domingo, 12 de novembro de 2023

Tão Perto e Tão Longe

Observações sobre desigualdade de renda



Desde que retornei a morar e a trabalhar na UFOP na cidade de Mariana-MG, em abril desse ano, notei que, ao contrário da cidade de São Paulo, capital, onde fiz o meu doutorado na USP por 4 anos, a população que ocupa empregos de baixa remuneração é predominantemente negra. Em São Paulo, pelo menos na minha percepção, não havia um recorte tão claro como aqui. Para ser honesto, em outras cidades que tenho frequentado ultimamente, como Juiz de Fora (visitar irmã e cunhado), Manhuaçu (visitar irmão e sobrinhas), e Ubá (onde os pais moram), também não vejo um recorte tão claro. 

Alguns habitantes de Mariana, os marianenses, justificaram essa separação por conta do passado escravista da cidade. De certa forma, faz sentido: como a escravidão terminou razoavelmente recente (em termos históricos), em 1888, com a lei Áurea, ainda há persistência das gerações no quesito cor de pele - e Mariana foi a primeira capital de Minas Gerais, foco de intensa atividade extrativista, a qual empregava negros escravos. Ainda que a desigualdade de renda não seja tão exacerbada como em outras regiões, a população negra teria maior participação dado que no passado escravocrata ela ocupava os piores empregos e com baixa educação. A persistência da baixa mobilidade social explicaria o retrato atual (filhos não conseguiriam avançar muito os estratos sociais dos pais; tenderiam a seguir a vida que os pais tiveram).

Eu também verifiquei a desigualdade de renda da cidade analisando o índice GINI (quanto mais próximo de 1, maior a desigualdade, ao passo que quanto mais próximo de zero, menor a desigualdade). Para minha surpresa, a cidade de Mariana não está entre as mais desiguais de Minas Gerais; tampouco em relação à média nacional. Portanto, no tocante à desigualdade de renda, o município estaria bem classificado. 

Verifiquei uma das principais medidas de bem estar usadas na economia, o PIB per capita (divisão do PIB total pela população). No ano de 2020, o PIB per capita de Mariana foi de 53 mil reais. Isso significa, teoricamente, que cada habitante receberia por ano uma média de 53 mil reais, ou 4.400 reais mensais. Claro que não existe divisão tão equânime, mas o PIB per capita gera uma ideia do poder de compra e bem estar da sociedade. O que me surpreendeu (de novo) foi que, para o mesmo ano, o PIB per capita da capital mineira, Belo Horizonte, foi de 38 mil reais, o de Juiz de Fora, 30 mil reais, e o de Ubá, 28 mil reais. Novamente, Mariana se classificando bem em outro índice econômico. 

De toda forma, ainda continuo cético em relação à qualidade de vida da população que trabalha em empregos de baixa remuneração. Embora os índices que discuti nos auxiliem a compreender a realidade, eles não contam toda a história. Por exemplo, o que dizer da qualidade do trabalho, como flexibilidade, intensidade, e recompensa/gratificação pessoal? Citarei o meu caso. Como professor universitário, minha carga horária de 40 horas semanais prevê atividades de pesquisa (minha preferência). Portanto, além das aulas, tenho de estudar, pesquisar, escrever artigos, fazer estudos empíricos, ter reuniões com outros pesquisadores - e gosto muito de todas essas atividades. Tenho enorme prazer em ser um pesquisador. Adicionalmente, há grande flexibilidade para fazer essas atividades: posso escolher quando fazê-las (e onde, pois não há obrigatoriedade de serem feitas na universidade). A carreira de professor, ao conciliar estudo com trabalho, reforça a sua capacidade como profissional em constante aperfeiçoamento e qualificação (alguns conseguem subir para outras carreiras, com maior remuneração, por conta dessa relação estudo e trabalho). Agora vem a pergunta: como trabalhadores de baixa remuneração se qualificam, estudam? Resposta simples: não o fazem. Não há tempo e flexibilidade. 

Escrevendo esse texto, lembrei de uma redação que escrevi nos tempos de ensino médio, por volta de 2006-2008. Não lembro qual era o tema, mas lembro da passagem que eu dizia que do lado de um restaurante, havia um mendigo que observava as fartas refeições. Estava tão perto da refeição almejada, mas ao mesmo tempo tão distante. Algo similar ocorre com os apaixonados, quando estão próximos da amada (o), mas não conseguem avançar. Tão perto, mas ao mesmo tempo, tão longe. A distância física não retrata esse hiato. O mesmo ocorre aqui em Mariana - a bem da verdade, em todo o país. Mas aqui eu notei o componente racial.







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