Políticas Fiscais podem mitigar o alastramento de queimadas
Atingi minha 9ª publicação neste ano. O artigo é Fiscal Policy and Deforestation (Política Fiscal e Desmatamento), publicado na revista Sustainable Futures. O artigo está neste link.
Nós discutimos como políticas fiscais podem reduzir as queimadas no Brasil. Políticas fiscais se dividem em dois eixos: i) gasto do governo e ii) tributação. Nós usamos queimadas para representar o desmatamento das florestas. Focamos em dois biomas: Mata Atlântica (MT) e Floresta Amazonas.
Os resultados mostraram que o governo conseguiria reduzir as queimadas com um mix de políticas fiscais que preservariam o equilíbrio orçamentário. O aumento do gasto público, juntamente com o aumento dos impostos, auxiliaria na redução das queimadas. Uma vantagem é que a posição fiscal não iria piorar, pois o gasto seria financiado pela tributação. O meio ambiente sairia beneficiado com a queda das queimadas - além de nós brasileiros, que respiraríamos um ar menos poluído.
Embora nosso trabalho mostre uma relação estatisticamente significativa entre a política fiscal e o desmatamento, ele apresenta algumas lacunas. A primeira é se é realmente desejável um aumento dos impostos. Eu antecipo que não. O Brasil, em comparação com países de nível econômico similar, tem elevada carga tributária. Nós brasileiros convivemos com produtos caros - em parte por conta dos impostos e distorções do sistema tributário.
A segunda lacuna é como o gasto público é realizado. O trabalho mostra que o gasto em bens públicos, como educação, saúde e defesa nacional auxiliam na redução das queimadas. Mas vamos somente até aí. Uma análise mais apurada precisa "quebrar" essas rubricas e detalhar como, por exemplo, o gasto em educação iria contribuir para a queda das queimadas. Seria por que pessoas com maior nível de escolaridade têm maior consciência de atos que promovem queimadas e, por conseguinte, tomariam ações para coibir o desmatamento? Nosso trabalho não responde esse tipo de questão.
Outra lacuna é o aumento do gasto público. Um dos problemas econômicos do Brasil, e talvez de sua cultura, é sempre pensar e utilizar o gasto como ferramenta para resolver os seus problemas. O gasto público pode corrigir falhas na economia. Mas ele não é toda a história. No caso do desmatamento, ele se enquadra no conceito de externalidades (escrevi sobre esse termo aqui). Externalidades ocorrem quando a ação de uma pessoa ou empresa afeta terceiros, sem que o mercado responsabilize o autor da ação. A queimada é um caso clássico, pois quem a promoveu não é responsabilizado, mas todos pagam o preço, que é tanto a fumaça quanto a piora do ar. Assim, o governo pode melhorar a situação atuando neste segmento.
Entretanto, o meu ponto é que toda a estrutura do gasto do governo no Brasil deveria ser revista. O gasto fiscal para combater as queimadas é justificado pelo conceito de externalidades e de falhas de mercado (sempre que há uma falha de mercado, o governo poderia melhorar a situação para todos ao intervir). Desta forma, é desejável que ocorra o gasto na área ambiental. Mas e o gasto com privilégios para algumas categorias de servidores? E os subsídios para grandes empresas e o agronegócio? Zona Franca de Manaus? Consequentemente, no cenário ideal, o governo deveria revisar cada um de seus gastos, mantendo apenas aqueles que apresentem uma justificativa econômica plausível, respaldada por estudos científicos de qualidade - e análises de custo-benefício. Isso não acontece. E lamento dizer, não acontecerá tão breve.
De toda forma, essas lacunas evidenciam o que é um artigo científico: ele resolve uma questão mas deixa várias outras em aberto. Trabalhos futuros poderão preencher essas lacunas, enquanto apresentando outras. A ciência é um esforço coletivo de milhares de pesquisadores. Eu e os meus coautores (João, professor da Universidade da Flórida, e André, professor da Universidade de Utah) mostramos a direção: o governo pode reduzir as queimadas mantendo o equilíbrio fiscal. Trabalhos futuros irão complementar nosso resultado, melhorando nossa compreensão e fornecendo subsídios para a formulação de políticas ambientais que consigam prevenir a incidência de queimadas em todo o país.
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