domingo, 3 de março de 2024

Resenha: A Psicologia Financeira: Lições Atemporais sobre Fortuna, Ganância e Felicidade (Morgan Housel)

A chave é o nosso comportamento, componente volátil e (por vezes) imprevisível

razoável racional satisfeito


De tempos em tempos eu gosto de ler livros sobre investimento e finanças. Em primeiro lugar, eu gosto do tema - tema pertencente ao curso de Administração, e não ao de Ciências Econômicas, como muitas pessoas pensam. Em segundo lugar, essas leituras me ajudam a pensar na forma como poupo, invisto e gasto o meu dinheiro. Os dois últimos livros de investimento que li não me empolgaram muito: O Choque de Culturas, de Bogle, e Investindo em meio a Baixos Retornos Esperados, de Ilmanem. Achei os dois muito técnicos, prestando pouca atenção à parte subjetiva, ou seja, ao nosso comportamento. A Psicologia Financeira mira exatamente no componente mais importante de uma estratégia de investimento - nós. 

A proposição da obra é a de que o nosso comportamento é mais importante do que nossa inteligência em matéria de investimento. Características como paciência, consistência, e moderação, no longo prazo, batem recomendações ultra racionais de investimento. Há, inclusive, a descrição de uma estratégia de investimento na qual se o indivíduo se comprometer a fazer determinados aportes ao longo de sua vida, irá ter maior retorno do que se não segui-la. Mas no decorrer dessa trajetória o seu investimento total poderá cair para zero (!). O indivíduo racional deveria se manter na estratégia, seguindo-a friamente, sem pensar duas vezes. Quem em sã consciência conseguiria manter investimentos quando o patrimônio caiu para zero? (Essa estratégia foi publicada por professores nos Estados Unidos). 

Outro tema recorrente é o de que deveríamos conseguir, por mais difícil que seja, atingir um nível de suficiência/satisfação com nossos recursos. Se sentindo satisfeito com sua vida, posses, aportes, investimento total, renda e carreira, possivelmente não cairíamos em armadilhas de investimentos muito arriscados, além dos efeitos paralelos, como ansiedade financeira. As propagandas, o entretenimento, e a vida social nos empurram para sempre continuarmos na corrida para aumentar incessantemente nossas metas pessoais, como renda e posses, mas de fato é salutar conseguir dizer "eu estou satisfeito" e se desvencilhar dessa corrida na qual a linha de chegada sempre se afasta de nós conforme nos aproximamos dela. 

Se sentindo satisfeito, a fórmula da felicidade, que é a subtração dos resultados obtidos com as expectativas que formamos, se torna factível (gostei dessa definição de felicidade). Recentemente eu li, se não estou enganado, de um livro escrito por Sêneca, de que o que temos atualmente já foi desejado por nós no passado. Esse pensamento pode nos ajudar a nos sentirmos mais satisfeitos e menos ansiosos com o que não temos. Segundo Nietzsche (comecei a ler pela terceira vez o seu livro Além do Bem e do Mal), gostamos mais do desejo que temos por algo do que propriamente da coisa. Uma vez que adquirimos o objeto sonhado, ele perde valor. 

Se fizermos o básico em relação aos investimentos (ao longo do livro o autor define o que seria esse "básico" - em resumo, são aportes sistemáticos em ativos condizentes com nossa personalidade, e que se adequam às nossas metas pessoais), não teremos problemas com o resultado final. Novamente, é a questão da consistência superando estratégias muito elaboradas, mas difíceis de serem seguidas. 

O que escrevi acima é o núcleo do livro. Os capítulos da obra descrevem e mostram como nosso comportamento pode ser nossa melhor arma para atingir o objetivo financeiro. Eu concordei com o autor - se ajustarmos a forma como pensamos e nos comportamos, muito provavelmente nos aproximaremos dos nossos objetivos.

Vou discutir algumas das ideias desses capítulos. O primeiro diz que ninguém é doido. Conhece aquela pessoa que investe somente em poupança? Ou em terrenos? Bem, ela pode fazer isso por causa de sua experiência de vida. O autor mostra que indivíduos que nasceram durante um boom no mercado de ações (boom é quando as ações crescem além do esperado por um período razoável de tempo) tendem a investir mais nesse mercado depois de adultos - mesmo que a alta das ações já tenha terminado e virado passado. De forma análoga, indivíduos que cresceram em período de instabilidade financeira tendem a investir em ativos de menor risco quando adultos, ainda que o mercado financeiro tenha se tornado propício para ativos de risco. Em outras palavras, nossa experiência pessoal molda nosso comportamento financeiro. Ninguém é doido, apenas replica o que foi vivido.

