Resenha: Os 50 Maiores Mitos Populares da Psicologia

Propagamos e alimentamos mais mitos do que pensamos (ou desejamos)

O livro Os 50 Maiores Mitos Populares da Psicologia, escrito por 4 autores (Scott Lilienfeld, Steven Lynn, John Ruscio, e Barry Beyerstein), apresenta equívocos e percepções incorretas que temos no dia a dia; muito desse desentendimento se deriva da mídia e do entretenimento, os quais contribuem para criar e difundir concepções distorcidas da realidade e do que a comunidade acadêmica tem discutido e concluído. 

Segundo os autores, um dos benefícios de se inteirar destes mitos, bem como de dicas e recomendações para evitar de cair em outros erros, é o de que teremos suporte para tomar decisões mais sábias. Assim como acontece nos livros de economia comportamental, este livro nos dará "dicas de bolso". 

Um dos motivos pelos quais caímos nestes mitos é o de que muitos deles fazem parte do senso comum, ou do que John Galbraith denominaria de sabedoria convencional: se todos dizem/fazem a mesma coisa, então ela provavelmente é verdade. Os 50 mitos - na verdade, 250 mitos, uma vez que os autores discutem ramificações dos mitos -, estão para mostrar a força do senso comum em nossas vidas.

Pelo menos 4 fatores ajudam a entender o porquê de nossa suscetibilidade a mitos. O primeiro é a ilusão cognitiva, crenças que enganam nosso processo de raciocínio (dentro deste conceito está o viés da representatividade, no qual julgamos situações pelo que vemos, pela amostra que está aos nossos olhos. Um exemplo são os filhos de pais médicos, engenheiros, advogados, que tenderão a valorizar mais estas ocupações).

O segundo fator é a confusão com a causalidade. Como os autores argumentam, como vivemos em um mundo no qual é praticamente impossível separar efeitos de diferentes elementos, os quais agem de forma simultânea, tendemos a achar causalidade onde não existe. Adiantando um dos mitos, externalizar nossa raiva gritando e/ou socando algo não a alivia, pois essa raiva tenderia naturalmente (ou automaticamente) a se reduzir ao longo do tempo. Mas como fazemos o ato e depois a raiva se dissipa, tendemos a construir causa e efeito nesta situação.

As produções cinematográficas fornecem variados exemplos de construções psicológicas distorcidas da realidade. Quem não se lembra de algum filme ou série na qual uma pancada na cabeça faz com que a memória da pessoa volte ao normal? O livro é recheado de citações e discussões de filmes que reproduzem esse tipo de erro. 

Finalmente, o quarto fator é o de que estamos sempre querendo achar significado em eventos, quando na verdade muitos deles simplesmente não o possui. Neste caso, dobramos e alteramos narrativas, fatos, memórias, para que se encaixem em um todo coerente (para nós). 

Sobre os mitos, vou apenas apresentar e discutir alguns para efeito de exposição. O mito 11 nos diz que nossa memória não funciona como uma fita cassete. Na verdade, a evidência sugere que não reproduzimos o que ocorreu conosco, mas que reconstruímos eventos passados com base em nossos valores, crenças e desejos. Em outras palavras, nossas memórias não são fidedignas ao que lembramos! (imagine as consequências disto em situações críticas, como testemunhas de crimes). Por isso, desconfie de você mesmo! Suas memórias (talvez as nostálgicas) podem estar apenas reconstruindo algo que você gostaria que tivesse acontecido (um passado mais feliz, calmo e de tranquilidade) em detrimento do que de fato ocorreu. 

O mito 21 desqualifica a ideia de que podemos aprender coisas novas quando estamos dormindo. Algumas pessoas tendem a deixar uma gravação tocando, como textos em outras línguas, para que aprendam esta nova língua. A possível explicação dos autores é que algumas pessoas acordam ao longo da noite ou levam tempo para adormecerem, e daí aprendem porque estão ouvindo o conteúdo da gravação. Nada de causalidade do tipo dormir e aprender (outra coisa é o processamento de informações adquiridas ao longo do dia enquanto dormirmos). 

O mito 23 derruba a percepção de que máquinas podem detectar mentiras (o nervosismo que essas máquinas captam pode decorrer da própria situação - novamente, confusão entre efeito e causa). Mais interessante do que isso, é o dado de que 70% das pessoas acreditam que a forma como olhamos pode entregar nossas mentiras. Embora muito difundido, eu mesmo já presenciei coisas do tipo, os autores afirmam que não há relação entre movimentos do corpo e o ato de mentir (lembre de cenas de novela: "minta olhando nos meus olhos". 

O último mito que discutirei em maiores detalhes é o mito 27, de que os opostos se atraem. Segundo o livro, o que ocorre é o contrário: pessoas que compartilham traços semelhantes se atraem. Isso é válido para amizades, namoros e a vida profissional. 

Apenas de passagem, outros mitos que gostei são o i) de que represamos memórias de eventos traumáticos, ii) de que parte da nossa felicidade depende de fatores externos (isso é verdade apenas no curto prazo, no longo prazo são os "intangíveis" que importam), iii) de que quanto maior o número de pessoas em nossa volta,  maior a probabilidade de recebermos socorro (é o contrário que ocorre!), iv) há baixíssima evidência de que países apresentam pessoas de acordo com caráter/personalidade nacional, v) de que somente pessoas depressivas cometem suicídio, vi) de que pessoas que confessam crimes são culpadas (muitas não o são, elas confessam por diversos fatores, como o desejo incontrolável de sair de uma situação extremamente nervosa, como interrogatórios), e vii) de que psicoterapias bem sucedidas nos fazem enfrentar eventos de quando éramos crianças, as causas raízes do que sofremos hoje (autores dizem que mais importante do que enfrentar o passado é seguir com a vida e lutar para melhorarmos no presente - considerei este conselho uma grande dica para conduzirmos nossas vidas). Sobre este último ponto, Nietzsche dedicou várias páginas defendendo as pessoas que caem, se erguem, e continuam a avançar, que não lamentam o passado. Nietzsche defendia a coragem para vivermos. Lembrei dele ao ler esta última parte.

O livro tem como pontos fortes a apresentação de mitos interessantes, acompanhados por discussões didáticas (e um pouco cômicas), juntamente com descrições de pesquisas acadêmicas dando suporte ou desqualificando-os. O ponto negativo, por conta do próprio formato da obra, é a ausência de lógica no seu desenvolvimento. Muitas vezes quando a discussão está ótima os autores param e quebram o ritmo para discutir o próximo mito. Reconheço a dificuldade de colocar uma sequência coerente com 50 mitos. Gera-se a percepção de que está discutindo tudo, com pouco foco. Mas não vejo isso como um defeito, visto que é um detalhe que aconteceria por causa do formato do livro.