sábado, 11 de novembro de 2023

Política Monetária dos EUA afeta a Desigualdade de Renda Mundial

Canais financeiro e produtivo ajudam a compreender a transmissão do choque monetário

política monetária


Neste mês eu consegui minha quarta publicação internacional de 2023, sendo a segunda na classificação A1 (nível mais alto de publicação, segundo a Capes). O título do artigo é Does monetary policy impact income inequality? Em português, seria: Política monetária impacta a desigualdade de renda? A publicação ocorreu na prestigiosa revista Journal of Economic Studies. Artigo está aqui

Meu objetivo foi analisar o efeito da subida da taxa de juros pelo banco central dos Estados Unidos (EUA). A literatura argumenta que quando o Federal Reserve (o banco central dos EUA), o Fed, altera sua taxa de juros, praticamente todos os países do mundo são afetados. Atualmente, por exemplo, o Fed subiu suas taxas de juros. Como consequência, há saída de capital de países, gerando a desvalorização das taxas cambiais (Brasil tem sentido esse efeito). Isso se dá pelo fato de que o dólar é a moeda mais segura do mundo, e aplicações que rendem dólares passam a pagar maior quantidade de juros. 

Outras consequências, no curto prazo, são alterações do custo de crédito, do emprego e da produção. É exatamente aqui que construí o meu artigo: se o Fed causa efeitos nestas variáveis, o que dizer da desigualdade de renda?

Há dois canais para compreender como a taxa de juros do Fed afeta a desigualdade de renda de outros países. O primeiro é o canal financeiro (ou canal de riqueza): a subida da taxa de juros eleva a remuneração de ativos financeiros, como títulos públicos. Como é a população mais rica que detém esses ativos, ela tende a se beneficiar mais. O segundo canal é o canal real (ou canal produtivo/trabalhista): a subida da taxa de juros enfraquece a demanda agregada, fazendo com que empresas reduzam a produção e demitam trabalhadores. Como famílias mais pobres dependem principalmente da renda salarial, elas seriam as mais prejudicadas. Esses dois canais podem trabalhar conjuntamente, fortalecendo o efeito do Fed sobre a desigualdade de renda.  

Os meus resultados mostraram que de fato o Fed afeta a desigualdade de renda de economias desenvolvidas. Na maior parte dos casos, a desigualdade se eleva. Também apresentei evidências de que, no longo prazo, o Fed também afeta essa desigualdade. Neste caso, a moeda não seria neutra (como a moeda afeta os preços, no longo prazo poderíamos esperar que, conforme os preços se ajustassem, os efeitos da moeda deixariam de existir). A neutralidade da moeda é uma questão hiper controversa entre macroeconomistas. Minha contribuição nesta sensível questão é a de que a política monetária afeta variáveis reais no longo prazo, como a emissão de CO2 (mostrei isso na minha primeira publicação do ano, aqui) e agora na desigualdade de renda.

Outro resultado foi investigar como a política monetária do Fed afeta a desigualdade dos demais países. Argumentei que o Fed influencia o comportamento do banco central das economias. Em geral, se o Fed sobe sua taxa de juros, os outros bancos tendem a subirem também. E como a política monetária contracionista eleva a desigualdade de renda nacional, indiretamente, portanto, o Fed estaria contribuindo para a subida dessa desigualdade.  

Nos últimos anos, por causa do limite inferior da taxa de juros (quando a taxa de juros nominal atinge o valor de zero), o Fed reinventou a forma de utilizar a política monetária. O arranjo que ficou famoso é o quantitative easing, a compra maciça de títulos de longo prazo para alterar as taxas de juros de longo prazo, dado que as taxas de juros de curto prazo estão em zero. Simulei o efeito dessa política sobre a desigualdade de renda, e novamente encontrei relações estatisticamente significativas. Isto é, o quantitative easing altera a desigualdade de renda mundial

Intuitivamente, podemos pensar que as políticas monetária nacional e dos EUA causam efeitos sobre a desigualdade. O ponto é mostrar que isso ocorre empiricamente, com relações estatísticas. Foi essa a minha contribuição. Segundo os avaliadores (foram dois), a principal contribuição acadêmica foi capturar efeitos da política do Fed em países desenvolvidos. Normalmente análises empíricas deste tema se situam em somente um país. Eu construí um modelo que engloba 16 economias. E assim tive a possibilidade de mensurar e investigar o efeito do Fed.

Finalmente, nas conclusões, afirmei que governos podem adotar reformas para reduzir a vulnerabilidade aos efeitos da política monetária do Fed - trabalhos futuros podem ajudar nessa discussão. Também não faz sentido pensar na utilização da política monetária para reduzir a desigualdade de renda. Vários fatores geram mudanças na desigualdade de renda. A política monetária é somente um deles. Além disso, o principal objetivo da política monetária é estabilizar os preços, não alterar a desigualdade de renda. Entretanto, faz sentido estudar e saber os efeitos que mudanças nas taxas de juros causam nas sociedades.








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