sábado, 28 de janeiro de 2023

Sobre Uniões Monetárias

Como unificar moedas?

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A União Monetária consiste na unificação de moedas nacionais, dando origem a uma única moeda. O caso mais famoso, e ainda em curso, é a Zona do Euro, na qual 20 países renunciaram às suas moedas domésticas e adotaram o Euro. Este processo está em curso desde janeiro de 1999, data oficial do Euro. Desde então, outros países entraram - e há outros ainda solicitando adesão. 

Neste texto irei destacar 3 características essenciais para a criação da moeda comum, e um traço secundário. O primeiro ponto relevante (e desejável) é que exista União Fiscal entre os países signatários. Em outras palavras, assim como a união monetária significa a renúncia à moeda nacional, a união fiscal representaria um único orçamento englobando todos os países membros.

Temos união fiscal nos países. Aqui no Brasil, por exemplo, temos 27 unidades federativas (26 estados e o Distrito Federal). Temos união monetária, pois todos esses entes adotam a moeda brasileira, o Real. Também temos união orçamentária, pois todos estes entes seguem regras fiscais federais, ainda que com margem para regulamentos estaduais. Desta forma, há impostos coletados pela União, mas que são repassados para os estados. 

A união fiscal (e as próximas duas características que discutirei) se mostrou crítica para os países da Zona do Euro em 2009, quando a crise financeira de 2008, iniciada nos Estados Unidos com a quebra do banco de investimento Lehman Brothers, se ramificou com maior intensidade no Velho Continente. Pelo menos cinco países europeus ficaram em situação crítica (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia, e Espanha), próximos da insolvência fiscal, pois as receitas de seus respectivos governos estavam muito abaixo dos níveis das suas despesas, com dívida pública crescente e taxas de juros ascendentes (de forma pejorativa, criou-se a sigla PIIGS, em analogia a pigs do inglês, que significa porcos - o S da sigla é Espanha, Spain em inglês). Como a Zona do Euro não possuía orçamento unificado, não havia política fiscal para contrabalancear os efeitos recessivos da crise. Os países membros não tinham dispositivos e mecanismos de transferência de renda para economias em crise. Qual país alocaria seus fundos para auxiliar a Grécia? Por outro lado, aqui no Brasil, como o orçamento é unificado, a União repassaria os seus fundos para estados fragilizados. 

A segunda característica da União Monetária é que os países membros abdicam da política monetária. Usarei o Brasil como elo de comparação e elucidação. Temos o Banco Central realizando política monetária pelo gerenciamento da moeda nacional, o Real. Normalmente a política monetária se reduz à definição do nível da taxa de juros de curto prazo, a Selic. Temos política monetária porque o Brasil possui um banco central e também porque temos uma moeda nacional. Todavia, na União Monetária, todos os países que fazem parte dela deixam de possuir bancos centrais. Há somente um único banco central (com sede a combinar - na Zona do Euro, o Banco Central Europeu é localizado na Alemanha). E este único banco central é quem determina a política monetária. Consequentemente, na Zona do Euro, os 20 países membros seguem apenas a política monetária estabelecida pelo Banco Central Europeu. 

Apontei anteriormente o problema da ausência da União Fiscal. Posso estender o mesmo para a ausência de política monetária. Em momentos de crise econômica, normalmente o banco central adota medidas para superá-la, como a redução da taxa de juros, a qual tende a baratear o crédito e a facilitar investimentos e aquisições de bens duráveis, como moradias - esse sequenciamento aquece a economia, com mais vendas. Contudo, na União Monetária, os problemas de um único país não necessariamente exigem medidas que irão afetar todo o restante. Se a Itália está em recessão, mas todos os demais membros da Zona do Euro estão indo bem, por que o Banco Central Europeu reduziria a taxa de juros? Dando um passo adiante: como conciliar todas as questões nacionais em uma única instituição? Eis um dos principais pontos de atrito na Zona do Euro.

Finalmente, a terceira característica de Uniões Monetárias é a ausência de políticas cambiais. Este traço é uma consequência direta da abdicação de moeda doméstica. Como os países deixam de possuir moedas nacionais, não somente perde-se a política monetária nacional, como também o controle dos movimentos do câmbio.

Em crises econômicas, ainda que as autoridades decidam fazer nada (em determinadas circunstâncias, esta posição não é ruim), o mercado de câmbio tende a estabilizar a economia. Explico resgatando o caso grego: como a Grécia por volta de 2009 era vista como parcialmente insolvente, na iminência de não pagar os seus credores, caso ela tivesse o seu próprio câmbio (moeda grega por dólar), ela teria sofrido saídas maciças de capital, o que causaria a desvalorização de sua moeda. Este movimento iria encarecer os importados e facilitar as exportações, o que é uma válvula de escape para crises. A economia grega começaria a superar a crise pela expansão de suas exportações - outro ponto positivo é que em relação à economia mundial, investir e aplicar capital na Grécia se tornaria relativamente mais barato do que no resto do mundo (investidores com um pouco mais de apetite e tolerância ao risco iriam para a Grécia). Com a União Monetária, perde-se essa opção para lidar com crises - isso explica a gravidade grega em 2009.

Portanto, ao adotar a União Monetária, países membros perdem as políticas monetária e cambial, duas políticas importantes em situações de crise. No caso grego, a ausência destas políticas - e sem o orçamento unificado, o qual poderia alocar verba pública para a Grécia fazer o seu ajuste interno sem impor grandes perdas à população - intensificou a crise econômica. A única opção que sobrou foi cortar gastos públicos e reduzir salários, aprofundando ainda mais a espiral recessiva. 

Além destas 3 características, outro ponto importante é que países membros devem acordar regras comuns de fluxos de capitais, e regulações comerciais. Embora a União Monetária facilite as transações, pois não precisa-se de converter moedas para cada operação, a própria operacionalização e funcionamento dos mercados depende de acordos entre os membros. É uma longa estrada.

Atualmente, os governos argentino e brasileiro discutem a criação de uma moeda comum. Pelo o que li até agora, esta moeda não seria a substituição das moedas nacionais, ou seja, tanto o Real quanto a moeda argentina, o Peso, continuariam a circular. A moeda comum seria fundamentalmente um ativo para facilitar transações. Se este for o caso, tudo o que escrevi aqui não se aplica, dado que esta moeda conjunta seria um ativo adicional no mercado financeiro. Entretanto, caso decida-se seguir outro caminho, unificando as moedas nacionais e substituindo-as por uma só moeda, como na Zona do Euro, o texto se aplica - e todas as dificuldades e percalços que escrevi deveriam ser discutidos com cuidado.









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