Colheremos custos e mais custos de erros de políticas
Recentemente conversei com um amigo sobre política e economia, e dado o seu viés político (segundo o mesmo, extremamente de esquerda), a conversa se deslocou para o tema de reformas e programas para tornar o Brasil um país rico e desenvolvido. Argumentou que deveríamos pensar "fora da caixinha".
Considero isso perigoso. Muitas vezes o pensar "fora da caixinha" nada mais é do que ignorar princípios e leis consolidadas da Ciência Econômica e adotar o voluntarismo.
Nosso país é pródigo em exemplos de pensar "fora da caixinha". Vamos falar de alguns deles.
1) O Plano de Metas de Juscelino Kubitschek (1956-1960) ficou famoso por acelerar a industrialização do país, com a subsequente rápida expansão do PIB. O lema foi 50 anos em 5. Juscelino ignorou as restrições de caixa e insistiu na implementação do Plano, com a cereja do bolo sendo a construção de Brasília, sem orçamento, ou seja, não havia recursos para tal empreitada. Neste caso, Juscelino endividou o país, emitiu moeda para fazer pagamentos e perdeu o controle da inflação. Na mídia, pouco se fala de como JK deixou o país: em crise, permeado pelo caos econômico, necessitando de ajustes. Note o ano em que seu governo terminou: 1960. A crise gerada por Juscelino seria combustível para o Golpe Militar de 1964, apenas 4 anos após o seu governo. Economia em crise é um convite a atos radicais (alguma relação com os atos deste último domingo em Brasília?).
Considero o Plano de Metas uma espécie de pensar "fora da caixinha" porque o Plano simplesmente ignorou as restrições fiscais e financeiras. Ignorou a relação entre emissão de moeda e crescimento dos preços. Finalmente, ignorou as condições de equilíbrio macroeconômico. JK fez o país crescer, mas a um custo muito caro - perdemos a democracia por duas décadas.
2) Citar o Plano Collor de 1990 é como usar uma carta coringa. O plano bloqueou e congelou aplicações na poupança, desrespeitando o direito de propriedade dos brasileiros. Adicionalmente, congelou preços. Todas medidas com baixo respaldo acadêmico. Não surpreende o fracasso que gerou. Novamente, pensou-se (muito) "fora da caixinha".
PS.: eu poderia citar outros Planos fracassados, como o Plano Cruzado, o Plano Bresser, e o Plano Verão. Todos pensando de forma insistente "fora da caixinha".
3) Nova Matriz Macroeconômica do PT durante o final do governo Lula (2008-2010) e todo o governo de Dilma Rousseff (2011-2014). Ainda estamos colhendo os equívocos desta ideia, com uma crise fiscal que se arrasta por vários anos. De forma resumida e breve, a ideia central foi expandir o gasto público sem maiores preocupações com o aumento das receitas fiscais. Acreditava-se (ingenuamente) que este gasto faria o PIB e a economia crescer de forma tão forte que novas receitas mais do que compensariam o gasto inicial. Este raciocínio também é refutado pela evidência acadêmica. Há condições específicas para que esta reação ocorra, e o país não as apresentava. Mais do que isso, mesmo que tivéssemos tais condições, é pura ilusão (wishful thinking) imaginar que pudéssemos gerar crescimento sustentado apenas pela via do gasto. Como já escrevi antes (aqui), o crescimento econômico e sustentado de longo prazo depende de 4 fatores - e o gasto público não é um deles.
A Nova Matriz Macroeconômica foi um pensar "fora da caixinha" porque ignorou deliberadamente as contas públicas (lembra das pedaladas fiscais?), enganou milhões de brasileiros nas eleições presidenciais de 2014 (o superávit primário apresentado era mascarado pela contabilidade criativa) e relativizou o impacto negativo sobre o equilíbrio macroeconômico. Novamente, mais um fracasso.
O lado ruim de fracassos na economia é que o preço que se paga continua ali. Pode-se ignorá-lo, atribuir a culpa a terceiros, ao ambiente externo, ou seja lá o que for. Mas os efeitos de políticas mal elaboradas perduram.
Estes três exemplos ilustram que a tese de pensar "fora da caixinha" é um convite para erros. Às vezes, os erros se tornam memoráveis, como a defesa pela cloroquina durante uma pandemia.
A recomendação científica era a aplicação de vacinas e medidas de distanciamento, mas eis que o pensar "fora da caixinha" entrou em ação. Tese minha: suspeito que se Bolsonaro tivesse se portado como um político normal (pragmático), seguindo a tendência de outros líderes mundiais, aceitando e recomendando vacinas, ele teria vencido a eleição presidencial de 2022, pois não teria perdido votos por pura ignorância e teimosia (cadê os seus assessores para mostrarem que a escolha pela cloroquina seria altamente prejudicial em termos políticos?).
Não há muita escapatória no campo econômico. O Brasil somente conseguirá se tornar uma potência quando aceitar as leis de mercado. Até a China aderiu a esse receituário (no marcante ano de 1978) - e veja o resultado: se tornou uma potência econômica, ainda que com enormes desafios à frente. Além da dificuldade de convencer pessoas, analistas e políticos da importância de reformas estruturais que tornem a economia brasileira competitiva e moderna, ainda temos que lutar contra os pensamentos "fora da caixinha" - com custos tão elevados e tão persistentes ao longo dos anos.
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