quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Resenha: O Petróleo: Uma História Mundial de Conquistas, Poder e Dinheiro (Daniel Yergin)

Petróleo é quase como dinheiro” (Robert O. Anderson).


riqueza conflito poder



Após 3 meses sem escrever resenhas de linhos, aqui estou escrevendo a primeira do ano. A razão para tal hiato é o tamanho do livro O Petróleo: Uma História Mundial de Conquistas, Poder e Dinheiro, de 1300 páginas (1044 se excluir as referências). É um clássico da literatura que examina a influência do petróleo na economia mundial. É um livro ambicioso: o foco é descrever a ascensão do petróleo como insumo produtivo, mostrar sua evolução, o seu impacto em nossas vidas, na geopolítica, nas economias; em resumo, traçar a história do petróleo até os dias atuais (livro vai até o ano de 2010). Como uma parte de minha pesquisa acadêmica envolve a análise do impacto do mercado de petróleo sobre economias, eu tinha enorme interesse em ler essa obra. Não tenho dúvidas em afirmar que ela merece ser lida - inclusive por pessoas que não trabalham no tema. 

O livro define o período da utilização do petróleo até os dias atuais como a era do petróleo. Três motivos explicam o termo. O primeiro é que o petróleo se tornou o principal negócio/atividade comercial da economia mundial. O segundo é que o petróleo redesenhou a geopolítica: como explicar a importância internacional de países pobres do Oriente Médio? Quem diria que Catar conseguiria sediar um evento mundial, como a Copa do Mundo? O terceiro é que a ampla utilização de petróleo (e seus derivados) criou a sociedade do hidrocarboneto. Leitor, reflita sobre sua vida diária. É impossível que ela ocorra sem o uso, direto ou indireto, de gasolina, gás, ou simplesmente petróleo. 

A obra descreve em detalhes como a sociedade migrou para a utilização de energia de combustível fóssil. Automóveis se tornaram o desejo quase unânime de todas as pessoas. Produtoras de carros tiveram que acelerar e reinventar a forma como atuavam para acomodar uma demanda sempre crescente por veículos. Não é coincidência que Henry Ford tenha surgido. Nos EUA, houve enorme movimento e anseio para adquirir carros (movimento que rapidamente espalharia para o resto do mundo). Os postos de gasolina simplesmente não existiam! Consumidores compravam galões de gasolina em mercearias. Dada a crescente demanda por gasolina, marcas famosas de combustível adaptaram e criaram postos de gasolina para atender esses consumidores. 

Atualmente, utilizamos o transporte abastecido por gasolina em praticamente todo lugar; seja por meio de aviões, ônibus, táxis, Uber, veículos privados - todos são recarregados por gasolina. E os alimentos que compramos? O frete e transporte são por gasolina. Entregas de produtos comprados pela internet? Gasolina. Desta forma, o autor utiliza o termo sociedade do hidrocarboneto. Sem dúvidas, a transição energética para a energia mais limpa e sustentável terá enormes dificuldades em reduzir a dependência que temos com o petróleo.

Alguns países e instituições estão comprometidos com a transição energética. O problema é que estamos há mais de um século em uma relação estreitamente dependente e conectada com o petróleo. Adicionalmente, como convencer indivíduos, empresas e países que dependem do petróleo a abandoná-lo? Citando novamente o Catar, mas facilmente poderíamos incluir a Arábia Saudita, Kuwait e os Emirados Árabes Unidos, qual o interesse desses países em abandonar justamente a mercadoria que os projetou no cenário internacional? Posto de outra forma, há um embate entre o uso do petróleo para fomentar o crescimento econômico e a riqueza privada com o objetivo de reverter a mudança climática. A leitura deste livro mostrará que a resolução desse entrave não é nem um pouco trivial. 

