terça-feira, 26 de outubro de 2021

Resenha: Leviatã (Thomas Hobbes)

Homens deveriam ser governados pelo terror

thomas hobbes


Publicado em 1651, pouco após a Idade Média, Leviatã: ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil, de Thomas Hobbes, foi um marco na ciência política ao fornecer novo insight do significado de contrato social. Sua importância pode ser vista nos dias atuais, quando citações desse livro aparecem em outras obras, como Corredor Estreito, de Acemoglu e Robinson, e Liberalismo Antigo e Moderno, de Merquior. 

O tema central é a discussão de uma forma de produzir unidade em sociedades, em particular, fazer com que milhares de indivíduos aceitem reduzir parte de suas liberdades para que possam usufruir de outras vantagens, como maior segurança (principalmente de ameaças externas), respeito à propriedade privada e cumprimento de contratos. Nesse acordo, esses indivíduos aceitariam a centralização do poder de força e de coerção na figura do soberano. 

Detendo tamanha força, o soberano estaria apto a impor sua vontade sobre todos os demais, por meio de leis e regulamentos. Com o controle da parte armada da população, pode lutar contra ameaças externas e proteger os seus cidadãos. Adicionalmente, obrigaria todos os homens a se respeitarem, cumprindo obrigações contratuais, pois, caso contrário, seriam punidos pelo uso da força. Portanto, elemento essencial desse poder derivaria do terror e medo que a sua centralização causaria sobre os demais. 

Chegamos assim à figura do Leviatã, monstro mitológico da antiguidade, usado como metáfora para elucidar o poder e terror emanado pela figura do soberano. Nas palavras de Hobbes: "pela arte, é criado aquele grande Leviatã a que se chama Estado, ou Cidade, que nada mais é senão um homem artificial, de maior estatura e força do que o homem natural, para cuja proteção e defesa foi projetado. No Estado, a soberania é uma alma artificial, pois dá vida e movimento a todo o corpo".

Thomas Hobbes nos diz que a vida do homem sem o Estado seria miserável, permeada de riscos, sem segurança. Quem seria o responsável pela lei e o seu cumprimento? Ou mesmo em um estágio anterior a essa pergunta: quem emitiria a lei? Na ausência do Estado, embora o homem tenha a vantagem de maior liberdade, uma liberdade praticamente irrestrita, ele não possuiria vantagens que somente podem ascender na figura do soberano. É por causa desse dilema que os homens abdicariam de parte de sua liberdade para que possam viver em sociedade e usufruir de maior segurança e garantias, como a de que o vizinho não o saqueará, pois está sob a tutela do soberano. Novamente citando Hobbes, no estágio sem Estado, "A vida do homem é solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta".

Observe, portanto, que Hobbes parte de um contrato social da população com o soberano. A população aceita redução de sua liberdade, com a condição de maior segurança e proteção, ao passo que o soberano se torna obrigado a protegê-la, com o poder "artificial" que lhe é concedido. Nessa acepção, Hobbes afirma que o comércio (indústria) poderia surgir, pois existiria maior estabilidade.

Paralela a essa discussão central, Hobbes se aventura em questões morais e filosóficas, como a sentença de que a força motriz dos homens é o desejo de poder, muitas vezes encoberto pela busca incessante de riqueza, saber e honra. É raciocínio muito parecido com o de Nietzsche, com leve alteração na denominação. Para Nietzsche, o termo é vontade de poder. Assim como Hobbes, ele via o desejo de acumular e aumentar riqueza como meio para atingir maior poder.

Pode-se achar semelhanças no pensamento de Hobbes com o de Adam Smith, nas duas obras mais destacadas deste autor, quais sejam, A Riqueza das Nações e Teoria dos Sentimentos Morais. No caso da primeira, segundo Hobbes, não é altruísmo ou algo casuísta a a transferência de todo o poder para o soberano. Esse ato decorre do próprio interesse de cada homem, pois este perceberia as vantagens que advém desse pacto: "O desígnio dos homens (...) introduzindo restrições a si mesmos conforme os vemos viver nos Estados, é o cuidado com sua própria conservação e com uma vida mais satisfeita". Esse interesse próprio geraria e possibilitaria a vida em sociedade, com maior segurança e utilidades. É praticamente o argumento da mão invisível, mas concernente ao campo político. 

Em relação ao segundo livro, enquanto Smith enfatizava o "amor à distinção" como um dos objetivos centrais dos homens, como dito anteriormente, Hobbes via o desejo de poder como eixo central. Além disso, dizia que o homem vivia em permanente estado de agitação, sempre buscando mais e mais poder, nunca se saciando com o poder já obtido. Portanto, a vida seria sempre caracterizada por movimento e inquietação. 

Durante o livro, Hobbes levanta a questão que muitos se perguntam sobre o argumento da obra: não seria imprudência conceder poderes ilimitados para o soberano? Ele responde que de fato é algo perigoso, todavia, afirma que a outra opção é ainda mais temerária, a ausência do Estado e do terror que ele provoca nos demais, freando condutas nocivas que poderiam emergir na ausência do soberano.

Recomendo a contextualização da obra para que não apareça absurda a defesa pela centralização política em apenas um indivíduo. Na época do livro, regimes democráticos eram pouco populares. As influências de Platão e Aristóteles ainda eram sentidas sobre o pensamento reinante, sendo ambos críticos da democracia. 

Outro ponto (controverso) da obra foi a conclusão sobre os dois soberanos. Hobbes diz que é impossível que existam dois senhores no mesmo país (se referia ao Rei e ao Papa - lembre-se da força da igreja católica durante a Idade Média), e que no caso desses dois, o poder estaria na figura do Rei. 

Como se sabe, Hobbes foi perseguido pela igreja após a publicação da obra. Imagino que essa parte tenha contribuído significativamente para esse resultado.

Leviatã teorizou o poder soberano, mostrando que este senhor deveria prestar serviços para a população. O poder não poderia ser destituído de responsabilidades. O passo essencial seria dado anos depois pelo inglês John Locke, quando afirmaria que o povo poderia cancelar esse contrato social, na hipótese do soberano não entregar o prometido. Essa evolução, décadas posteriores, culminaria no regime democrático liberal. Daí a importância de Hobbes para o surgimento embrionário de obrigações legais dos detentores do poder com o povo. 










4 comentários:

  1. Obrigada por compartilhar! maravilhoso conhecimento, ótima didática.

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    1. Muito obrigado pelo feedback. Fico feliz em contribuir com a difusão de conhecimento, ainda mais com uma obra dessa relevância.

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  2. Não li o livro de Hobbes, mas a sua resenha vai me poupar esse trabalho! Muito obrigado!

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