sábado, 11 de fevereiro de 2023

Resenha: Política Monetária no Século 21 (Ben Bernanke)

Todo o livro é uma grande aula de economia monetária, escrita por um de seus principais nomes

bernanke quantitative easing


Ben Bernanke foi o presidente do Banco Central dos Estados Unidos, o Fed, de 2006 a 2014, período extremamente turbulento, o qual foi marcado pela crise financeira de 2008, e a subsequente recessão que se espalhou pelo mundo. Foi sob a sua presidência que o quantitative easing (maciça compra de ativos financeiros de longo pelo Fed para reduzir as taxas de juros de longo prazo) foi implementado, bem como outras reformas na forma de sua gestão. Além da carreira no Fed, foi um renomado acadêmico, com reconhecimento por suas contribuições no ano passado, quando recebeu o prêmio Nobel de Economia. 

O livro Política Monetária no Século 21 discute a operacionalização do Fed desde o ano de 1960 até os dias recentes, apontando evoluções ao longo do tempo em decorrência dos desafios que surgiram. Mostra como o banco se adaptou conforme o contexto assim o exigiu. Além disso, Bernanke descreve as ferramentas de política monetária e de fiscalização do sistema financeiro. Em determinados tópicos, o autor incorpora a experiência de outros bancos centrais, comparando a forma como operaram. Desta forma, embora o foco do livro seja a política monetária do Fed, a sua leitura serve para outros bancos e para o conhecimento geral em economia monetária, como assinalado pelo próprio autor. 

Aos interessados em política monetária (é um dos meus tópicos preferidos na Ciência Econômica), o livro é uma aula das variadas ferramentas e teorias disponíveis. Bernanke agrega conhecimento teórico, por sua formação e carreira acadêmica, e também anos de experiência prática na frente do Fed. Essa dualidade se reflete nas linhas do livro, as quais sempre seguem o padrão de detalhar alguma teoria, e depois discutir sua aplicação prática - algumas vezes Bernanke fala de seu próprio trabalho, dado que de 2006 a 2014 ele foi o presidente do Fed.

O livro afirma que 3 grandes mudanças alteraram (e continuarão a afetar) o comportamento dos bancos centrais. A primeira é o comportamento da inflação. No século passado, ilustrado principalmente pela Curva de Phillips, quando a economia crescia (ou o mercado de trabalho reduzia o número de desempregados), os preços avançavam. Era um claro trade-off: se a economia crescer acima de seu nível natural (nível no qual os preços não avançam), os preços irão acelerar. Formuladores de política, no longo prazo, colheriam apenas preços mais altos, dado que a política monetária não afetava a produção e o mercado de trabalho em períodos mais longos. Todavia, Bernanke afirma que essa relação se alterou significativamente: a curva de Phillips ficou mais plana. Isso significa que a relação entre emprego e preços ficou mais fraca. Pode-se conviver com mercado de trabalho com baixo desemprego e baixa inflação. 

A segunda mudança estrutural é o declínio da taxa de juros de longo prazo. Ao longo das décadas, por variados fatores, essas taxas caíram nos países desenvolvidos, barateando o custo da dívida pública. Sob a ótica dos investidores, isso significa que irão colher menores rendimentos em aplicações financeiras (de longo prazo). 

Para o banco central, as quedas das taxas de juros de longo prazo encurtam o seu escopo de atuação. Imagine uma economia em recessão. O banco central pode ajudar na recuperação econômica ao baratear o crédito. Ele assim o faz com reduções nas taxas de juros. Mas se essas taxas já estão baixas, o que fazer? Eis a justificativa do quantitative easing

A terceira mudança é o aumento do risco de instabilidade financeira. Em uma economia cada vez mais integrada financeiramente, com o avanço de novos e complexos dispositivos de investimento, e de difícil rastreamento pelas agências reguladoras, a economia global pode incorrer em tomada excessiva de risco, com alavancagens sobrecarregando posições e, como foi o caso da crise financeira de 2008, um pequeno mercado (em 2008, foi o mercado de hipotecas subprime) desencadear toda uma avalanche de desalavancagem, causando rupturas em todo o mercado financeiro.

Segundo Bernanke, por conta das baixas taxas de juros e de parcas oportunidades de ganho financeiro, muitos investidores optam pela tomada de risco, aportando capitais em ativos arriscados (criptomoedas? hedge funds? securitizações?). Um dos maiores desafios contemporâneos dos bancos centrais é conseguir mapear o ritmo desses desdobramentos e tomar medidas quando necessário. O timing aqui é muito importante. 

Essas 3 mudanças são a base do livro. No seu decorrer, outros termos e discussões surgem, enriquecendo a obra e instruindo o leitor. Um deles é o limite inferior da taxa de juros (em inglês, zero lower bound, ZLB). O ZLB decorre das taxas de juros de curto prazo (no Brasil, seria a Selic) atingirem o valor de 0%. Como taxas de juros nominais não caem abaixo de 0% (em geral isso é verdade, mas há exceções), o banco central perde o poder de influenciá-las. É o entrave que discuti em relação às taxas de juros de longo prazo: como elas caíram, o banco central perdeu espaço para reduzi-las em recessões. Nos Estados Unidos, no Japão (este é o caso clássico) e na Europa, bancos centrais tiveram que inventar novas ferramentas para estimular a economia em um cenário de ZLB. 

Uma dessas inovações foi o quantitative easing. Na impossibilidade de reduzir as taxas de juros de curto prazo, por causa do ZLB, bancos centrais reduziram as taxas de juros de longo prazo. No caso dos Estados Unidos, o Fed trocou reservas bancárias de curto prazo por ativos de longo prazo, incluindo ativos de hipotecas (veja que não há necessariamente expansão da quantidade de moeda, um equívoco amplamente disseminado!). Desta forma, no balancete do Fed, há redução de ativos de curto prazo e aumento de ativos de longo prazo. Como a compra de ativos de longo prazo empurra os seus preços para cima, o rendimento que estes fornecem tende a decrescer, ou seja, a taxa de juros de longo prazo se reduziria, como de fato ocorreu. 

Outro termo muito discutido é o forward looking. Ele decorre da comunicação clara do banco central com os agentes econômicos. Através dele, o banco central mostraria como será a política monetária no futuro, dando transparência para suas ações. Mais do que isso, o forward looking controlaria as expectativas com a economia, facilitando o ajuste almejado pelo banco central. Por exemplo, se o banco central deseja reduzir a taxa de juros, ele pode simplesmente dizer que fará isso, por quanto tempo, e como. Se o banco central possuir credibilidade (outro atributo importantíssimo para a política monetária ser eficaz), o mercado pode se antecipar, proceder com suas ações, e gerar de imediato o resultado desejado pelo banco central. Lembre-se: o mercado financeiro precifica o futuro.

Não irei me alongar mais nesta resenha. Há outros tantos termos que eu poderia escrever e discutir com vocês (já mencionei o viés que tenho com política monetária), como a estagnação secular, independência do banco central (pauta quente aqui no Brasil por causa de um equívoco do presidente Lula), emprestador de última instância, comprador de última instância, cooperação de bancos centrais, regime de metas de inflação, política macro prudencial, empresas zumbi, dominância fiscal, além, como já mencionei, da contextualização com a economia mundial. Neste último ponto, a discussão das ações dos bancos centrais durante a Covid-19 ficou muito boa e instrutiva em relação ao que podemos esperar dos bancos centrais no futuro.













  








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