sábado, 18 de novembro de 2023

Senhoriagem, a tributação silenciosa

Apesar de silenciosa, pode ser dolorosa e persistente

senhoriagem


Nesta semana, na aula de pós graduação (mestrado), apresentei aos alunos modelos de crescimento acelerado da quantidade de moeda em economias. Quando essa situação ocorre, normalmente as consequências são preços descontrolados (hiperinflação) e substituição da moeda nacional. Neste último caso, a moeda nacional está tão desvalorizada que ninguém a deseja manter ou utilizá-la: recorre-se a meios alternativos para realizar as trocas de bens e serviços. 

Este talvez venha a ser o caso da Argentina no futuro. Nosso vizinho latino utiliza o dólar como moeda alternativa ao peso - este extremamente depreciado. A vantagem do dólar é que ele é uma das moedas mais estáveis do mundo, emitida por uma potência econômica, utilizada globalmente e com existência secular, ou seja, no futuro, o dólar continuará sendo usado. Desta forma, o dólar é um ativo atrativo para manter o poder de compra. 

O que gera a crescente desvalorização da moeda nacional? Para responder essa pergunta, apresentarei o conceito de senhoriagem. Senhoriagem é a receita obtida com o crescimento da moeda para  pagar despesas públicas. A senhoriagem também é conhecida como imposto inflacionário por tributar indiretamente a população através da perda de poder de compra. Vamos passo a passo para entender os mecanismos da senhoriagem.

O primeiro é que o governo não possui suas contas fiscais ajustadas. Desta forma, ele precisa elevar as receitas para conseguir pagar suas despesas. Há várias formas de elevar receitas, como o aumento da tributação. Entretanto, a tributação pode envolver a perda de popularidade, tomar demasiado tempo para ser implementada e envolver discussão com parlamentares. Muitos governos preferem evitar essas etapas. A opção que sobra é a emissão de moeda.

Este é o segundo passo. Dada a necessidade de arrecadar mais receita, governos, por meio de seus respectivos bancos centrais, emitem moeda para pagar despesas. Dependendo da profundidade do desequilíbrio entre receitas e despesas públicas, o crescimento da moeda pode ser muito elevado e acelerado. 

O terceiro passo é que há uma relação positiva entre crescimento da moeda e aumento dos preços (inflação). Consequentemente, essa emissão de moeda irá elevar os preços nacionais, gerando inflação que prejudicará a população. Consumidores perdem poder de compra. Para o governo, todavia, há a vantagem de conseguir pagar suas despesas. 

A fórmula da senhoriagem é a seguinte: senhoriagem (S) = crescimento da moeda (gm) vezes demanda por moeda (Md). A receita de senhoriagem aumenta de acordo com o crescimento da moeda. Esse é um incentivo forte para que o governo continue sempre elevando a quantidade da moeda, pois conseguirá elevar suas receitas. Mas há um porém nessa história. Veja a figura abaixo:


O eixo vertical do gráfico (S) mostra a receita obtida com a senhoriagem. O eixo horizontal (gm) mostra o crescimento da moeda. Note que, no início do gráfico, a senhoriagem sobe conforme a quantidade de moeda se eleva, atingindo um ponto de máximo. Entretanto, após um tempo, a senhoriagem começa a cair (!), mesmo que o governo continue aumentando a quantidade de moeda. 

O quarto passo explica esse aparente paradoxo. Como apresentado na equação da senhoriagem, ela depende não somente do crescimento da moeda, como também da demanda por moeda. A população precisa demandar, manter, desejar e utilizar essa moeda recém criada, caso contrário, a senhoriagem não irá funcionar! O problema é que, como há forte crescimento da moeda, os preços também sobem fortemente! E conforme o bolso dos consumidores começa a doer, com a inflação mordendo o poder de compra, eles passam a evitar a moeda nacional - recorrem a outros meios para fazer suas compras. 

Aqui o governo se depara com um grande problema: continuar expandindo a quantidade de moeda, com a possibilidade cada vez mais próxima de gerar uma hiperinflação, ou parar de expandir a moeda? Caso o governo decida manter a criação de nova moeda, o país terá uma hiperinflação. O ponto positivo é que, embora em patamar reduzido, o governo conseguirá arrecadar senhoriagem e pagar parte de suas contas. Caso o governo decida parar o crescimento da moeda, perderá receita de senhoriagem, mas evitará uma hiperinflação. As duas opções são ruins!

Finalmente, a raiz desse problema é a irresponsabilidade fiscal. O governo recorreu à emissão de moeda para pagar suas despesas. Podemos também acusar esse governo de omissão e inépcia administrativa por não ter tentando reformas fiscais e tributárias para sanar o problema. Um ajuste estrutural dos gastos teria evitado o descontrole dos preços e a criação exagerada de moeda. 

O resultado é uma moeda nacional com pouco valor, desprezada por sua própria população. Quem deseja manter um ativo que pouco vale, o qual perde valor a cada dia, incapaz de realizar trocas comerciais? Praticamente ninguém. Logo, há troca da moeda nacional por ativos alternativos, como o dólar. Caso a população passe a usar maciçamente o dólar, temos um episódio de dolarização

No Brasil, o risco de descontrole da moeda com inflação galopante é baixo. A Constituição veda o financiamento de despesas públicas pelo intermédio do Banco Central. Somente em casos especificados temos o financiamento direto entre essas instituições. Ter um banco central independente também ajuda, pois ele pode se recusar a financiar um comportamento fiscalmente irresponsável do governo - basta não emitir moeda, ou mesmo reduzir a sua quantidade. De toda forma, a recomendação é que a senhoriagem seja utilizada com parcimônia, pois pode gerar desequilíbrios macroeconômicos, além de ser uma forma (um pouco covarde) de tributar a população, sem o aval de políticos eleitos - e também por prejudicar segmentos mais vulneráveis da população, os quais sofrem mais com aumentos dos preços (a população de renda média e alta consegue se proteger do aumento de preços).
















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