sexta-feira, 16 de junho de 2023

Resenha: A Grande Inversão (Thomas Philippon)

A Derrocada do livre mercado nos Estados Unidos

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Nos últimos anos tem se acumulado grande evidência de que a economia dos Estados Unidos (EUA) piorou significativamente em pelo menos dois quesitos: concorrência entre empresas (ou dinamismo econômico do mercado doméstico) e desigualdade de renda. Thomas Philippon, nascido na Europa (França), e com carreira nos EUA, sentiu de perto essa inversão: no passado, os EUA eram o exemplo de economia com livre mercado e ampla concorrência (quando se mudou para o país). O que aconteceu?

Antes de tudo, há uma clara separação no foco do livro. A crítica irá recair sobre os mercados domésticos dos EUA, e não diretamente sobre suas empresas. Os EUA têm empresas líderes mundiais, resumidas na sigla GAFAM (Google, Apple, Facebook (hoje Meta), Amazon, Microsoft). Entretanto, possuir empresas líderes não garante concorrência no mercado doméstico.

Segundo Philippon, a economia dos EUA é marcada por oligopólios. Oligopólio é uma estrutura na qual poucas empresas dominam todo o mercado. Normalmente, a existência de oligopólios é relacionada com preços maiores, atingindo os consumidores. Portanto, oligopolistas conseguem cobrar um preço acima do custo marginal de produção (mark up). Na Ciência Econômica, oligopólio é considerado uma falha de mercado.

A ascensão de oligopólios decorreu por causa da queda da competição interna. Neste caso, o livro reforça o argumento com a apresentação de gráficos, tabelas e estudos empíricos. Há menor entrada de empresas nos mercados e pouca saída, sugerindo menor dinamismo das forças de uma economia de mercado. Para economias de mercado, a livre entrada e saída de empresas é fator essencial para o bom funcionamento da economia. Com a entrada de empresas, firmas estabelecidas têm de rever os seus processos produtivos, preços e tratamento ao consumidor, caso contrário irão perder parte do mercado para as novas firmas; com a saída de empresas, firmas que não conseguem fornecer serviço adequado para os consumidores fecharão as portas, acumulando prejuízos. A saída (ou falência dessas firmas) abre espaço para novas ideias e novas empresas. É nesse sentido que Mises afirmou que os consumidores são os soberanos em economias de mercado; caso as empresas não os atendam de forma satisfatória, elas irão perder gradativamente maior parcela do mercado, culminando em possíveis falências. 

A hipótese para a menor concorrência nos EUA é a de que políticas públicas e regulações permitiram a concentração de empresas, fornecendo vantagens para firmas estabelecidas e dificultando a entrada de firmas concorrentes. Em outras palavras, empresas capturaram o setor político. A ferramenta por excelência é o lobbying (empresas pagam agentes e outras empresas para influenciarem políticos) e o financiamento de eleições. Não há altruísmo neste caso. Empresas dispendem maciças somas de dinheiro para ganharem vantagens injustificáveis sobre outras (no Brasil, o programa carro popular do presidente Lula é exemplo do resultado do lobby do setor automotivo).

O conluio do empresariado com a política, visando reduzir a competição e extrair renda às custas da população, gera pelo menos 5 consequências deletérias para a economia:

i) salários estagnados (ou em lenta expansão ao longo do tempo)

ii) queda do investimento

iii) queda da produtividade

iv) menor crescimento econômico

v) aumento da desigualdade de renda


O autor nos diz que ficou surpreso com quão frágil é o livre mercado. Rapidamente ele pode se deteriorar em um mercado altamente concentrado. Milton Friedman já alertava para esse risco quando nos disse que a "Liberdade é planta rara e delicada". O comum na história econômica é a opressão e ausência de competição nos mercados. Todo empresário deseja controlar o seu mercado. Cabe às forças econômicas anular esse desejo. Todavia, quando empresários conseguem influenciar as leis e a política, o equilíbrio se perde. Adam Smith é outra referência a respeito desse risco. Smith criticou os esforços de empresários em prejudicarem os mercados para colherem benefícios impróprios. 

No meio da obra há a comparação entre a Europa e os EUA. Ambas as regiões são ricas e desenvolvidas, portanto, servem como parâmetros. A Europa, de acordo com vários indicadores, é uma economia mais competitiva do que a dos EUA - uma afirmação sem dúvida controversa para muitos. Philippon critica a sabedoria convencional, que analisa a Europa com olhos presos no passado. A análise por meio de dados não deixa dúvidas: os EUA perderam dinamismo enquanto os europeus ganharam terreno. 

A explicação dessa ultrapassagem repousa no arcabouço institucional regulatório da Europa. Como a União Europeia é a junção de várias economias, há apenas um quadro institucional, multinacional, que avalia a concorrência em cada um dos membros. Todavia, nos EUA, as agências reguladoras são nacionais, podendo ser influenciadas pelas empresas nacionais. Na Europa, por outro lado, é difícil que empresas nacionais consigam influenciar agências multinacionais. Em resumo, o esforço em minar os mercados na Europa recebe maior oposição e menor chance de sucesso.

Alguns capítulos são dedicados às empresas GAFAM. Exceto a Amazon, as demais entidades não ajudaram a elevar a produtividade da economia dos EUA de forma substancial. Essas empresas, sem dúvida, forneceram maiores comodidades aos consumidores, mas ainda não foi visto um efeito de levantar a economia. O lado negativo aponta que as GAFAM conseguem influenciar o sistema político, pagam menos impostos e ainda são pouco responsabilizadas por suas ações. 

No final da obra, o autor destaca 3 lições. A primeira é a de que a livre entrada de empresas é válvula fundamental para o funcionamento de economias. A segunda é que reguladores irão cometer erros ao tentarem corrigir problemas na economia. Citando Friedman novamente: "A perfeição não é para esse mundo". Novos desafios deixam reguladores sem uma âncora. É normal que cometam erros. Mas isso não deveria significar que não deveriam fazer nada. Podem, uma vez reconhecido o erro, corrigi-lo e criar melhores mecanismos para proteger/permitir a concorrência e os consumidores. Hayek dizia que a economia de mercado se ergue e avança pela tentativa e erro - sempre iremos errar. A terceira lição é a de que empresas, em especial as GAFAM, deveriam ter maior transparência, proteger a privacidade das pessoas e maior responsabilidade. Tarefa para os reguladores.

O livro é didático em sua discussão, com vários boxes mostrando a explicação de conceitos um pouco mais complicados. Para quem deseja compreender a perda de dinamismo dos EUA, e alguns de seus problemas contemporâneos, a obra é o caminho recomendado (o leitor consegue facilmente contextualizar os problemas e desafios dos EUA com os do Brasil). Mercados competitivos não são garantias de que a competição existirá no futuro. Devemos ficar atentos aos desdobramentos na esfera política.





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