domingo, 4 de junho de 2023

Resenha: O Choque de Culturas - Investimento vs Especulação (John Bogle)

Investindo de forma prudente e sem ilusões

investimento de longo prazo


John Bogle é um dos principais nomes do mundo financeiro. Com experiência de 50 anos de mercado, tendo testemunhado e vivido os períodos de regulação e desregulamentação financeira, e a ascensão dos investidores institucionais, Bogle tem história para nos contar. Em especial, ele foi um dos pais da criação do fundo de investimento indexado, um dos focos do livro. 

A tese do livro é a de que indivíduos e a sociedade sairão perdendo com a tendência de privilegiar retornos financeiros de curto prazo em detrimento de investimentos de longo prazo. Bogle relaciona o esforço em obter rápido rendimento no curto prazo como especulação, ao passo que o capital investido visando longos períodos de tempo como investimento. Nas últimas décadas, segundo o autor, ocorreu uma troca na mentalidade dos investidores; estes passaram a visar e almejar rendimentos no curto prazo, fomentando a especulação, deixando o investimento de longo prazo em segundo lugar. 

Parte desse deslocamento na mentalidade se deu devido ao desejo de obter cada vez mais. Nunca estamos satisfeitos. Mesmo para pessoas muito ricas. Consequentemente, há enorme demanda empurrando o mercado financeiro para entregar retornos crescentes em curtos períodos de tempo. Em segundo lugar, o autor assinala que entre consumo e poupança (com o intuito de investir), a maioria da população tem maior inclinação pelo consumo. Há um componente temporal nesse dilema: o consumo fornece satisfação e prazer no ato imediato de consumir. Poupar e investir é postergar esses prazeres.

Tenho vários amigos e familiares próximos que lutam para conseguir separar parcela do salário e investir. Não é uma tarefa fácil em um mundo no qual o consumo é colocado como principal tarefa a ser atingida. Mesmo viagens entram no quesito consumo. O ponto, neste caso, é que o marketing foi tão bem feito que o consumo de viagem é visto como "experiência de vida", mascarando o fato de que viajar é uma mercadoria, como tantos outros bens. Em certo grau, compreendo a dificuldade de poupar e investir, pois somos bombardeados com propagandas e marketing (olhe para a rua onde você mora, provavelmente haverá pôsteres incentivando o consumo). Esse marketing tente a relacionar o consumo com satisfação e felicidade. Como não cair nessa armadilha? Desta forma, uma forma de conseguir conciliar consumo com poupança é extrair rápida lucratividade de ativos financeiros. Acelerar o tempo do investimento em uma vida já muito acelerada

O terceiro fator que o livro omitiu, e que irei brevemente explicar aqui, é que as economias de mercado entraram em crise nos anos 1970 e 1980. A alternativa (que funcionou) foi liberalizar os mercados. Várias reformas de desregulamentação foram empreendidas, como a desregulação financeira, a qual facilitou o investimento no exterior, a troca de fluxos financeiros, e a diversificação do patrimônio. Essa desregulamentação gerou a integração financeira da economia mundial. Entretanto, trouxe também outros problemas, como a especulação de curto prazo.

Investidores institucionais ganharam a cena, como fundos mútuos de ações, fundos de pensão e fundos hedge. Estes passaram a acumular vasto portfólio de capital, tornando gestores de empresas. Dada a pressão para que entregassem lucros rápidos, passaram a tomar medidas como a redução no custo da mão de obra e a recompra de ações da própria empresa (outro eixo que poderia ter sido mais bem trabalhado no livro). Há trabalhos que retratam que o investimento de longo prazo perdeu espaço para a especulação, comprometendo o crescimento econômico futuro das economias. 

Aqui entra o argumento do livro. Esses gestores tentam "bater o mercado", isto é, obter valorizações de seus ativos em taxas superiores às que o mercado apresenta. Segundo o autor, alguns gestores podem até conseguir bater o mercado no curto prazo, mas no longo prazo o mercado é imbatível. Essa conclusão não é nova para os pesquisadores e estudantes dessa área (conclusão muito bem escondida pelos profissionais da área, que vendem cursos e estratégias supostamente eficazes em driblar o mercado). 

John Bogle oferece como solução o fundo indexado. Este fundo apenas seguiria os valores de grandes índices de mercado - é algo muito próximo ao ETF (Exchange Traded Fund). O gestor deste fundo não atuaria de forma ativa na compra e revenda de ações, pois os custos envolvidos nessas transações penalizariam o retorno final. Adicionalmente, as taxas de administração seriam baixas. Finalmente, o fundo não tentaria bater o mercado, mas tão somente segui-lo, sem taxas e custos que reduziriam o retorno para o investidor. Nas palavras do autor: "nunca se esqueça da mágica dos retornos compostos de longo prazo e da tirania dos custos compostos no longo prazo". 

Argumento sólido para derrubar a crença da especulação de curto prazo é o da reversão para a média (RPM). A RPM nos diz que, no longo prazo, o retorno de quaisquer investimentos tendem a convergir para o retorno do mercado (sempre seja cético das performances do passado!). Essa regra pode ser generalizada em vários campos da vida. No futebol, por exemplo, quando um time inicia um campeonato vencendo várias partidas, mesmo tendo elenco modesto, a RPM irá atuar, derrubando o seu desempenho ao longo da competição. Não é que o elenco se tornou preguiçoso ou pouco comprometido, é que ao longo do tempo tendemos a retornar para o nosso valor médio de desempenho (atualmente, na Premier League, esse pode ter sido o caso do Arsenal, e temo que este será o caso do Botafogo no campeonato brasileiro!). 

No final da obra, o autor oferece 10 excelentes regras para o investidor. Escrevo as 10 regras aqui:

1) Se lembre da reversão para a média

2) Tempo é seu aliado, impulso é o seu inimigo

3) Compre corretamente e se mantenha nesta posição

4) Tenha expectativas realistas

5) Pense no mercado de forma agregada

6) Minimize os custos envolvidos

7) Sempre haverá risco

8) Cuidado para não se apegar a eventos passados

9) Sabedoria de longo prazo

10) Se mantenha em sua estratégia


O livro explica cada uma dessas regras, todas muito válidas. Na verdade, o desenvolvimento do livro toca em todos esses pontos. Desta forma, a própria leitura da obra irá fornecer essas dicas. Por exemplo, o ponto 4 nos diz que a promessa de retornos excepcionais, da ordem de 5% ao mês por vários anos, não faz o menor sentido. O ex-jogador do Palmeiras, Gustavo Scarpa, não teria caído no golpe das criptomoedas se tivesse conhecimento dessa regra

Por fim, este livro se enquadra no tema como investir nosso capital e obter retornos ao longo do tempo (ou simplesmente finanças pessoais) - tema com alta demanda. Dada a enorme oferta de livros deste tipo atualmente, O Choque de Culturas (The Clash of the Cultures, no original) é altamente recomendado por pelo menos 4 razões: i) escrito por um experiente participante do mercado, ii) com arcabouço teórico e quantitativo muito bom (argumenta mostrando vários dados históricos do mercado), iii) alia ciência com investimento, não caindo em armadilhas como a da ilusão de bater o retorno do mercado de forma permanente, e iv) mostra ótima estratégia de longo prazo (além de ensinamentos e dicas). Como sempre vivenciamos crises financeiras e golpes envolvendo ativos, temos de nos precaver contra essas ilusões, e o livro é um caminho para isso.










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