A sorte muitas vezes é o principal fator no sucesso financeiro. Mas quem admite que foi sorte?! Admitir que a sorte foi o elemento decisivo reduz nossa imagem, nosso mérito; nos depreciamos a nós mesmos, nós, seres que anseiam por termos maior valor perante os outros. Desta forma, tendemos a ignorar a sorte, principalmente quando seguimos o que funcionou para outras pessoas. Pense nos investidores que ficaram ricos com criptomoedas. Quantos não tiveram apenas sorte? E quantos outros tentaram imitar essa estratégia e fracassaram, por falta de sorte? A lição é seguir o comportamento padrão, a estratégia que funciona na média, e não os casos extremos, pois a sorte os afetam. 

Além da sorte, devemos nos aliar aos fatores tempo e consistência. Todo livro de investimento cita o tempo, e isso não é casual. Os juros compostos, o rendimento que acumula sobre rendimento, pode fazer toda a diferença. O ponto é ter paciência e consistência - o autor não usou o termo paciência, aqui foi acréscimo meu. Muito do mundo financeiro se desdobra aos poucos, ao longo de anos. Suas finanças pessoais seguem esse ritmo. 

Nós iremos cometer erros financeiros, perderemos dinheiro. Mas também iremos acertar. Não se concentre muito nos erros. Aprenda com eles e não os repita. Grandes investidores erraram no passado. Por que nós não erraríamos? Faz parte. Vida que segue. Mas que continuemos com o aprendizado advindo do erro. 

Vários capítulos se dedicam a discutir nosso consumo. Se não conseguirmos dominar essa fera, ele irá minar nossa poupança e investimento. Talvez o pior lado do consumo seja o endividamento, o qual toma nossa renda futura, acrescenta juros, cria ansiedade, e reduz nossa liberdade. Parte do consumo é motivada por status. Segundo o autor, se desejamos ser bem vistos e julgados, outros fatores são mais relevantes, como bondade, humildade e empatia, e não a posse de bens materiais. Aqui faltou melhor argumentação por parte de Morgan Housel. A princípio, concordo com sua ideia, mas ela deveria ser apoiada por estudos e uma discussão mais aprofundada, talvez com um pouco de filosofia. 

Nosso consumo pode ser somente para alimentar nosso ego. O ego irá crescer, mas também possíveis dívidas e menor capacidade para poupar. Reflita quanto do seu consumo não é somente para atender a esse ser insaciável, nosso ego. Quando vemos algumas pessoas com carros luxuosos, grandes casas, ou artefatos caríssimos, sabemos somente de uma coisa: a riqueza dessas pessoas foi subtraída pelo valor desses bens. Não sabemos realmente da riqueza delas. E se todos esses bens são financiados? Leitor, quantas pessoas em sua cidade não se endividam apenas para sustentar o consumo de carros e outros bens?

Crie margem para erros. Esse é um dos melhores conselhos do livro. Um dos principais pilares de todos planos que traçamos é ter um plano adicional para o caso do plano principal não funcionar. Se você precisar de dinheiro na semana seguinte, você terá de queimar parte de seus investimentos? Se esse for o caso, saiba que você estará danificando o ganho de longo prazo de seus investimentos. Talvez seja melhor ter uma liquidez no presente, e assim reduzir o investimento total, para se proteger de eventuais perigos não previstos. Um passo bem dado para trás pode gerar tantos outros para a frente.

Por fim, a conclusão é a de que é preferível sermos razoáveis do que racionais. Na maior parte dos casos, por exemplo, adquirir uma casa própria não é a melhor estratégia. Viver pagando alugueis e investir parte da renda te dará maior retorno no longo prazo. Mas e se a casa gerar maior tranquilidade, gerar um sentimento de pertencimento, de um lar, de um lugar seguro contra o resto do mundo? Ter uma casa não seria legal? Sim, seria. O próprio autor seguiu esse caminho. Desta forma, uma dica é ponderar a estratégia financeira com a sua personalidade e anseios. Um equilíbrio entre esses fatores pode propiciar paz de espírito e tranquilidade para seguir com os seus investimentos. 

Em resumo, a obra é agradável de ser lida, é curta e em algumas partes é cômica. Ela peca pela ausência de uma discussão mais profunda em alguns temas, mas essa omissão pode ser facilmente complementada pela leitura adicional de outras obras. Isso não prejudica o êxito do livro em destacar como o nosso comportamento pode ser o fator decisivo em nossos investimentos. 













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