do que se pensa durante os surtos de prosperidade". Dessa citação desdobra-se uma justificativa para o crescente receio dos mercados com o aumento da dívida pública brasileira. A história mostra e confirma que aumentos excessivos de dívida caminham de forma paralela com calotes.
Justo assinalar, voltando à citação anterior, que a regra geral não se detém apenas aos países, englobando bancos, empresas e consumidores, ainda que estes estejam em forte crescimento econômico. Novamente citando a crise financeira de 2007, os bancos e empresas financeiras dos EUA se alavancaram para proporções arriscadas, com enorme endividamento em relação ao capital próprio. Ficaram expostos para riscos financeiros, em uma eventual queda de preços de algum dos setores com capital investido.
Se há esse risco de perder dinheiro investindo, que crises ocorrem de tempos em tempos, por que caímos nesse erro? Segundo os autores, isso decorre do desejo de "distender os limites". Quando detectamos uma fonte de lucro, tendemos a investir nesse ramo. Quanto maior o lucro, maior o incentivo para continuarmos a proceder da forma como agimos. "A lição da história, portanto, é que, mesmo com o aprimoramento das instituições e dos formuladores de políticas, a tentação de distender os limites sempre se fará sentir. Da mesma maneira como os indivíduos podem ir à falência por mais ricos que sejam, os sistemas financeiros podem implodir sob a pressão da ganância, da política e dos lucros, por mais bem regulados que pareçam". O exemplo de pessoas ricas que se empobrecem por investimentos incorretos se encaixa perfeitamente nessa explicação.
Além do calote seco e puro, outra forma que governos recorrem para reduzir o fardo da dívida é a inflação. Como a inflação representa a desvalorização da moeda monetária usada, dívidas nominais podem ser mais facilmente liquidadas com o aumento dos preços. Um financiamento levantado hoje de parcelas mensais de 800 reais representará, daqui 10, 15 ou 20 anos, menor fardo sobre o agente que o levantou, uma vez que o dinheiro perde valor ao longo do tempo com a inflação. Dessa forma, como foi realizado após a Segunda Guerra Mundial, governos recorreram ao aumento da inflação para reduzir as dívidas públicas, com a ajuda de um contexto de repressão financeira, quando esse mesmo governo exerce maior controle sobre o mercado financeiro, nesse caso, controlando (ou limitando) o patamar que a taxa de juros pode atingir. Juros nominais baixos e inflação alta é o pesadelo para credores, mas o paraíso para devedores, sendo esse o "truque" usado por governos, em determinados períodos, para expropriar a população e pagar dívidas. É um tipo de "socialização do prejuízo".
Esse livro é muito bem vindo para a situação brasileira. Há quem considere o aumento de nossa dívida pública algo pouco arriscado. Não é bem assim. Reinhart e Rogoff, ao mapear diversos calotes soberanos, fornecem valiosa informação empírica para refutar tais afirmativas desprovidas de veracidade.
PARA APROFUNDAR:
Sobre crises financeiras, há o famoso livro de Niall Ferguson: A Ascensão do Dinheiro. Resenha aqui.
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