segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Resenha: A Era das Expectativas Reduzidas (Paul Krugman)

Krugman mostra as raízes estruturais de problemas que afligem os Estados Unidos

expectativas reduzidas


A Era das Expectativas Reduzidas foi escrito em 1990, tendo passado por duas revisões, sendo a última em 1997 (é a versão que li). Paul Krugman estava em seu auge como economista, com raciocínio claro e agudo, grande perspicácia na compreensão dos problemas dos Estados Unidos - é o foco de análise do livro - e apresentava neutralidade em sua análise. Este livro deu os primeiros passos de sua crítica que se tornaria famosa em outro renomado livro de sua autoria, A Crise de 2008 e a Economia da Depressão, a respeito do risco da desregulamentação no setor financeiro. 

Na presente obra, Krugman afirma que os americanos estão desanimados e pouco otimistas com o futuro dos Estados Unidos. Parte dessa desconfiança deriva de resultados pouco positivos nas últimas décadas, como um mercado de trabalho que não entrega muitos empregos, salários estagnados e a deterioração de indicadores econômicos, além do risco da perda da hegemonia mundial - nesta época, o principal rival econômico dos Estados Unidos era o Japão (a China não é citada em nenhum momento). Desta forma, a população olhava para o passado e não via um cenário muito amigável como base. Olhava para o futuro e enxergava vários riscos. Consequentemente, formou-se um país com indivíduos com expectativas reduzidas quanto ao sucesso econômico da nação. Apesar de parecer inofensivo, economias de mercado dependem fundamentalmente das expectativas das pessoas, trabalhadores, empresários e investidores. Expectativas pessimistas reforçam e podem até ativar recessões. 

Krugman aponta 3 fatores que explicariam a queda do otimismo. O primeiro é a produtividade que não avança. Apesar das inovações tecnológicas, trazendo mais comodidades para o cidadão, estas não se converteram em aceleração da produtividade. E a relação é bem exata: baixa produtividade é acompanhada por baixos salários e menor produção. Podemos pegar esse raciocínio e elencar o segundo fator: a piora na distribuição de renda. Aqui, Krugman antecipa um problema que se tornaria o centro do atual debate nos Estados Unidos (e do mundo). A classe média tem sua renda estagnada há décadas, com a elite elevando cada vez mais a sua riqueza, portanto, uma crescente desigualdade de renda se forma. O terceiro fator aprofunda o segundo: um mercado de trabalho que pouco entrega para o trabalhador típico. 

O autor dedica boa parte do livro discutindo esses três pontos, com ótimos insights. Por exemplo, ele percebe que a dificuldade de criar novos empregos é um problema muito mais de oferta do que de demanda. Elevar a demanda é simples e rápido, basta que o governo promova desonerações e eleve o gasto público. Todavia, melhorar a oferta, fornecendo melhor ambiente de negócios, com infraestrutura adequada, regras e regulação razoáveis, e burocracia que não sufoca, mas ajuda no funcionamento da economia, é para poucas nações. Este problema ainda consta nos Estados Unidos, sendo tópico quente no debate entre republicanos e democratas. 

Sobre a produtividade, Krugman afirma que a elevação do padrão de vida do país depende dela. Caso a produção por trabalhador não suba, pouco se pode fazer para fornecer melhores condições para os indivíduos. Argumentar mais do que isso daria margem para  demagogia. Portanto, a palavra do dia é incrementar a produtividade. Mas como? 

Crítica recorrente da obra é a de que os políticos, analistas e formuladores de política econômica fornecem explicações incorretas para os problemas econômicos - também pecam por mirar nos seus efeitos ao invés de suas causas. A população criticava o crescente déficit comercial que o país apresentava. O clamor variava entre medidas protecionistas e/ou retaliativas. Krugman mostra que este déficit é consequência da lenta produtividade. E que esta fez com que a poupança doméstica se reduzisse. Como a demanda por consumo e investimento se manteve praticamente a mesma, o país precisa se endividar para financiar esse gargalo entre poupança e investimento. 

