quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Sobre o Equilíbrio Macroeconômico

Uma breve narrativa de como desajustes nas contas públicas atingem os mais vulneráveis

equilíbrio macroeconômico


Nas últimas semanas, o debate econômico brasileiro se resumiu à PEC da transição, medida que o próximo governo pretende aprovar para permitir gastos extras, fora do teto do gasto. Na prática, significa mais um furo na regra não mais respeitada do teto do gasto público. Muitos economistas apontaram (corretamente) que desrespeitar o equilíbrio macroeconômico culminaria em prejudicar os mais pobres, justamente os que supostamente se beneficiariam do gasto adicional pretendido. É um pouco abstrato para não economistas compreender a ligação entre desrespeito das contas públicas e piora na vida dos mais vulneráveis. Neste texto eu detalho como ocorre essa relação.

Comecemos pela piora das contas públicas. Quando governos não constroem regras ou políticas para estabilizar o endividamento, a tendência é a de que a razão dívida/PIB cresça constantemente. O mercado reage negativamente a essa falta de comprometimento com as contas fiscais porque indivíduos e empresas financiam o gasto público. Se você investe no tesouro direto, você é além de investidor, um credor do governo. Mais do que isso, você faz parte do mercado financeiro. Ao investir, você abre mão do consumo presente em prol da ampliação da capacidade de consumo no futuro, uma vez que o dinheiro investido será acrescido de juros. O governo, portanto, ao receber nosso capital, se compromete a devolvê-lo acrescido de juros. O problema é que quando as contas fiscais estão desorganizadas, como governos honram os pagamentos? Como ele conseguirá devolver o investimento que fizemos nele?

Daí a gritaria do mercado financeiro que lemos e ouvimos no noticiário. Você como investidor, colocaria o seu dinheiro em um governo perdulário, sem compromisso em pagar pagar a sua dívida? Provavelmente não. Poucos jogam dinheiro fora de forma proposital. Desta forma, a tendência sua, nossa e de todo o mercado é não investir mais neste governo. Em termos econômicos, a consequência é a elevação da taxa de juros e a desvalorização do câmbio. A taxa de juros sobe porque para atrair investidores o governo deve prometer maior remuneração no futuro, caso contrário, não faz sentido arriscar o seu capital em um governo que somente gasta e não ajusta suas contas. A desvalorização cambial decorre da saída de investimentos do país (muitos investidores, conhecedores das consequências adversas do desajuste fiscal, já antecipam a piora futura da economia e realocam os seus investimentos para outras localidades). Quando se observa essa saída de capital o câmbio perde valor, ou seja, ele sobe em relação ao dólar - nossa moeda não é tão valiosa quanto antes. Concomitantemente, pode-se observar também quedas no mercado de ações, o Ibovespa (pelas mesmas razões apontadas neste parágrafo). 

Como o Brasil faz parte de uma economia globalizada e integrada comercialmente, importamos muitos dos produtos que consumimos. Desta forma, a desvalorização cambial, ao encarecer as importações, fomenta aumentos dos preços, isto é, a inflação aumenta. Atualmente estamos vivendo esta relação. Elevações da taxa de câmbio representam perda de poder de compra, pois parte do nosso consumo advém de outros países. 

Essa crescente desarrumação da economia é avaliada de perto por investidores e empresários. Planos de aumento da produção, de contratação e de investimentos de longo prazo são repensados - possivelmente postergados. Subsequentemente, tanto o investimento quanto o consumo se reduzem. Do lado do consumo, dadas as desvalorizações cambiais e os aumentos dos preços, famílias passam a reduzir o gasto diário. Mesmo que não tenham dinheiro na reserva, o próprio encarecimento dos produtos as empurra para menores níveis de consumo. 

Nesta situação, a economia cai em um ciclo vicioso: as quedas do investimento e do consumo pioram ainda mais a conjuntura e as perspectivas de empresas, as quais realizam demissões para reduzir prejuízos financeiros. Todavia, o ato de demitir funcionários reforça a espiral de queda do consumo. Adicionalmente, essa massa de desempregados tenderá a consumir menos do que antes, dada a nova situação de ausência salarial - é possível que as contas públicas piorem ainda mais, tanto pelo pagamento de seguro-desemprego e outros programas, quanto pela menor arrecadação de impostos. A coleta de impostos tende a seguir o ciclo econômico: quando a economia cresce, arrecada-se mais, entretanto, em recessões, a receita tributária também sofre. 

E aqui chegamos nos indivíduos mais vulneráveis. Um dos primeiros sinais do desequilíbrio macroeconômico, a desvalorização cambial, já os atinge, pois encarece produtos essenciais da cesta básica. O aumento da inflação os golpeia mais fortemente porque eles não estão inseridos adequadamente no mercado financeiro: possuem poucos ativos financeiros que acompanham a perda de poder de compra. Na verdade, muitos não possuem poupança emergencial, aquele fundo que suaviza dificuldades ao longo da vida. Enquanto famílias de renda alta e média possuem poupança e outros investimentos, os quais podem ser usados para contrabalancear momentos difíceis, as pessoas vulneráveis não contam com essa rede de proteção. 

Adicionalmente, a desaceleração da economia com o aumento do desemprego e queda da produção oferece um cenário pouco convidativo para os vulneráveis. É mais difícil entrar no mercado, mesmo para fazer bicos. Não bastasse esse desafio, os preços crescentes mordem cada vez mais forte o orçamento e o consumo de bens essenciais. 

Portanto, veja como um desajuste das contas públicas criou consequências negativas em toda a economia, com desvalorização cambial, aumento das taxas de juros e queda do mercado de ações (normalmente, quando o Ibovespa cai, o investimento das empresas listadas na bolsa também tende a decrescer), seguidos por preços crescentes. Depois, quedas do investimento e do consumo. Em seguida, aumento das demissões e desaceleração da produção. Se esta conjuntura já é difícil para pessoas qualificadas, imagine para os vulneráveis, que em geral apresentam menor nível de escolaridade. 

Em suma, ajustar as contas públicas, sinalizando que o governo não irá incorrer em um endividamento sem limites, pelo contrário, que irá estabilizar a proporção entre receitas e despesas ao longo do tempo, não somente é um ato louvável no campo econômico, como também no lado social.








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