domingo, 14 de abril de 2024

Racionalidade e Razoabilidade Financeira

A razoabilidade pode trazer noites tranquilas de sono, e esse benefício é difícil de precificar

racionalidade financeira


Um dos serviços que ganhou destaque nas plataformas de comunicação nos últimos anos foi o de assessoria de investimentos, ou educação financeira. Há de fato uma lacuna em educação financeira na população, iniciando por noções básicas de investimento. Muitas pessoas ainda investem na poupança, acreditando que ela oferece a melhor segurança e retorno ao capital. Há outros tantos que preferem deixar o dinheiro guardado e escondido em casa por desconfiarem dos bancos e do governo. Dessa forma, o ramo de serviços de educação financeira cresceu e tem contribuído para a formação dos brasileiros.

Esses serviços sempre focam no melhor retorno do investimento ou o ativo que terá a maior valorização nos anos seguintes. Dessa forma, podemos dizer que esses serviços se concentram na racionalidade do investimento. A discussão em volta da razoabilidade do investimento pouco aparece. De que adianta usar muita racionalidade em uma decisão financeira se ela não é razoável para a pessoa?

Vou ilustrar esse ponto com a decisão de adquirir um apartamento ou uma casa, um objetivo quase universal no Brasil. Há quem diga que em 90% dos casos essa decisão não é a ideal, pois é mais rentável investir o dinheiro ganho e pagar o aluguel (lembre-se de que bancos não compram casas e as alugam, mas preferem emprestar o capital para nós). No longo prazo, esse capital investido será maior do que o valor da casa. Já vi simulações que mostraram exatamente esse resultado. Hoje mesmo fiz uma e a apresentarei aqui. 

Eu simulei uma aquisição de um imóvel de 200 mil reais. Seguindo a regra do financiamento imobiliário, deve-se pagar pelo menos 20% do valor do imóvel como entrada. Portanto, 40 mil reais devem ser dispendidos. O restante a ser pago, no valor de 160 mil reais, será pago em parcelas mensais com 1% de juros. Eu coloquei 21 anos de parcelas, totalizando em 252 prestações mensais. Eu usei esse site aqui para fazer a simulação.



Note que no final do financiamento o pagamento total será de 438 mil reais. Mais do dobro do valor do imóvel. É o efeito dos juros ao longo do tempo. Agora vamos comparar esse financiamento com investimentos no tesouro direto. Eu simulei com o tesouro direto IPCA 2045. É um título que fornece rendimento atrelado à taxa de inflação mais juros. A data de 2045 coincide com o total do financiamento imobiliário anterior. Na simulação, o investidor investe 40 mil reais (o valor da entrada no imóvel), e realiza investimentos mensais de 1000 reais até o ano de 2045, quando o título poderá ser resgatado.



Veja que em 2045 o investidor teria 882 mil reais, líquidos, ou seja, já descontando o pagamento de imposto de renda e taxa da B3. Compare esse valor com o do financiamento. No financiamento, o indivíduo não teria capital investido, apenas o imóvel comprado. No cenário em que essa pessoa vive pagando aluguel e investindo no tesouro direto, ele chega em 2045 com um capital líquido de 882 mil reais. Com esse dinheiro, ele consegue comprar o imóvel que foi avaliado em 200 mil hoje ao preço de 438 mil reais em 2045 (valores da minha simulação). E restaria 444 mil reais (882 mil menos 438 mil reais). Não há dúvida de que investir e viver de aluguel até 2045 seria largamente mais vantajoso do que adquirir o imóvel próprio com o financiamento imobiliário. 

Mas esse não é o ponto do texto! O ponto é que em toda essa discussão eu mostrei apenas a racionalidade do investimento. E a razoabilidade? Bem, vamos nela. Muitas pessoas desejam ter o imóvel próprio pelo sentido de pertencimento, de ter um lar, algo tangível, conquistado com o seu trabalho. Elas desejam viver e crescer na mesma casa, ter memórias afetivas dela. O investimento no tesouro não dará nenhuma dessas coisas. Se ter a casa, mesmo que pagando muito mais por ela, como demonstrei, gera a sensação de alívio, reduz a ansiedade, e nos ajuda a dormir bem. Então é mais razoável comprar a casa do que investir no tesouro. Alguns analistas consideram que a melhor decisão é comprar a casa quando sabemos que iremos viver nela por vários anos (eu incluso nessa galera). Em algumas decisões de nossa vida, embora o cálculo financeiro (racionalidade) deva nos auxiliar, a razoabilidade não deveria ser ignorada. 

Eu mesmo estou aplicando a razoabilidade em detrimento da racionalidade financeira. Parte de minha poupança fica parada em minha conta corrente. Minha perda são os juros que poderiam ser ganhos caso eu investisse essa pequena poupança. Há também o custo adicional de que a inflação está corroendo esse dinheiro parado. A racionalidade me diz para investir esse dinheiro. Mas eu detesto pagar parcelas - atualmente parcelei a compra de 4 pneus novos para o meu carro em 6 vezes. Não há risco desse parlamento não ser honrado, mas é algo que me incomoda (quanto mais converso sobre isso com amigos e colegas, mais percebo que é uma sensação indesejável, quase universal, a de ter prestações nos esperando nos próximos meses). Portanto, minha estratégia é acumular um valor na conta corrente suficiente para nunca mais parcelar nenhuma compra. Irei simplesmente pagar à vista (já tentei colocar esse dinheiro em títulos de renda fixa de curto  prazo com liquidez diária, mas uma vez que esse dinheiro se tornou capital, rendendo juros, a ideia de pagar à vista foi por água abaixo). Não é racional, pela perda de juros e da inflação, mas é algo que irá eliminar o aborrecimento de ter parcelas em minha vida. Eu continuo fazendo investimentos de longo prazo, entretanto, agora tenho o adicional de fazer essa pequena poupança para eliminar parcelas em minha vida. Eu acomodei a razoabilidade com a racionalidade financeira em minha vida. 

Para terminar, não argumento que deveríamos abrir mão da racionalidade financeira, mas que pode ser vantajoso para nossa saúde mental (e nosso sono) conjugar racionalidade com razoabilidade.

OBSERVAÇÃO: a ideia desse artigo veio de minha leitura do livro A Psicologia Financeira, de Morgan Housel (resenha aqui). O próprio autor adota uma regra de razoabilidade, deixando 50% de toda a sua poupança na forma líquida e sem rendimento. Ele reconhece o custo que isso carrega, mas realça o benefício que adveio dessa decisão: noites tranquilas de sono, menor ansiedade e preocupação com suas finanças. 















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