A poupança é baixa também por causa do déficit público. O governo se recusa a ajustar as contas fiscais. Tal ajuste exigiria um debate honesto e impopular, pois gastos teriam de ser reduzidos e redirecionados. Por exemplo, Krugman chama a atenção para o risco que o envelhecimento da população traria conforme o número de aposentados se elevasse, além da pressão por gastos de saúde. Tudo era ignorado. E a dívida pública crescia - e continua inclusive nos dias atuais. Desta forma, os Estados Unidos lidavam com dois déficits, o comercial e o fiscal, conhecidos como "déficits gêmeos". Muita discussão, falação e gritaria. E a causa central deste desajuste continuava sem ser tocada. 

O Japão mostrou exuberante crescimento desde a segunda guerra mundial, se tornando a segunda maior economia do mundo, com projeções de que iria superar os Estados Unidos - algo similar com o discurso atual em relação à China? Americanos responsabilizavam o Japão pelos problemas internos, criticando as multinacionais japonesas que tomavam empregos nacionais - outra similaridade com a China? Krugman argumenta que o efeito japonês sobre a economia do país é muito baixo, pois a integração comercial entre os dois países não supera 2% do PIB. Além disso, afirma que os problemas do país são derivados de erros cometidos pelos próprios norte-americanos. Apontar o dedo para o Japão era uma forma de evitar de olhar para as próprias feridas - método sempre mais fácil para apaziguar a consciência e retomar a vida, mas incapaz de fornecer soluções permanentes. Quem não responsabiliza outros pelos problemas internos? Hoje no Brasil, quantos brasileiros não dizem que nossos problemas são por conta de países "centrais", que somos da "periferia", destinados e presos em uma armadilha de apenas fornecer commodities e enriquecer as nações ricas? Voltando aos Estados Unidos, como não fizeram esse ajuste interno, ou ao menos o reconheceram, atualmente enfrentam problemas comerciais similares com a China. Trocou-se apenas o país, abandonando o Japão e dando destaque para a China, mas a causa raiz continua atuando.

Na parte final do livro, Krugman mostra os riscos da desregulação financeira. Discute os problemas nos incentivos que empresas e executivos enfrentam, como a tomada de risco excessiva, a qual poderia engatilhar severa crise financeira. Avança no argumento ao mostrar que países se tornam reféns das forças do mercado financeiro. O componente confiança passa a ser central para a eclosão de recessões. Caso investidores e credores percam a confiança em determinado país, e caso esta economia possua dívida de curto prazo e poucas reservas financeiras, uma crise cambial, acompanhada por fortíssima desvalorização da moeda, promoveria enorme estrago, com consequências negativas sobre a produção e o emprego. É a história das crises do México, da Ásia, da Rússia e do Brasil na década de 1990, que daria conteúdo para o livro A Crise de 2008 e a Economia da Depressão

Ao contrário do Krugman de hoje, o que escreveu este livro não receita a elevação do gasto público como panaceia para os problemas do país. A superação de todos estes problemas repousaria em elevar o crescimento da produtividade. "A produtividade não é tudo, mas no longo prazo é quase tudo", assinala o autor com uma das frases mais famosas sobre crescimento econômico. Tão famosa quanto acertada. 

O livro termina em tom pessimista. Acusa o sistema político de ser omisso, conivente com os problemas atuais, de "levar com a barriga", na esperança de que amanhã algo ocorrerá que irá solucionar todos os males. Infelizmente, porém, na economia não é assim que as coisas funcionam. Mais de 20 anos depois da publicação deste livro, os Estados Unidos vivem com os mesmos problemas e dilemas indicados e analisados por Krugman (e com bode expiatório asiático, substituindo o Japão pela China). Isso evidencia tanto o seu acerto no diagnóstico quanto a inépcia do sistema político em auxiliar o país na superação de seus problemas. 

Finalmente, apesar do livro focar nos Estados Unidos, todo o debate, discussão e lições podem ser aplicados ao Brasil, o que torna a leitura do livro uma fonte de conhecimento para o leitor. Com leitura fluente e tranquila, A Era das Expectativas Reduzidas atesta a competência de Krugman como economista e como comunicador com o grande público.






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