Até mais ou menos os anos de 1930, o mercado de petróleo sofria muito com enormes oscilações de seus preços, arruinando empresas, empreendedores, e ao mesmo tempo criando possibilidades de rápido enriquecimento (como exemplo paralelo e atual, pense nas flutuações dos preços de criptomoedas; reflita na dificuldade em fazer transações com uma mercadoria que não se estabiliza). O ponto era que o petróleo era uma mercadoria sujeita aos ciclos econômicos. Isso mudou com a emergência das grandes empresas, como a Standard Oil Company, um dos monopólios mais famosos da história econômica, comandado pelo também famoso John Rockefeller. Um dos argumentos de Rockefeller era o de que a sua empresa ajudava a estabilizar o preço do petróleo, permitindo que outras pequenas empresas pudessem atuar (parece paradoxal, mas, no período em discussão, fazia sentido). A propósito, o livro dedica páginas descrevendo a vida pessoal de algumas celebridades no mundo do petróleo, como o próprio Rockefeller. Uma das características presentes era a de enorme ansiedade e apreensão com as reviravoltas nos preços do petróleo. Quem disse que ansiedade é um sentimento apenas da modernidade?

Discutir o petróleo sem mencionar a geopolítica deixaria um vácuo na história. Um dos pontos fortes da obra é a narração da Segunda Guerra Mundial, a qual foi decidida, em parte, pela provisão de petróleo e a sua falta, no caso do bloco formado pela Alemanha, Itália e Japão. Hitler se mostrou um grande estrategista e entendedor da importância do petróleo ao longo do conflito, principalmente no tocante ao deslocamento das máquinas de guerra - não era óbvio que a falta de petróleo poderia enfraquecer demasiadamente um dos lados beligerantes, culminando em sua derrota. Hitler teve essa visão, o que justificou a invasão da União Soviética, fatídica campanha para os nazistas. Como a Alemanha era pobre em reservas petrolíferas (ela produzia combustível sintético para suprir essa falta), os russos poderiam mais do que compensar essa deficiência. Por exemplo, a tropas italianas e alemãs na África estavam acumulando várias vitórias, até que a escassez de petróleo pesou, revertendo a vantagem obtida. 

Para mim, foi uma surpresa ler esse capítulo, pois não imaginei que o petróleo tivesse sido um fator determinante da Segunda Guerra Mundial. E de fato foi. Mais do que isso, após a guerra, percebendo a importância desse insumo, países passaram a criar planos de estratégia e segurança nacionais pautados pela produção de petróleo.  

O Oriente Médio, até então visto apenas como uma região pobre e pouco desenvolvida, e útil do ponto de vista comercial, passou a ter relevância no palco mundial com a descoberta de amplas reservas de petróleo. Até o surgimento da Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP), empresas de variados países conseguiam explorar o petróleo com enorme margem de lucro. Todavia, com a OPEP, os países do Oriente Médio conseguiram reivindicar parte dessa renda. Com o tempo, esses países estatizaram parte das empresas que operavam em seus territórios, capturando o controle da produção e venda do petróleo. Ocorreu uma reversão: os grandes lucros que fluíam para os acionistas das multinacionais que exploravam o petróleo se deslocou para os governos, para os seus fundos soberanos. 

Atualmente, 80% de todas as reservas de petróleo são exploradas por empresas estatais, as quais servem os seus governos. A relevância dessa informação é que o mercado de petróleo não segue apenas os ditames econômicos, mas envolve os interesses geopolíticos de países. O petróleo se tornou em uma arma para países ricos em reservas.  

Eu sempre fui um crítico ao monopólio desfrutado pela Petrobras no Brasil. Entretanto, ao ler o presente livro, percebi que a criação de estatais para produzir petróleo pensando na segurança nacional, bem como no equilíbrio de poderes entre países, não é uma característica brasileira. O mercado de petróleo é formado predominantemente por estatais

E o futuro? O livro termina argumentando que a era do petróleo não chegará ao fim tão rapidamente como muitos pensam. Por mais que a transição energética seja importante (e necessária), é difícil prever um cenário no qual produtores de petróleo, e nós consumidores, largaremos a utilização dessa mercadoria. Os próximos anos mostrarão sucessivos embates entre a dependência do petróleo com a imperiosidade da transição energética. 




















 

Nenhum comentário:

Postar um comentário